Escrever no escuro: Tânia Ganho, a linguagem e o dever de olhar
Há escritores que procuram a luz. Outros preferem começar no escuro.
Não por gosto do choque, mas porque sabem que há zonas da experiência humana que só se tornam visíveis quando se abdica do conforto.
A escrita de Tânia Ganho pertence claramente a este segundo grupo. Ao longo da conversa no Pergunta Simples, torna-se evidente que não se trata de uma escolha estética nem de uma estratégia narrativa. É uma posição ética: escrever é olhar para aquilo que existe, mesmo quando é incómodo, perturbador ou socialmente evitado.
Nos seus livros — e no modo como fala deles — a literatura não surge como refúgio, mas como instrumento de análise. Ganho escreve sobre violência, abuso, maternidade falhada, infância em risco, sistemas de justiça imperfeitos. Não para moralizar. Não para oferecer respostas simples. Mas para tornar visível uma complexidade que tende a ser empurrada para fora do discurso público.
A escrita como trabalho — e não como epifania
Um dos pontos mais consistentes da conversa é a recusa da ideia romântica do escritor inspirado. A escrita, diz Ganho, é trabalho. Trabalho disciplinado, solitário, muitas vezes árido. Há momentos de fluxo, mas são exceção. O essencial acontece sentado, a cortar, reescrever, eliminar palavras, escolher sinónimos, testar frases até ao limite.
Este rigor não é preciosismo. É resistência. Num tempo em que a linguagem se acelera, se empobrece e se uniformiza — em parte pela delegação crescente da escrita em ferramentas automáticas — insistir na escolha exata das palavras é um ato deliberado de diferenciação humana.
A preocupação com a inteligência artificial atravessa a conversa não como alarme tecnofóbico, mas como constatação prática. Na tradução literária, onde Ganho trabalha há décadas, as ferramentas automáticas já produzem resultados aceitáveis ao nível estrutural. O problema está noutro lugar: o vocabulário limitado, a previsibilidade sintática, a perda de nuance. A língua funciona, mas deixa de pensar.
Escrever, neste contexto, torna-se também um gesto de defesa da linguagem como espaço de liberdade e não apenas de eficiência.
Traduzir é recriar — e assumir a imperfeição
A tradução literária surge como um dos campos mais reveladores da conversa. Longe da ideia de equivalência perfeita, Ganho insiste num princípio clássico da teoria da tradução: toda a tradução é, por definição, imperfeita. E é precisamente por isso que exige criatividade.
Traduzir trocadilhos, humor, ambiguidades culturais implica reconstruir, adaptar, escolher. Às vezes, mudar nomes de personagens secundárias. Às vezes, sacrificar a literalidade para salvar o efeito. É um trabalho que combina técnica e intuição, fidelidade e traição controlada.
Esta visão coloca a tradução no centro da criação literária, e não na sua periferia. Tradutores não são mediadores invisíveis: são autores de segunda ordem, responsáveis por decisões que moldam profundamente a experiência de leitura.
Ler devagar num mundo rápido
A leitura ocupa um lugar central no pensamento de Tânia Ganho — não apenas como hábito pessoal, mas como prática social ameaçada. Ler exige tempo, concentração, disponibilidade emocional. Exige parar. E parar tornou-se uma raridade.
Ao longo da conversa, surge uma defesa clara do direito de abandonar livros, de mudar de leitura conforme a fase da vida, de aceitar que nem todos os textos servem todos os leitores em todos os momentos. Longe do moralismo cultural, esta abordagem devolve à leitura uma dimensão viva e plural.
Nesse contexto, livreiros, bibliotecários e clubes de leitura ganham uma importância renovada. São mediadores num mercado saturado, curadores num mar de títulos, guias num tempo de excesso de escolha e escassez de atenção.
Violência contra crianças: o que preferimos não ver
O momento mais duro da conversa surge quando Ganho fala de violência doméstica e sexual sobre crianças. Não como abstração, mas como realidade recorrente. A referência direta ao trabalho da Polícia Judiciária — e à frequência com que são detidos abusadores — desmonta a ilusão de excecionalidade.
A dificuldade social, sublinha, está em aceitar que o mal não se apresenta sempre como monstruoso. Pode ser bem-vestido, integrado, respeitável. Essa dissonância cognitiva leva muitas vezes à negação, ao silêncio, à recusa de olhar.
É aqui que a literatura assume, para Ganho, uma função insubstituível: obrigar à atenção prolongada. Não ao choque momentâneo, mas à compreensão lenta. Um romance não resolve o problema, mas pode criar consciência. Pode alterar comportamentos marginais — como a exposição excessiva de crianças nas redes sociais — e introduzir dúvida onde antes havia automatismo.
Imagem, verdade e desconfiança
A conversa cruza ainda fotografia, vídeo e tecnologia. Num mundo em que imagens podem ser manipuladas com facilidade crescente, a relação com a verdade visual degrada-se. Já não sabemos se uma fotografia documenta ou simula. Se um vídeo regista ou inventa.
Esta erosão da confiança tem consequências profundas, não apenas mediáticas, mas morais. Se tudo pode ser falso, tudo pode ser descartado. A resposta proposta não é paranoia, mas discernimento: parar, verificar, desconfiar com método.
Mais uma vez, a leitura surge como treino essencial. Ler ensina a lidar com ambiguidade, a sustentar atenção, a adiar julgamentos. Competências cada vez mais raras — e cada vez mais necessárias.
Escrever para não se afundar
No final da conversa, a escrita surge também como estratégia de sobrevivência. O livro dedicado ao pai, escrito após a sua morte, não é um exercício de luto terapêutico simplista. É uma tentativa de reorganizar o mundo depois da perda, de reconstruir camadas identitárias, de encontrar equilíbrio entre memória e continuidade.
Humor, dança, desporto, isolamento voluntário: são estratégias práticas para lidar com a carga emocional de quem passa a vida a investigar o sofrimento humano. Não há romantização da dor. Há gestão consciente da tensão.
A literatura como exercício de responsabilidade
O que atravessa toda a conversa com Tânia Ganho é uma ideia simples e exigente: a literatura não serve para nos proteger do mundo. Serve para nos preparar para ele.
Escrever, ler, traduzir, pensar — tudo isto exige tempo, atenção e coragem. Num espaço mediático dominado pela reação imediata e pela simplificação, essa exigência pode parecer anacrónica. Mas talvez seja precisamente por isso que se tornou indispensável.
No Pergunta Simples, esta conversa não oferece respostas fáceis. Oferece algo mais raro: ferramentas para pensar melhor. E, num tempo como o nosso, isso já é uma forma de resistência.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIOEsta transcrição foi gerada automaticamente. Por isso, ela pode não estar totalmente precisa.
0:00
Tânia Ganho: Escrever sobre o Lado Sombrio da Vida
Eu escrevo sobre lugares muito sombrios e sobre situações muito cruéis, grotescas, macabras.
Interessa, me interessa, me interessa me analisar.
O ser humano e o ser humano tem uma capacidade enorme para a bondade, para o altruísmo, mas também tem uma capacidade enorme para a crueldade e para para uma violência muito pérfida.
0:20
E não há semana que passe em que a polícia judiciária portuguesa não apanhe 1234.
Pedocriminosos, portanto, pedófilos, como as pessoas lhes chamam.
0:30
Pessoa 2
Fala Tânia.
Ganho escritora e tradutora literária.
O que acabamos de ouvir não é uma metáfora, não é um exagero retórico.
Melhor fosse, é uma descrição fria de uma realidade que preferimos manter fora do campo de visão.
Uma espécie de não comunicação, de não inscrição.
0:47
É a linguagem da violência, sobretudo sobre os mais vulneráveis.
1:04
Vivam bem vindos ao pergunta simples, o vosso podcast sobre comunicação, Tânia ganho escreve a partir de lugares difíceis, não para chocar, mas para olhar de frente naquilo que a sociedade tende a empurrar para as margens.
Nesta conversa, falamos de violência sexual sobre as crianças, sobre violências várias, assumidas, escondidas, envergonhadas.
1:24
E não são atos só de violência física, do mal que vive entre nós, da dificuldade coletiva em aceitar que o mal não tem sempre cara de monstro, de forma como o discurso público fala de direitos.
Mas falhamos muitas vezes na proteção real.
1:40
Falamos também do papel da literatura nestes contextos, não como consolo, mas como instrumento de lucidez.
Como forma de dar tempo, espessura consciência a temas que exigem mais do que indignação rápida.
Mas esta também é uma conversa luminosa sobre leitura e leitores, sobre ler devagar no mundo acelerado, sobre quando existir num livro e quando o abandonar, sobre livreiros, bibliotecários e clubes de leitura como mediadores essenciais, num tempo de excesso de títulos e pouca atenção para responder à pergunta, afinal, que próximo livro é que eu vou ler?
2:15
Falamos ainda.
De linguagem, da escolha rigorosa das palavras, do empobrecimento do vocabulário da inteligência artificial e do risco de começarmos todos a escrever, a falar e a pensar da mesma maneira.
O pergunta simples existe para isso, para criar um espaço onde é possível pensar melhor, comunicar melhor e enfrentar dilemas reais sem simplificações.
2:37
Esta é uma dessas conversas.
2:42
O Trabalho Diário do Escritor, Longe da Epifania Romântica
Tânia, ganho tu auto defines te.
