Um escritor que foi jornalista. Um romancista que é argumentista.
Um grande repórter que nos ofereceu frescos de impressões do cerco de Saraievo ou na missão de paz num barco até Timor.
Rui Cardoso Martins, autor dr uma escrita única, de célebres crónicas judiciais onde se retrata a nossa sociedade e, não menos importante criador de frases como “penso eu de que” dita pela personagem do Contrainformação que representava o mais mítico dos presidentes de clubes de futebol portugueses.
Esta edição está carregada de boas histórias. Aquelas histórias onde se responde à pergunta “Afinal o que está em causa aqui?
Há conversas que nos fazem viajar no tempo, atravessar fronteiras e mergulhar em mundos que, à primeira vista, parecem distantes. A entrevista com Rui Cardoso Martins é uma dessas viagens.
Ele é um contador de histórias nato. Seja na literatura, no jornalismo ou no humor, a sua escrita é um jogo constante entre a ironia e a profundidade, entre o detalhe do quotidiano e o impacto dos grandes acontecimentos da história recente. É um dos poucos escritores portugueses que transita com naturalidade entre registos tão diferentes como o romance, a crónica, o argumento de cinema e a televisão.
Nesta conversa, percorremos a sua trajetória desde os primeiros passos no jornalismo, passando pela experiência como repórter internacional em cenários de guerra, até ao seu impacto no humor português e na literatura contemporânea.
Uma Vida Entre a Palavra e o Mundo
Rui Cardoso Martins começou no jornalismo nos anos 90, num momento de transformação da imprensa em Portugal. Foi um dos repórteres fundadores do jornal Público, onde aprendeu o ofício na escola dura das redações, entre máquinas de escrever, cigarros acesos e chefes de redação que gritavam ordens por cima das secretárias.
Foi no Público que começou a construir uma assinatura própria, com uma escrita que misturava rigor e criatividade. Depressa percebeu que a notícia não era só uma questão de factos, mas também de como os factos eram contados. Ao longo dos anos, aprimorou um estilo que tornaria inconfundível: um olhar atento para o detalhe humano, uma ironia afiada e uma capacidade rara de transformar o banal em extraordinário.
Mas o jornalismo não o manteve somente nas redações. Desde cedo, partiu para o terreno e viu de perto acontecimentos que moldaram a história recente. Esteve no cerco de Saraievo, testemunhou o medo e a fome de uma cidade destruída pela guerra. Acompanhou as primeiras eleições livres na África do Sul, um momento que simbolizou o fim do ‘apartheid’ e o nascimento de uma nova democracia. E embarcou no Lusitânia Expresso, a missão de solidariedade que tentou furar o bloqueio a Timor-Leste.
O contacto com a guerra, a violência e a injustiça foram marcantes. Mas talvez o mais impressionante seja a forma como nunca perdeu o sentido crítico nem a capacidade de encontrar humanidade mesmo nas situações mais brutais.
O Humor Como Arma e o Impacto na Televisão
Se o jornalismo lhe deu o rigor e o olhar clínico sobre a realidade, o humor deu-lhe uma outra ferramenta poderosa: a sátira. Rui Cardoso Martins foi um dos criadores de Contra-Informação, o programa que, durante anos, disse coisas que mais ninguém ousava dizer sobre a política portuguesa.
Foi também