Como escritora eremita e leitura compulsiva, que é mais ou menos a mesma coisa, forges para ir ler, forges para ir escrever és escritora.
Tens 2 livros de que eu gosto muito.
2:58
Um deles que eu estou a ler agora é que me aflige que são os lobos.
Se calhar foi isso.
Tu pensaste exatamente nisso.
Falas muito sobre intimidade emocional, falas sobre sobre o corpo feminino, entre AA ferocidade e a ternura.
3:13
Como é que é a vida de um escritor?
Eu tenho sempre essa curiosidade.
Como é que é?
Como é que é a tua vida de escritor?
Levantas te fazes o pequeno almoço ou pegas logo, há ali uma emergência e tu precisas de escrever logo 3 frases antes que aconteça qualquer coisa.
3:27
Pessoa 1
Antes fosse assim.
3:28
Pessoa 2
Não brota, não brota das plantas, não brota da água.
Não, não vem.
3:32
Pessoa 1
Água às vezes brota, às vezes brota, às vezes brota e quase queimo Panelas, porque de repente.
Estou a cozinhar e vem me uma ideia, já aconteceu.
3:40
Pessoa 2
É um momento de epifania.
3:41
Pessoa 1
Já aconteceu.
Mas se nós estivermos à espera da epifania, bem, podemos esperar sentados muito do trabalho de escrita.
É, é efetivamente trabalho.
É sentarmos EE trabalharmos.
Mas eu faço outras coisas, não é?
E os escritores, cada vez mais, eu creio que fazem muitas outras coisas, visitas a bibliotecas, comunidades de leitores.
3:59
Portanto, a escrita agora é muito mais do que eu estar só sentado a escrever.
Mas, idealmente, eu eu tenho no Instagram o escritor ermita e vou ter de apagar porque eu pareço um caixeiro viajante.
Eu tenho andado de festival literário em festival de comunidade em comunidade, portanto, tenho andado a viajar pelo país todo e, de repente, a ideia de eremita já não faz sentido, mas.
4:20
Para realmente escrever, eu isolo me de tudo.
Eu eu saio de Lisboa, vou sozinha para para sítios que são os meus refúgios de eleição, e não faço mais nada, anão ser escrever, escrever e fazer longas caminhadas.
4:35
Pessoa 2
Isso é, durante quanto tempo quer dizer o teu processo de descrita?
4:38
Pessoa 1
O tempo que eu posso às vezes são 34 dias, outras vezes é uma semana.
Já consegui chegar a parar um mês inteiro, que é assim, uma espécie de luxo.
Porque o resto do tempo tem de estar a fazer traduções ou a preparar clubes de leitura.
Ou, portanto, há muitas outras atividades a que eu me dedico e que não me permitem estar a escrever a tempo inteiro.
4:58
Isso também faz com que cada vez que me sente, é como se tivesse uma epifania, porque já andei tantas vezes e tantas horas às voltas com estás.
5:05
Pessoa 2
A remoer uma ideia.
5:06
Pessoa 1
Sim, que quando me sento, realmente é como se tivesse ali 11 momento de iluminação, só porque já trabalhei imenso na minha cabeça e aquilo.
5:12
Pessoa 2
Aparece e já agora?
Tu escreves tu quando escreves, escreves para adicionar sempre mais qualquer coisa ou escreves de uma forma torrencial, e depois o teu processo é devastar, é cortar, é tirar, é eliminar.
5:25
Pessoa 1
É estas coisas eu vou escrevendo há dias em que é de jorro.
Por exemplo, se estive muito tempo sem escrever, imagina um mês sem um mês?
Não, isso nunca acontece, mas sei lá, 15 dias em que não pude mesmo sentar, me e escrever.
Só tirei apontamentos, ou escrevi uma frase ou 2.
Quando depois me sento a escrever, aí é, é, é assim, uma torrente.
5:44
E depois vem o processo de corta desbasta, isto é uma porcaria.
Isto não acrescenta nada.
Isto é clichê.
5:52
Pessoa 2
És muito preciosista nessa, nesse.
5:54
Pessoa 1
Processo sou perfeccionista, sou perfeccionista.
5:56
Pessoa 2
Ali é o detalhe.
5:57
Pessoa 1
Sim, sim, escolher.
Eu passo horas a escolher sinónimos tenho esta palavra, mas não é muito usada, é muito banal.
Então como é que eu posso dizer isto de outra maneira?
A.
6:06
Pessoa 2
Sério, vais remoer à palavra?
6:09
Pessoa 1
Sim, sim, sim.
6:10
Pessoa 2
Isto não é.
6:10
Pessoa 1
Mas eu acho que é isso que é interessante, porque senão, e isto especialmente com agora, com a inteligência artificial, se tu não te dedicares como escritor a esse trabalho de perfeccionismo, qualquer dia estamos todos a falar como o chat GPTEA usar me e o ChatGPT está ótimo.
6:27
A Escolha Rigorosa das Palavras na Era da Inteligência Artificial
Vais falando com o que era vais?
6:28
Pessoa 2
Falando com o com o chatch fica?
6:29
Pessoa 1
Eu falo imenso com a inteligência artificial.
Eu acho que não se pode trabalhar na área, por exemplo, da tradução e não saber o que, em em que estado está a inteligência artificial que eventualmente nos substituirá a nós tradutores.
Portanto, vou usando como ferramenta e vou testando para perceber em que em que ponto é que está de desenvolvimento.
6:47
Mas a verdade é que, embora a nível da tradução já esteja mais ou menos competente, Oo vocabulário é sempre o vocabulário mais limitado.
Nós, como humanos, temos uma gama de vocabulário que que que deveria ser cada vez mais rica, mas está cada vez mais pobre, porque as pessoas já não usam o cérebro, usam as ferramentas de inteligência artificial.
7:09
E então eu tenho feito esse esforço cada vez mais, seja nas traduções, seja na escrita, para ir buscar sinónimos tentar dizer sempre de uma maneira simples, que eu não gosto, não, a minha escrita não é nada de floreados gosto de uma escrita.
Límpida.
7:22
Pessoa 2
Enxuta.
7:23
Pessoa 1
Sim, concis, porque eu própria fico cansada quando estou a ler textos com muitos floreados, muitos rodriguinhos, como dizia o meu pai.
7:29
Pessoa 2
Coitado do Eça Queirós já morreu, agora 2 vezes.
7:32
Pessoa 1
Sim, mas é diferente.
OS é OS, é OS, é OS.
7:35
Pessoa 2
Ele podia?
7:35
Pessoa 1
Ele podia e eram outros tempos, e ele podia e ele fazia o muito bem.
Agora, no nosso dia a dia, eu gosto de uma escrita mais, mais concisa.
E acho que os tempos também pedem uma escrita mais mais limpida.
7:47
Pessoa 2
Olha, há línguas obviamente diferentes, tudo traduzes maioritariamente, tanto quanto eu consigo perceber do inglês.
E no francês.
Mas há coisas que se dizem nessas línguas que não se dizem em português.
Estou a pensar no inglês.
Os ingleses são todos muito diretos, enxutos, muito bom queijo, queijo.
8:03
E nós introduzimos ali outras outras coisas.
Como é que, como é que se faz esse, como é que se acrescenta a água?
Como é que se.
8:11
Pessoa 1
Aproximações é tudo por aproximação.
Lá está estávamos a falar de perfeccionismo.
Quando se é tradutor, há sempre esse elemento que está presente.
Nenhuma tradução é perfeita, por mais que tu queiras, nenhuma é perfeita.
Portanto, à partida já vais para o exercício da tradução a pensar que será sempre, por definição, um exercício imperfeito.
8:30
Pessoa 2
Isso dói te.
8:32
Pessoa 1
Não, porque é é o que é, é o que é.
8:35
Pessoa 2
Tu vais, tu vais espreitar as os os teus romances estão traduzidos para para.
8:39
Pessoa 1
Ainda não.
Ainda não está.
Está na calha, está na calha.
8:42
Pessoa 2
E então, e como é que como é que ou?
8:43
Pessoa 1
Vais.
8:44
Pessoa 2
Fazer tu?
8:45
Pessoa 1
Não.
8:46
Pessoa 2
Entregar a alguém, mas estou a pensar em inglês ou francês?
8:48
Pessoa 1
Vou entregar a alguém.
Mas se forem línguas que eu que eu Domino como está, enfim, está no ar a hipótese do inglês e do francês.
Ou se for o espanhol, eu vou querer ler a tradução EE, trocar ideias como eu, como tradutora, faço com os autores que traduz se estiverem com isso, faço isso.
9:07
Contactos, se tiver dúvidas, se não tiver dúvidas, nos.
9:09
Pessoa 2
Vais fazendo?
9:10
Pessoa 1
Vou, vou contactando e dizendo aqui nesta frase, o que é que quis dizer com isto?
Estou a interpretar bem, estou a interpretar mal ou aqui posso substituir uma coisa por outra?
E já me aconteceu, por exemplo, num num livro do David loge, a vida insordina ele tinha.
9:25
Ele tem muitos trocadilhos nesse livro e havia um trocadilho que me dava muito jeito eu fazer com a palavra louro.
Neste caso, tive de tive de pôr loira e ele tinha só para adaptar ao nome de uma personagem.
Ele tinha uma personagem que não tinha nada a ver com loira, mas eu queria fazer aquela rima, porque era o trocadilho, tinha essa rima.
9:46
E então eu perguntei se podia substituir o nome da personagem, que era um figurante, portanto, era uma pessoa que entrava só numa cena se podia traduzir por moira.
E ele disse, me à vontade, pode trocar o nome.
Então lá troquei o nome do figurante para para poder fazer a rima com loira.
É só para encontrar ali a piada.
10:02
Pessoa 2
Então isso não é só um processo técnico, é um processo criativo também é?
Tu fazes uma reconstrução do?
10:07
Pessoa 1
Às vezes sim, às vezes sim.
Tenho de adaptar.
Lá está um livro com muitos trocadilhos.
Eu tenho forçosamente de adaptar e ser criativa, porque o sentido de humor não funciona.
Se for literal, às vezes até funciona.
Mas, regra geral, não temos de arranjar um equivalente.
10:23
E aqui a personagem é um homem que está a ficar surdo e então ele ouve mal.
As conversas, portanto, eram conversas.
Eram diálogos inteiros, conversas inteiras, com trocadilhos, em que ele percebia uma coisa e a pessoa tinha dito outra.
Portanto, foi um trabalho mesmo, muito criativo.
10:38
Pessoa 2
Era um verdadeiro surdo, não era alguém que estava só a.
10:40
Pessoa 1
Fingir era mesmo surdo, mesmo?
Surdo.
Foi um trabalho muito, muito bom, muito divertido.
Precisamente, foi um trabalho muito criativo.
Eu gosto deste lado da tradução literária.
10:51
A Complexa Relação entre Tradutores, Autores e o Mercado Editorial
Olha, e esses escritores?
Se os do lado de fora, que falam essas línguas que nós não entendemos como é que são, como pessoas, são acessíveis, são, são, são aborrecidos, são, são bem madonnas, como é que é a.
11:04
Pessoa 1
Minha experiência tem sido muito boa sempre.
Todos os autores com com quem tenho contactado têm sido generosos.
Generosos?
Olha, por exemplo, o último autor que eu traduzi, o último livro que saiu de uma tradução minha, o Dan Brown, o segredo dos segredos.
11:20
E eu IA reviso.
11:21
Pessoa 2
Responsabilidade.
11:22
Pessoa 1
Foi foi uma grande responsabilidade acima de tudo, porque nos obrigaram a assinar 11 contrato de confidencialidade.
11:29
Pessoa 2
Aquilo é uma.
11:30
Pessoa 1
Indústria, sim.
E que se houvesse alguma fuga de partes do manuscrita ou manuscrita que eu falava em milhões, sim, falava em milhões, portanto, eu assinei o contrato dizendo à editora, no que é que eu me estou a meter?
11:43
Pessoa 2
O que Deus quiser daqueles contratos que a gente assina.
11:45
Pessoa 1
Custou me um bocadinho porque, enfim, não é brincadeira.
Estás a assinar um contrato e depois descobrires que sei lá que o computador tinha sido pirateado.
Portanto, o que nós fizemos foi, eu trabalhei com um computador que não estava da editora.
Não troquei sequer no meu.
Portanto, foi com um computador que a editora comprou para esse efeito, só para aquela tradução.
12:05
E não estava nunca ligada à internet.
Nunca foi sempre.
Offline, precisamente para evitar essa possibilidade de fugas, foi tudo muito top secret.
12:14
Pessoa 2
Bem, aliás, tem tudo a ver com os, não é?
Quer dizer, há ali sempre um mistério em cima, mas.
12:18
Pessoa 1
Por exemplo, eu estava a falar do Dan Brown porque quando eu estava na fase da revisão, eu e a revisora encontrámos 2.
Já não me lembro o que era, mas eram 2 inconsistências no original, o texto ainda não tinha saído.
Saiu na mesma altura em todos os países e então contactámos o autor através da agência literária.
12:36
E dissemos, olha, isto não faz sentido.
Portanto, vejam lá, eles corrigiram e foram extremamente simpáticos, portanto, o próprio autor, e isto já me aconteceu com vários autores.
Encontrar uma ou outra coisa que não não, não faz sentido ou é um erro.
E geralmente agradecem muito, porque no fundo só vai melhorar o trabalho de um tradutor e de um revisor.
12:55
Se for um trabalho bem feito, pode melhorar um original que tenha 11 falha aqui, uma falha acolá.
13:00
Pessoa 2
Eu fico sempre doido, lamento, porque eu adoro ler.
Escritores brasileiros a escrever português do Brasil e quando leio uma tradução em português brasileiro de um autor Internacional, eu só me apetece.
Chorar que é, é muito.
13:19
É uma questão, é uma questão de técnica, é uma questão de qualidade.
13:24
Pessoa 1
É uma questão na?
13:25
Pessoa 2
Realidade?
Eu vou dizer tu não podes dizer, mas eu vou dizer, a tradução parece muito má.
EE aquilo que é escrito originalmente em português do Brasil pelos bons escritores é muito bom.
13:35
Pessoa 1
Porque lá está, porque nos soa genuíno e nós temos Oo hábito de ler as traduções no português de de Portugal.
Quando Lemos num português que não é o português de o nosso galinho, fica ali também há, há.
Há que estar atento a isso, porque neste momento, muitas das traduções que nós sabemos que andam assim, a ser feitas um bocado clandestinamente, deveria ser o tradutor humano.
13:58
E é em que a marcial social uma das coisas é, por exemplo, vir com termos em português do Brasil.
Isso às vezes é início.
Hoje é início de que houve ali uma passagem pelo um, pelo um programa de inteligência artificial.
14:15
Pessoa 2
Estão a gostar do pergunta simples, estão a gostar deste episódio?
Sabia que um gesto seu me pode ajudar a encontrar e convencer novos e bons comunicadores para gravar um programa?
Que gesto é esse?
Subscrever na página perguntasimples.com.
14:30
Tem lá toda a informação de como pode subscrever.
Pode ser por e-mail, mas pode ser ainda mais fácil subscrevendo no seu telemóvel através de aplicações gratuitas como o Spotify, o Apple ou o Google podcasts.
Assim que de vez que houver um novo episódio, ele aparece de forma mágica no seu telefone.
14:49
É a melhor forma de escutar a pergunta simples, estou neste momento a ler um livro teu que se chama lobos?
14:59
“Lobos”: A Complexidade da Maternidade e Figuras Maternas Inesperadas
E que eu suspeito sinto.
Ainda não acabei o livro, estou ali mais ou menos a meio que o livro nasce de uma ferida pode fazer sentido para ti.
Há há ali 11 silêncio, há ali uma relação de 11, maternidade, que é que é ali de grande, de grande tensão.
15:18
Fiquei com a sensação que tu escreves sobre a maternidade, não do ponto de vista idílico e romântico da luz, mas pelo lado da sombra e das dores.
15:28
Pessoa 1
Eu acho que é pelo lado da complexidade.
15:30
Pessoa 2
Não é nada fácil, não.
15:32
Pessoa 1
É, não é pelo lado da complexidade, mas lá está no lobos.
Eu, eu, no fundo tenho 2 personagens que são mães, uma que é efetivamente mãe, que é Helena e que não tem jeito nenhum para ser mãe.
É uma pessoa muito ainda imatura e mal resolvida ainda, aliás, voltas com as suas frustrações.
15:55
E no fundo não consegue ser mãe.
E depois tem uma figura que eu acho extremamente maternal, que é a feder, que é 11 daquelas mulheres que decidem não não ser mães e que acaba por ser mãe de toda a gente.
Ela é mãe das personagens do livro, ela é mãe da sobrinha, porque É Ela que a recolhe, recolhe esta sobrinha, que é a Leonor, que passou por uma situação terrível e acaba por cuidar dela, como a própria mãe da Leonor não consegue e é a mãe de todos os gatos e quem esvade e os que lhe vêm bater à porta.
16:23
E eu interessou me muito.
Lá está criar esta relação entre mulheres e a maternidade.
Como é que às vezes há tantas mulheres que conseguem ser mães?
EE nem têm vocação, ou não têm tempo ou não têm paciência.
E há outras pessoas que nós vemos que não são mães e poderiam ser a figura da tia, a figura da tia.
16:44
Quantas vezes a figura da tia numa família é aquela segunda mãe, quase a mãe?
Principal às vezes e que cuida dos sobrinhos como se fossem seus filhos.
Interessa me isto?
16:54
Pessoa 2
Podemos ocupar esse espaço emocional?
Quando sim sim, quando alguém não é competente para a função.
16:58
Pessoa 1
Sem dúvida.
16:59
Pessoa 2
Para a procura de ver quem é que é o onde é que está a nossa referência, onde é que?
17:03
Pessoa 1
Sem dúvida.
EE, esse papel é muito importante e às vezes encontramo nos nos sítios mais inesperados.
Eu, no outro dia, tive um clube de leitura, fui convidada para participar como autora num clube de leitura e.
Realizou se na numa num centro de acolhimento de de meninas, portanto miúdas, que foram retiradas aos pais e às famílias.
17:24
Pessoa 2
Eram estas raparigas?
17:26
Pessoa 1
Eu não estive com as com as miúdas, eu apenas assisti ao contacto entre uma das miúdas.
E a equipa de mulheres que trabalha nessa nessa instituição.
E o que vi?
O que eu vi foi a maternidade em estado puro.
17:41
Vi estas mulheres que trabalham, algumas delas como voluntárias neste neste centro de acolhimento que é gerido por uma fundação.
Não estou a dizer nomes de propósito para não invadir a privacidade de ninguém.
Mas foi foi um momento que me tocou muito ver o esta miúda que eu sei que tinha uma história de vida terrível, terrível, porque quando vão parar aos centros de acolhimento é porque já vêm de histórias absolutamente destroçadas, vidas destroçadas.
18:08
E o que eu vi foi a miúda AAA receber um bocadinho, uma atenção, um respeito da parte destas mulheres que trabalhavam na instituição, que eu olhei e pensei, isto são mães, são mães.
Que aqui estão, mesmo que não tenham filhos, tinham todas, por sinal, e uma delas era, além de ter os seus filhos, era também família de acolhimento.
18:27
Portanto, além dos seus filhos, recebia em sua casa crianças.
E eu fiquei a pensar isto, isto é um trabalho maravilhoso e não é qualquer pessoa que tem esta capacidade de de entrega.
Isto é uma dádiva?
Não.
18:39
Pessoa 2
É uma generosidade.
Tu no fundo viste o choque, entra a profunda generosidade e ao mesmo tempo a aprofundadora tal ferida que que estava nesta rapariga que.
Que em si, alguma coisa não correu bem.
18:50
Confrontando a Crueldade Humana e a Dificuldade de Olhar para o Mal
E estas pessoas sabes.
Eu escrevo como tu estás a ver lendo lobos.
Eu escrevo sobre lugares muito sombrios e sobre situações muito cruéis, grotescas, macabras.
Interessa, me interessa, me interessa me analisar.
19:06
O ser humano e o ser humano tem uma capacidade enorme para a bondade, para o altruísmo, mas também tem uma capacidade enorme para a crueldade e para para uma violência muito pérfida.
E interessa me.
E eu acho que é cada vez mais importante estarmos atentos a isso.
Estamos sempre a encher AA boca a falar dos direitos das crianças.
19:24
E todos os dias nós ouvimos notícias como esta que veio AA público há tão pouco tempo de atropelo do do advogado com com histórias ou rendas.
E se nós formos ao site da polícia judiciária, como eu costumo ir semanalmente e formos à secção que diz notícias, vem lá o trabalho da polícia judiciária e não há semana que passe em que a polícia judiciária portuguesa não apanhe 12. 334 pedocriminosos, portanto, pedófilos como as pessoas lhes chamam, e a idade é cada vez mais jovem.
19:54
Vemos muitos rapazes de 212223 anos a serem detidos por abusos sexuais contra nós.
Portanto, numa sociedade em que estamos sempre a falar de direitos das crianças, temos de começar a fazer mesmo um trabalho de fundo.
20:10
Para proteger as crianças e não estarmos só a pôr isso como se fosse uma evidência, não é não?
20:16
Pessoa 2
É, andamos todos distraídos em relação a essa.
20:18
Pessoa 1
Não andamos distraídos.
Nós eu acho que a maior parte das pessoas tem muita dificuldade e eu tenho visto isto até pela reação dos leitores e das das coisas que me escrevem e das conversas que tenho.
Tenho muitas conversas com leitores nos encontros que faço.
EE, tenho percebido que as pessoas têm uma enorme dificuldade, sobretudo quando são muito bem formadas.
20:37
Há uma dificuldade em perceber que algum ser humano consiga ser assim.
É como.
20:41
Pessoa 2
É que ainda por cima.
Como é que há um monstro lá?
Está bem engravatado bem penteado, sim.
20:46
Pessoa 1
Que até pode ser advogado no e trabalhar no Ministério da justiça.
20:50
Pessoa 2
E uma pessoa importante.
Mas, afinal, há 11 mácula, uma podridão, uma sim.
Como é que tu consegues escrever sobre isto sem julgar moralmente?
Não sei se o fazes.
21:01
Pessoa 1
Não sei se não julgo moralmente.
Eu acho que eu tento não o fazer, não sei se se se consigo ou não.
Mas obviamente, isto é, estamos a falar de situações hediondas.
É quase impossível nós sermos isentos e subjetivos.
Eu tento pelo menos descrever as coisas como elas são e a realidade Como Ela É, para que as pessoas.
21:22
Mesmo que sintam a tentação de enfiar a cabeça na Areia, que é o é, a reação humana é normal, isto é, tudo tão feio, tão sórdido que uma pessoa quer é continuar com a sua vida, como dizíamos há pouco, e fugir tão feio e fugir, ou continuar a tentar viver numa espécie de normalidade, mais a puxar para o cor de rosa do que para para Oo negrume cerrado.
21:45
Se eu conseguir que 2 ou 3 leitores, e eu acho que têm sido mais, parem pelo menos, nem que sejam uns minutos e pensem, por exemplo, na maneira como expõem os filhos.
Isso tem sido uma reação que para mim, tem sido muito importante.
Quando alguém lê o loboz e me diz, olha, eu tenho andado a pôr a publicar fotografias no Instagram dos meus filhos pequeninos e nem pensar.
22:07
Li o teu livro e fiquei a pensar que às tantas talvez não seja boa ideia.
Isso para mim já é muito bom, mesmo que a pessoa continue a publicar as fotografias.
Pelo menos houve ali uma tomada de consciência que talvez não seja o mais adequado.
E depois há quem me diga, Ah, mas também não podemos ver o mundo assim.
22:24
Infelizmente, devíamos ver o mundo assim, porque quando estamos a expor nos a nós, adultos, é uma decisão nossa.
Agora, expor crianças e expô las, por exemplo, a redes.
Criminosas, que depois poderão partilhar ficheiros com intuitos, enfim.
22:40
Pessoa 2
Podem fazer tudo.
22:41
Pessoa 1
Péssimos podem fazer tudo ainda por cima agora com a artificial.
Inclusivamente é uma de uma das novas modas, é fazer conteúdos pornográficos usando imagens de filhos de influencers e afins.
Enfim, há muita informação sobre isso com fotografias e agora é um dos problemas acrescidos.
22:57
Já não basta as autoridades terem de estar a ver.
Vídeos horrendos ainda têm de estar a destrinçar o que é que é efetivamente real do que foi feito por inteligência artificial e.
23:08
Pessoa 2
Cada vez mais é difícil de conseguir ver, porque há coisas que estão bem feitas no sentido tecnicamente e, portanto, mais, cada vez mais, mais difícil e.
23:16
Pessoa 1
Na ponta das nossas mãos, eu agora, cada vez que ligo o jaman, o jaman propõe me usar o Nana, o banana.
23:21
A Erosão da Confiança Visual e a Necessidade de Ceticismo Metódico
Acho que é assim que se chama, que é a nova ferramenta para criar imagens EE criar vídeos.
Isto isto é um problema.
Agora vamos afastar dos destes temas horrendos, mas falando só em em termos gerais, a nossa capacidade que as pessoas estão a usar no quase neste espírito de brincadeira, este espírito de jocoso de vamos fazer vídeos?
23:41
Pegar numa imagem, uma fotografia nossa e de repente fazermos um vídeo.
Ou, com como já vi, posso fazer um vídeo com o Ronaldo ao meu lado.
Ou, como já vimos, um vídeo que andou aí a circular do Ronaldo, a dançar de tronco nu em cima da mesa na Casa Branca.
E nós rimo nos.
23:57
Mas isto é extremamente perigoso, porque há uma manipulação tal da imagem que neste momento, e eu falo de um fotógrafo de guerra no lobos, neste momento nós já olhamos para uma fotografia e não sabemos se é verdade ou não.
Isto é terrível.
24:10
Pessoa 2
Sobretudo.
Nós víamos, o fotógrafo era analógico, IA com o seu Rolo e.
24:14
Pessoa 1
Acreditávamos, acreditávamos.
E o Stephen que eu descrevo no lobos é esse no fundo, o Stephen que eu criei no lobos é um bocadinho.
A minha homenagem aos aos fotógrafos de guerra, aos repórteres que andavam pelo mundo todo e que ainda andam como o nosso João Porfírio, por exemplo, que é um rapaz tão jovem e tem feito uma carreira extraordinária na área do fotojornalismo.
24:35
EE, é muito importante esse papel.
Só que se nós agora duvidamos das imagens que nos apresentam, como é que nós ficamos?
Acreditamos que existe, por exemplo, uma guerra no Sudão.
A todas as situações horrendas que se temos visto, vamos estar sempre de pé atrás a pensar, isto é verdade, não é verdade, então?
24:51
Pessoa 2
Está temos um problema porque não temos curadoria.
A eletrónica está cada vez mais perfeita e nós cada vez mais agarrados.
AA ecrãs torna isto tudo mais mais difícil.
Como é que nos safamos disto?
25:05
Pessoa 1
Com muito discernimento, com muito discernimento e com muita.
25:09
Pessoa 2
Ceticismo.
25:10
Pessoa 1
Nem é ceticismo.
É uma pessoa parar.
Acho que basta parar, que é um pensar que ninguém faz parar e pensar.
25:16
Pessoa 2
Um pouco pensar é difícil.
25:18
Pessoa 1
É porque é muito mais fácil isso é o efeito de grupo, não é a carneirada.
É muito mais fácil alguém.
Isto basta ligarmos o Facebook, abrirmos o Facebook e é a primeira coisa que nós vimos.
Há uma polémica, alguém disse não sei o quê ou fez 11 post e ninguém vai confirmar ou ninguém vai procurar as Fontes.
25:36
E isso é importante.
Eu cada vez mais faço isso.
Eu vejo uma coisa e às vezes até grupos de amigos que estão a partilhar que não sei quem disse, não sei o quê, ou imagens.
E a primeira coisa que eu faço é ir pesquisar, é ir procurar.
Se eu encontrar várias pessoas, demora imenso tempo, é mais difícil, é uma canseira ainda.
25:52
Pessoa 2
Por cima, depois temos que contrariar os nossos amigos e depois eles ficam zangados, connosco.
É aquele princípio das fake.
25:57
Pessoa 1
News, mas é importante isto.
25:58
Pessoa 2
Está aqui escrito e eu ainda por cima concordo, porque é que isto não Há de Ser verdade, é, então estou cá a replicar.
26:02
Pessoa 1
Mas temos de contrariar o facilitismo e temos mesmo de de recorrer aos nossos neurónios eSIM termos um pé atrás, sermos um bocadinho céticos.
Será que esta pessoa diz disse mesmo isso?
Até porque agora estamos na era de dos vídeos.
Não é só as imagens criadas por inteligência artificial, são os vídeos.
26:19
Portanto, daqui a uns dias estamos a ouvir os nossos políticos a dizerem coisas que não me disseram EE barbaridades.
As pessoas têm de parar um pouco e pensar.
E às vezes é muito difícil porque está tudo tão bem feito e parece tudo credível que alguém disse qualquer coisa.
E não é, é usar a cabeça.
26:36
Por isso é que eu digo, é muito importante lermos voltarmos aos hábitos de leitura, porque a leitura é aquilo que nos obriga a um trabalho de lentidão.
26:44
Ler Devagar num Mundo Acelerado: Concentração e Descoberta
Não é compatível com o ler na diagonal.
O fazer tudo a correr obriga, nos obriga nos a parar e a concentrar.
E é muito interessante que eu ouço cada vez mais pessoas a dizerem, eu leio muito pouco, porque isso exige tempo e concentração.
Então, mais um motivo, vamos introduzir a leitura de propósito nas nossas rotinas, nem que seja para aprendermos a abrandar um bocadinho.
27:06
Pessoa 2
Então eu quero aprender aqui uma coisa com.
Leitura, como é que é?
Deixa me cá ver, compulsiva, compulsiva, a tua, a tua, definição do.
27:15
Pessoa 1
Essa definição mantém se.
27:16
Pessoa 2
Não.
E agora colou.
Se a tua pele, isto é um bocadinho mais marcas, isto vai manter se leitura compulsiva que é.
Todos passamos por momentos em que ler um texto mais denso ou mais complexo, e nós estamos com dificuldade de nos concentrar.
Estou estou a pensar na altura.
Quando foi o quando a COVID chegou?
27:33
O que é que é difícil concentrar?
Que truques é que tu usas nesses períodos em que estás mais cansada ou mais desligada para recomeçar, Oo teu o teu ritmo normal de leitura.
27:44
Pessoa 1
Muito livro se for um livro que esteja a exigir muito de mim e eu não estou a conseguir, seja emocionalmente, porque pode ser um tema que não me está a apetecer ler naquele momento, ou porque a escrita é muito densa e eu sinto que quando me sento a ler.
28:02
Já estou tão cansada que não consigo porque eu passo o dia a ler, não é a ler e a escrever e a traduzir.
28:07
Pessoa 2
Tens aquela coisa de resistir e de de?
28:09
Pessoa 1
É muito fácil, eu consigo fazer isso, mas também é a minha vida, não é?
Eu faço isso há décadas.
EEA.
Minha própria profissão é ler, produzir, escrever.
Portanto, para mim é muito simples, mas eu compreendo para as pessoas que não sejam.
Mas eu digo sempre, estão a ler uma coisa EOO tema ou a escrita não está.
28:26
A cativar, não há problema nenhum.
Deixam aquele livro de lado, abrem outro, porque há livros para todos, todas as fases da vida.
Há livros que eu li numa fase e que agora regresso a eles e vejo outras coisas.
Ou não consigo regressar a eles, porque na altura achei maravilhosa e agora não acho.
Há livros que nós podemos ler em diferentes fases da vida, em diferentes fases.
28:46
Emocionais neste momento, tenho vontade de ler uma coisa mais forte neste momento, não me apetece.
Então, há literatura mais leve, há literatura mais divertida, há literatura para todos os gostos.
E eu acho que é isso que falta ao leitor português, é perceber que há livros para todos os gostos.
29:00
Pessoa 2
João, ninguém que nos ajuda.
29:02
Pessoa 1
Aos livreiros, quem é que o que é que eu?
29:04
Pessoa 2
Vou ler a seguir.
29:04
Pessoa 1
Livreiros e bibliotecários eu, eu eu tenho chamado muita atenção para o para a importância dos livreiros e dos bibliotecários.
Um bom livreiro, um bom bibliotecário é precisamente aquela pessoa.
Quando nós estamos a olhar para aquelas bancas enormes, com centenas de títulos, eu própria chego a uma livraria às vezes e fico olho para aquilo e sinto me como nos saldos.
29:23
Eu vejo muita coisa e fico baralhada.
A minha vontade é ir embora.
29:26
Pessoa 2
Como é que tu escolhes?
29:28
Pessoa 1
Eu sei ou que vou e portanto, eu consigo.
Eu escolho por autores, recomendações de amigos.
É uma coisa que cada vez mais funciona quando alguém em quem eu confio EE que me diz, olha, eu li e às vezes penso, olha, este livro não tem nada a ver com aquilo que eu costumo ler.
Mas se aquela pessoa disse que eu vou experimentar, eu vou experimentar.
29:46
E há aí um espírito também de é de curiosidade.
É isso que nos falta muitas vezes é a curiosidade para ir, procurar coisas, ir.
E isso é importante.
Por exemplo, os clubes de leitura têm funcionado muito bem para divulgar a literatura, porque as pessoas, quando se juntam para falar, mesmo que não gostem, geralmente falam de maneira apaixonada.
30:04
Se eu não gostei de um livro e estiver a discutir com outras pessoas que adoraram o livro, a minha defesa ou o oposto a minha, eu tentar convencer os outros que aquilo é uma porcaria, como também já me aconteceu com um ou outro livro.
30:17
Pessoa 2
Vou ser contrapapor.
30:18
Pessoa 1
Vou ser apaixonada.
Portanto, é estas discussões apaixonadas.
É isso que leva as pessoas a sentirem Cruz.
Pela vida dos livros.
Não olharem para o livro como é só uma coisa chata, não é chato, depende daquilo que nós Lemos.
30:30
Pessoa 2
Olha quantas páginas é que um livro pode ter de crédito?
Para nós, resistirmos e aguentarmos o livro até ao fim.
Às vezes é assim que este livro é extraordinário.
Isto é mesmo muito bom.
E nós já vamos ali na página 90.
E aquilo parece muito serrar presunto.
30:47
Pessoa 1
AI, eu não dou tanto crédito não, não dás quantas páginas sabes que é uma das coisas.
Eu, quando era mais jovem, achava que era uma falta de respeito enorme naquela altura em que você acha que tem a vida toda pela frente.
Então pensava, tenho todo o tempo do mundo, por isso eu não vou desistir de um livro.
E lia aquilo até ao fim, mesmo achando uma estopada agora.
31:05
Para começo a achar que o tempo é muito, é mesmo finito.
Escapa me por entre os dedos e por isso, se um livro ao fim, vá.
Não quero ser má, mas ao fim de 3040 páginas não me está a puxar.
E se eu não tiver de o ler por motivos profissionais, eu abandono.
31:23
Eu abandono às vezes não, não devolvo às tanto, às vezes deixo assim.
Em cima de uma.
31:28
Pessoa 2
Que é para espiar a culpa?
Sim, às vezes deixo em cima de uma vez.
31:31
Pessoa 1
E penso, eu volto lá e depois nunca mais volto, mas ele está lá, ele fica de molho e.
31:35
A Urgência de Viver e a Importância de Dizer “Não” aos Fretes
Passa outro.
Como é que é a tua relação com o tempo?
Agora ouvi te.
31:38
Pessoa 1
Falar é uma urgência.
Tenho uma urgência enorme, enorme, enorme, enorme em fazer coisas, em escrever, em ler, em conversar com as pessoas, em em fazer coisas que eu acho que são importantes.
Percebes não desperdiçar com baquequices o que é, que é coisas tontas.
31:55
O que é que é importante?
Por exemplo, conversas em que abordamos estes temas que eu acho que são importantes a nível de sociedade, direitos das crianças, a violência, et cetera, et cetera.
Para mim, cada oportunidade que me dão para falar sobre isso, eu acho que é uma oportunidade importante.
É tempo que eu não perco se estiver horas, a ter conversas que não me interessam minimamente.
32:14
E isso não tem nada a ver com conversas fúteis, que eu sou absolutamente capaz e adoro entregar me a conversas do mais fútil que há.
Mas tem de cumprir uma função qualquer, nem.
Seja o meu equilíbrio e a minha sanidade ambiental.
32:27
Pessoa 2
Rirmos, um.
32:28
Pessoa 1
Bocado agora aquela ideia de fretes, por exemplo, que nós crescemos a pensar, e é verdade, temos de fazer muitos fretes na vida, mas a partir de determinada idade, eu acho que Oo bom também de envelhecer é tu pensares.
Eu já não tenho de fazer estes fretes.
Já conquistei, já tenho uma carreira, já tenho uma família, já tenho a minha rede de amigos, já conquistei uma série de coisas que eram importantes.
32:49
Agora, talvez, já não precisa de engolir tantos sapos.
32:51
Pessoa 2
É uma divertida responsabilidade.
32:53
Pessoa 1
Não é a responsabilidade, eu acho que a responsabilidade é sempre, mas.
32:56
Pessoa 2
Depois as pessoas amuam, não é?
Quer dizer, as pessoas estão à nossa volta que querem um pedacinho de nós, querem roubar mais um, eu acho.
33:01
Pessoa 1
Que também se amuam é porque não sabemos explicar bem o porquê de não fazermos determinada coisa.
EE, eu acho que as pessoas, quando nós explicamos, olha, gostava imenso de fazer isto, mas realmente não consigo, não consigo, não tenho tempo, não tenho, não me.
33:16
Pessoa 2
Apetece.
33:17
Pessoa 1
Estou exausto, preciso mesmo de ir fazer outra coisa sozinha e eu acho que as pessoas até compreendem.
33:22
Pessoa 2
Olha o livro que eu mais recomendo sempre aos meus amigos e a todas a todas as pessoas que eu que eu encontro e é bartelby.
E o escrivão, que é um importante escrivão de Nova Iorque, sem fazer, que diz preferia não fazer e, portanto, quando alguém diz preferia não fazer.
33:38
E aí é que estamos.
33:39
Pessoa 1
Às vezes é importante nós sabermos dizer isso, mas também não cair no extremo oposto e achar que a vida tem de ser.
Assim, ermos de emoção bonita, emoção bonita e que até trabalhar tem de ser uma coisa maravilhosa, não?
Este trabalho às vezes é uma seca e tem de ser feito, por isso é que nos pagam, tem de ser feito.
Não é isso que eu chamo freds, não é isso o trabalho, é o trabalho.
33:56
E temos mesmo de voltar também a uma certa ética do do trabalho e é.
34:00
Pessoa 2
Exigente aborrecida que nos faz perder tempo por coisa nenhuma.
34:02
Pessoa 1
Sim.
Por exemplo, com estas polémicas, as horas que uma pessoa perde eu às vezes passo uma polémica à frente no Facebook é geralmente no Facebook.
Que está muito desinteressante e passa me uma polémica e olho e vejo a quantidade de comentários.
As pessoas respondem e eu penso, não têm.
Há coisas que estão mais interessantes e.
34:19
Pessoa 2
582 comentários e tu já passaste?
34:21
Pessoa 1
Para a frente, já não queres saber?
34:23
A Literatura como Ferramenta para Compreender o Sistema Judicial e Crianças
E tu?
E aquele grande livro que tem 800 páginas?
E tu vais já na página 760.
E o livro é absolutamente extraordinário.
E tu já estás a ficar com a ressaca de perder aquele.
34:35
Pessoa 1
Livro.
34:36
Pessoa 2
EE, como é que se faz?
34:38
Pessoa 1
Leio se muito devagar, leio se muito devagar.
No fim, leio muito devagar e volto atrás e sublinho coisas.
EE depois, quando acaba, fico a pensar, e agora?
Vou ler o quê?
Se for um autor, tento e que eu ainda não tenha lido tudo, vou procurar outros títulos para ver se encontro aquela mesma voz.
34:57
Ou vou procurar livros que sejam mais ou menos do mesmo género.
E às vezes é difícil.
E às vezes é tão difícil preferir ler uma coisa completamente diferente mesmo para não fazer até as comparações que depois serão obviamente ingratas.
Não é leres uma coisa extraordinária.
Depois, a seguir, é um bocado difícil.
35:11
Pessoa 2
É um bocadinho menos extraordinária.
35:12
Pessoa 1
A seguir está.
35:13
Pessoa 2
Muito alta, como é evidente.
Olha, eu não li, mas tu escreves o livro apneia, Hum falas de quê?
35:21
Pessoa 1
Apneia, 700 páginas.
Estás a falar de livros enormes.
Lá está 700 páginas.
É apneia também.
É um tema, infelizmente muito atual.
O livro saiu em 2020, eu comecei a fazer pesquisa em 2012 e em 2025 continuou a receber.
35:37
E encontrar leitores, como dizem esta personagem principal, a Adriana sou eu, é a minha vida.
E encontro leitores.
Não é só mulheres.
Já tive 3 ou 4 leitores que me disseram, eu sou homem, mas eu sou a Adriana.
AA história que conta é a minha quem?
35:52
Pessoa 2
Nos diz Adriana.
35:53
Pessoa 1
É a história, infelizmente, muito comum.
Temos um casal em que o pai é de uma nacionalidade, a mãe é de outra.
Neste caso, ela é italiana, ela é portuguesa.
Quando decidem separar se.
Quem é que fica com a criança sendo que o pai quer voltar a Itália ou a ir para outro país?
36:10
E a justiça neste momento, o que é que faz?
Não pode partir a criança em 2 não é como o alemão, como o alemão e portanto, tem que tomar uma decisão, quem é que fica com a criança?
E isto é terrível e pode ter consequências devastadoras.
Há miúdos que entram no sistema.
Como eu descrevo no apneia EOA criança que eu descrevo no apneia, o Eduardo entrou no sistema.
36:30
Portanto, nesta vida de tribunais e perícias e consultas de psicologia com 5 anos e o livro acaba, tem a criança 12 e há crianças que passam a vida inteira, a infância e depois a adolescência, acontecer neste meio, que é a normalidade para estas crianças, não é?
36:48
Isto é, é muito complicado.
Quer?
36:50
Pessoa 2
Dizer que os tribunais não estão a fazer o seu trabalho?
36:52
Pessoa 1
Os tribunais tentam fazer o seu trabalho, mas não é fácil.
A quantidade de processos é assim, uma coisa brutal.
As equipas são pequenas.
Mas há agora um investimento.
Eu sinto que nos últimos anos tem havido mais investimento a nível de formação, por exemplo, da da da polícia, para ter ter agentes nas esquadras que já estão mais, enfim, mais atentos à maneira como devem falar com as vítimas, et cetera.
37:21
Mas a nível dos tribunais, por exemplo, da formação do juiz, acho que ainda era preciso investir mais.
Às vezes, parece que há ali uma falta de empatia.
Eu sei que não há tempo para ler os processos todos, mas nós não podemos estar a decidir a vida de uma criança sem ler o processo todo.
Mesmo que o processo tenha 1000 páginas, tenha 2000 páginas, tem de haver tempo para isso.
37:38
Portanto, há um investimento que precisa de continuar a ser feito.
E acho que a literatura também tem um papel muito importante nisso.
Eu costumo dizer a brincar que no Natal enviaria um cabaz com uma série de livros.
Sobre estes temas, divórcios, psicologia, sociopatas, psicopatas.
37:56
Há uma série de literatura, romances e não ficção que nós podíamos reunir num cabaz e oferecer a todas as pessoas que trabalham nos tribunais nesta área.
38:07
O Processo de Pesquisa e o Impacto Emocional de Temas Difíceis
E eu digo isto a brincar, mas é uma na realidade, é uma brincadeira muito séria, porque há se nós lermos uma história, por exemplo.
Há um livro que é terrível, que é duríssimas, que é muito bom, que é. 3 eu nunca me lembro do título, 3 tigres, 3 tristes tigres, já não me lembro da néscio ou uma autora francesa e que ela fala sobre abusos sexuais.
38:31
Portanto, é uma história autobiográfica.
Pessoas que trabalhem nesta área deviam obrigatoriamente ler este tipo de literatura, porque é a melhor maneira de entrar na cabeça de quem?
Das vítimas, de quem passou por isto.
Ainda por cima, A Ana assinou conta de uma maneira muito factual.
38:49
Não há ali juízos de valor.
Ela tenta fazer um texto muito equilibrado, sem não há vitimização nenhuma.
Portanto, são textos como este.
Estou a pensar noutro que é o instrumental do James Rhodes, também um pianista inglês, e também tem uma história terrível e também conta as coisas de uma maneira muito factual.
39:06
Tudo isto é um é uma maneira da literatura ser posta ao serviço da justiça, por exemplo, ajudar os juízes, ajudar os os advogados, ajudar os procuradores.
É importante fazermos este trabalho.
39:16
Pessoa 2
E tu, no teu trabalho de pesquisa durante esse tempo todo, tu foste falando com com, com com estas pessoas todas do, do, do e o que é que ouviste?
39:25
Pessoa 1
Ouvi imensas histórias, imensas histórias.
EE, é como te digo, e continuo a ouvir e continuo a pensar.
Tanto trabalho que ainda há para para fazer, porque isto há muitas coisas que não mudam, por exemplo, este grau de violência.
39:41
Doméstica continua a ser um flagelo em em Portugal, os tribunais continuam a falhar em muita coisa, mesmo que se tenham boas intenções.
Portanto, continuo a ouvir muitas histórias.
Mas o trabalho de pesquisa, tal como também fiz o trabalho de pesquisa para o lobos, é o trabalho que no fundo mais me mais me interessa.
39:59
Eu eu tenho uma alma, tenho um espírito de de estudante, no fundo é a curiosidade e quero sempre saber mais e, portanto, AA fase da pesquisa é a fase que eu adoro porque vou conversar.
Com pessoas que trabalham nessas áreas que estou a pesquisar e de vários quadrantes.
40:15
Não é não.
Falo só com uma pessoa de um lado para contar uma história.
Vou falar com o máximo de intervenção.
Vou ouvindo, vou tirando apontamentos, vou fazendo muita leitura, eu faço muitas leituras.
EE, é isso que eu acho que é interessante depois trazer para a literatura.
40:29
Estratégias Pessoais para Lidar com o Sofrimento e Manter a Sanidade
E como é que tu te lavas emocionalmente depois?
Porque tu trazes uma?
40:32
Pessoa 1
Mas mesmo mecanismos?
40:33
Pessoa 2
Quer dizer, eu tenho essa curiosidade, não é?
Quer dizer, se tu mergulhas no mundo dos feios, porcos e maus.
40:38
Pessoa 1
No mundo é mesmo isso?
40:40
Pessoa 2
Tu estás a fazer, não é?
E que há coisas que te chocam e há coisas que te perturbam e algumas coisas que imagino que te animem e que te deem um live de Esperança.
40:51
Pessoa 1
Eu tenho as minhas estratégias, as minhas estratégias passam.
O sentido de humor sempre foi uma coisa que eu aprendi com o meu pai e aprendi da melhor maneira que é naturalmente.
O meu pai era uma pessoa com sentido de humor absolutamente incrível.
Como estava, de que tipo tudo ele conseguia ser, desde ter um jeito enorme para contar anedotas, ele conseguia ser.
41:10
Ele era médico do mais varejeiro que há, ele era urologista, logo a especialidade presta se AA muitas piadas.
E eu acho que foi mesmo foi salutar foi crescer assim com com uma pessoa que conseguia ser extremamente séria.
41:26
Ele era uma pessoa obviamente não é médico, e todas as coisas que lhe passaram pelas mãos e as histórias de vida e às vezes histórias muito complicadas.
Era uma pessoa que conseguia ter as conversas mais sérias sobre medicina, sobre mecânica quântica, sobre o universo de buracos negros srodinger e depois de ver a piada mais varejeira que fazia a minha mãe e a minha avó levantar as mãos e dizer, Ah, por favor.
41:46
Pessoa 2
Tinha uma grande amplitude no fundo.
41:48
Pessoa 1
Sim, sim, essa flexibilidade que eu acho que é, é uma das coisas que me norteia e eu quero nunca a perder a flexibilidade para conseguir passar de um registo ou outro, ser extremamente erudita, mas também conseguir.
Adaptar me a outro registo, e como tradutora e como escritor, isso é extremamente importante, não é?
42:06
Não quero só escrever ou só traduzir num registo.
Isso é importante e é uma grande estratégia no sentido de humor.
Quando tu estás a passar por situações extremamente complicadas, extremamente difíceis, o conseguires parar e ver alguma coisa, às vezes não se consegue mas ver alguma coisa que penses isto até até até tem graça, ou daqui a uns tempos vai ter piada e conseguires fazer humor.
42:28
E depois há as estratégias do dia a dia ou, por exemplo, sentir.
Já estou com a cabeça assim, já não aguento de histórias horrendas e vou nadar.
E tenho mesmo a sensação que que deixo metade da do lixo na água da piscina.
Oo desporto, é cada vez mais importante para mim fazer desporto enquanto eu estou no ginásio.
42:45
Estou mesmo que esteja às vezes a ver coisas no telemóvel, porque tenho de responder a alguém alguma coisa.
Mas é o meu espaço, onde eu, regra geral, não estou a pensar em mais nada.
42:55
Pessoa 2
Tu falaste do teu pai.
Tu escreves um livro sobre o sobre o teu pai.
42:59
Pessoa 1
Sim, a minha homenagem AA.
43:01
Pessoa 2
Tua boia sobrevivência a tua.
43:03
Pessoa 1
Foi a escrita, foi a minha maneira do teu luto, foi.
Foi a minha maneira de de não não afundar, porque foi muito duro.
Foi.
Foi uma sensação muito grande de orfandade.
Foi assim e foi estranho porque eu achei que já tinha começado a fazer o luto, tinha lido.
Lá está o meu lado académico.
43:18
Vou me preparar então li imensas coisas.
Depois, quando chegou a hora, foi como se não tivesse lido nada e senti mesmo.
Tiraram me o chão debaixo dos pés e agora, o que é que eu faço, quem é que eu sou?
E a escrita ajudou me a ir voltando, a pôr aquelas camadas todas que me constituem, uma em cima da outra e a erguer me.
43:37
E lá está também relembrar muitas coisas.
É um livro essencialmente sobre as coisas bonitas que ele, que ele me deixou a mim e às pessoas que conviveram com ele.
É importante.
Acho que é um exercício muito importante no dia a dia nós estarmos muito cientes.
43:53
Agora vou vou aparecer mesmo, o manual da autoajuda, que é a gratidão.
Estarmos muito cientes daquilo que temos, daquilo que é bom e das coisas bonitas que estão à nossa volta.
Porque se nós começamos a só a ver o que há de horrível, bem, é uma depressão.
44:06
Pessoa 2
Mas nunca ficamos muito presos aí não é que a gente olha um bocadinho?
A gratidão, um momento bom?
Sim, isto é bom.
44:13
Pessoa 1
Mas sem entrarmos naquele.
44:14
Pessoa 2
E entramos tipo, não é no fundo quer?
44:17
Pessoa 1
Dizer era ótimo entrarmos nesse.
44:19
Pessoa 2
Estado.
44:20
Pessoa 1
De sim, de clarividência, de serenidade extraordinária.
Não sei se depois conseguiria escrever a partir desse espaço radioso.
44:30
Pessoa 2
Precisas da dor para escrever.
44:31
Pessoa 1
Não é da dor, mas preciso de alguma.
Preciso de tensão.
Preciso de não sou nada apologista daquela ideia de que o escritor tem de ser o poeta atormentado, não.
Mas.
44:40
Pessoa 2
Ou como o Hemingway, que IA experimentar coisas?
44:42
Pessoa 1
Sim, e tantos, tantos, tantos, tantos, tantos autores.
A história da literatura está cheia de autores que andaram e que tiveram percursos de vida muito complicados mesmo muito.
Eu gosto de ter equilíbrio na minha vida e ter serenidade na minha vida.
Mas gosto depois de andar a aprofundar e ali a.
44:58
A mexer em temas que me incomodam.
É como cinema.
Também gosto de ver cinema que me incomoda, não?
45:03
Pessoa 2
Tu és uma espécie de anatomopatologista da vida no.
45:05
Pessoa 1
Mundo não é enquanto.
45:07
Pessoa 2
Tu estás a escrever, estás lá com os talheres, a cortar uns fígados.
EE é EE, por outro lado, dizem, pronto, e agora?
Vou aqui para um baile que eu agora.
45:14
Pessoa 1
Sim, dançar.
Olha aí está outra estratégia de sempre.
Dancei imenso sozinha em casa.
Eu também tive a minha fase de ir dançar para as discotecas.
Agora já não tenho paciência.
Os seus.
45:23
Pessoa 2
Vizinhos ao lado, olha lá, está ele lá dançar.
45:25
Pessoa 1
Com a música é importante, é importante.
Ouvir música ou dançar, cada pessoa tem de encontrar as suas estratégias, qualquer coisa que o faça sentir bem.
EE deixar os problemas não é, pô, Los para trás das costas, porque às vezes não se consegue.
Mas pelo menos arrumá Los ali a um canto e vamos fazer outra coisa.
45:43
É importante para não ficarmos ali, a chafurdar na lama e na.
45:47
Pessoa 2
E essas são as tuas estratégias para.
No fundo, para gerires a tensão entre entre a escrita e o trabalho e a e a vida.
45:55
Pessoa 1
Sim, sim, sim.
45:56
Autocensura, Influência do Leitor e o Processo Criativo Orgânico
E portanto, eu, no lobos também comecei.
O ponto de partida foi esse, fui ver, quem sabe estas pessoas que têm trabalhos.
Terríveis, uma antropóloga forense e um repórter de guerra que andaram no Kosovo, nos Campos de refugiados da Grécia, que andaram em todos os sítios piores à face da Terra no Ruanda.
46:16
Como é que estas pessoas depois vivem e são felizes e não é felizes naquele sentido tolo do termo, mas felizes estão muito bem com a vida.
Como é que se aguenta?
E então fui ver lá.
Está conversar com antropólogos forenses, ler.
46:28
Pessoa 2
Há umas pessoas que estão mesmo bem com a vida, não é?
E é importante dizermos assim, mas é.
Que vitaminas são estas?
O que é que se?
46:34
Pessoa 1
Eu gosto cada vez mais disso, dessas pessoas, gosto cada vez mais disso.
Quando vejo alguém que está de bem com a vida, é importante.
E eu acho que, por exemplo, envelhecer é uma coisa, é um caminho que nos pode levar nesse sentido de nós estarmos de bem connosco com a nossa pele.
46:50
Às vezes não funciona assim, para muitas pessoas lidam muito mal com o envelhecer.
Eu acho que para outras pessoas há ali um trabalho bom de.
Calma e de aceitação.
47:01
Pessoa 2
Basta pensar que a alternativa a envelhecer é bem pior, portanto, já temos aqui 11 caminho, mas.
47:07
Pessoa 1
Também agora andamos todos a tentar ser imortais.
47:09
Pessoa 2
Não é verdade, é verdade.
Acho que está toda a gente aí.
AAA restaurar se e a tentar prolongar, prolongar as coisas.
Tenho uma curiosidade sempre sobre os escritores, ainda por cima uma escritora como tu, que escreve sobre realidades cruas que é, há uma autocensura.
47:26
Há coisas que tu evitas.
Escrever o que escreves e depois riscas.
47:33
Pessoa 1
Há uma auto censura.
E eu.
Isso irrita me muito quando estou a escrever e quero escrever e estou ali e de repente começo a ouvir assim, uma voz em pano de fundo, estou a.
47:46
Pessoa 2
Ver lá isso, olha que isto vai dar asneira.
47:48
Pessoa 1
Não posso escrever isso.
Vê lá e depois isso vai te arranjar, chatices.
Ou tento calar essa voz, tento calar essa voz e tento que o produto.
Que eu ponho na página, seja realmente qualquer coisa de muito genuíno.
48:03
Há sempre uma dose de autocensura, não é?
Mas o estar a escrever com, por exemplo, pessoas dentro da nossa cabeça, agora que eu, os escritores, nós antes escrevíamos.
Quando comecei a minha carreira era assim.
Não foi assim há tantos anos.
Foi há 20 anos, 25 escrevíamos e não havia contacto nenhum com o leitor, anão ser na Feira do Livro uma vez por ano, eventualmente num ou noutro.
48:25
Pessoa 2
Alguém longínquo?
48:26
Pessoa 1
Sim, e agora nós somos convidados, por exemplo, clubes de leitura em casa das próprias pessoas, nas bibliotecas, encontros, nas feiras do livro, em festivais.
É como digo eu, este ano passei o ano, este último semestre a passar AA passear pelo país, a conversar com pessoas.
48:44
São pessoas que me vêm dizer, gostei imenso disto, gostei imenso daquilo.
Agora escreva sobre isto, escreva sobre aquilo, a última coisa que eu quero, eu digo lhes sempre adoro ouvir vos.
E conversar convosco.
Mas a última coisa que eu quero é estar a escrever e ter vos dentro da minha cabeça.
Eu não quero estar a escrever, a pensar no leitor AB ou c que me disse.
49:01
Queria que eu escrevesse do ponto de vista de um homem.
Escreva sobre este tema, não quero.
49:05
Pessoa 2
Como é que tu te livras deles?
49:07
Pessoa 1
Eu acho que a escrita, quando nós realmente estamos mergulhados na escrita, é uma espécie, vá, não vou usar, vou usar, vou usar a expressão transe, mas a pessoa entra um bocadinho ali, numa bolha no.
49:19
Pessoa 2
Entras num ritmo.
49:20
Pessoa 1
Entro num ritmo e num num espaço que é só meu.
E aí facilmente as pessoas ficam fora.
EE, quando não estou a conseguir, prefiro não insistir.
49:28
Pessoa 2
Ouvi dizer que há uns escritores que planeiam tudo até à última gota e depois escrevem.
E há outros que é, seja o que Deus quiser.
Estão aqui os personagens agora.
Lá todos, uns com.
49:36
Pessoa 1
Os outros eu vou atrás.
Eu, eu só começo a escrever depois de saber exatamente do que é que eu vou escrever, o tema em geral, o que é que me preocupa, o que é que eu quero abordar.
E as personagens?
Eu eu sei exatamente quem elas são fisicamente, o que é que comem, o que é que gostam de ler, o que é que fazem No No seu dia a dia.
49:54
E depois, então começo a escrever.
Mas depois gosto que elas me levem pela mão.
E isto parece assim uma coisa muito esotérica, mas é um facto.
Há quem, como tu dizes, planeia tudo e tem, por exemplo, uma parede cheia de post it, cena um, cena 2, cena 3.
Eu não funciono assim.
50:07
Pessoa 2
Escola cai para o céu.
50:09
Pessoa 1
E.
50:09
Pessoa 2
Depois perdem.
50:10
Pessoa 1
Essas cenas e, enfim, e estraga se uma parede, enfim, não.
Eu gosto de começar num ponto, sei que quero chegar mais ou menos ali, mas depois gosto de que o percurso seja acidentado e vou por sítios como os lobos.
Os lobos não entravam no livro.
50:26
Não foram planeados.
Foi um acaso.
Aconteceu.
Eu estava à procura de um cenário para pôr Oo meu Stephen que ele sim a eremita, e eu criei uma floresta e descobri o centro de recuperação do lambérico em Mafra e gostei tanto do projeto.
50:42
Pessoa 2
E é um sítio real.
50:43
Pessoa 1
É um o sítio quer dizer, AA paisagem que eu descrevo é real, depois o centro, o santuário recrias aqui é é não é exatamente como o centro de recuperação de lambéricas.
As coisas são são diferentes, mas.
Os lobos impuseram se e é isso que eu gosto na escrita é de eu sei que vou fazer um percurso, mas não sei exatamente por onde é que ele me vai levar.
51:02
E os lobos acabaram por entrar nos livros porque fazia sentido e foram uma descoberta.
E é isso que eu gosto.
51:07
Pessoa 2
E quando escreves a última palavra, a última frase, o último Ponto Final, como é que é esse momento do parto, o momento em que tu pegas no teu manuscrito?
51:18
Do Ponto Final à Próxima Página: O Parto e o Recomeço do Escritor
No computador, imagine, não sei se escreves à mão, e depois no computador?
51:21
Pessoa 1
É sempre no computador?
51:22
Pessoa 2
Sempre no computador sou apaixonado por canetas de tinta permanente, portanto, é sempre como é que é isso?
Do do entregar do.
51:29
Pessoa 1
É um momento muito bom, mas é muito difícil porque há aquela aquele momento íntimo como tu dizes é, acabei.
Já li aquilo 500 vezes.
Enfim, está pronto, está pronto para a etapa seguinte, que é a revisão e é.
Aliás, antes da revisão, é OA leitura do editor.
51:46
Neste caso, é da minha editora.
O que é que ela vai dizer, as sugestões vai fazer.
Mas aquela primeira etapa em que uma pessoa se sente pronto, o livro já está apresentável assim à minha, aos meus 2 ou 3 leitores íntimos.
É um momento muito gratificante.
Mas ao mesmo tempo é assustador, porque não sei qual vai ser a reação, por exemplo, da primeira leitora, a editora, se ela vai dizer.
52:07
Bom.
52:08
Pessoa 2
Isto não era, não era isto.
52:09
Pessoa 1
Não é bem, não é bem, não está à altura daquilo que eu esperava ou nunca me aconteceu.
Mas.
Mas isso é bom também.
É importante, porque é isso que nos faz tentar sempre que o próximo livro seja melhor e irmos mais longe com o.
52:21
Pessoa 2
Que é que os editores?
O que é que os editores dizem?
52:24
Pessoa 1
Tens diferentes tipos de editores, há editores que pegam no teu manuscritos os meus primeiros livros, publicados em 1900, e troca passo, não foi em 2005, o primeiro com aquilo tudo, não, mas foi das minhas mãos, passou pela revisão e foi direto para a gráfica.
Hoje é um bocadinho, ainda há quem trabalhe assim, mas eu já não trabalho assim.
52:39
Eu gosto muito de trabalhar em em em dupla, é um trio, eu, a editora e a revisora e termos estas opiniões e entrarmos em diálogo é acho acho que é enriquecedor para o livro.
52:51
Pessoa 2
Muito bem, há ideias aí em carteira para fecharmos esta conversa.
52:55
Pessoa 1
Há ideias, mas nem a minha editora sabe quais são.
Não, já estou absolutamente mergulhada no próximo projeto e a ler muito EEA preparar a fase de das entrevistas e conversar com pessoas.
Mas estou na fase de construção das personagens, que é um e de escrita e que é uma fase que eu adoro.
53:14
Ainda estar ali nos primeiros a dar os primeiros passos, a escrever os primeiros textos, embora eu já tenha 100 páginas escritas, mas ainda sinto que estou.
Estou no início, é é muito bom ao.
53:23
Pessoa 2
Longo desta conversa, falamos da escrita, de leitura, de tradução, de linguagem, de violência, de infância e de verdade.
Falamos de temas difíceis.
Mas talvez o que me tenha ficado mais na memória não tenha sido nenhum conceito.
Foi uma atitude.
A ideia de que o olhar para o que é Sombrio não os torna mais cínicos, pelo contrário, torna nos mais atentos, mais responsáveis, mais capazes de distinguir entre conforto e lucidez.
53:49
Aprendi ou voltei a.
Reaprender que a literatura não serve para nos poupar, serve para nos obrigar a parar e a olhar, a pensar, a escolher melhor as palavras, as imagens e os silêncios.
Falamos de crianças porque é aí que tudo começa e porque é aí que demasiadas vezes falhamos.
54:08
Falamos de leitura porque ler é uma das poucas formas que ainda temos de resistir à pressa, ao facilitismo e à indiferença.
Falamos do humor, do corpo, de luto e de vida, porque ninguém se sustém muito tempo só no escuro.
Se esta conversa te fez parar pensar ou olhar para alguns destes temas de outra forma, subscreve o pergunta simples, avalia o programa nas tuas plataformas de podcast e partilha este episódio com alguém a quem esta conversa possa fazer sentido?
54:36
Isto foi o pergunta simples, episódio de Natal.
Uma pergunta de cada vez e muitas respostas seguidas.
Nem que elas sejam duras e difíceis.
Porque saber?
É a primeira forma para começar a mudar até para a semana.
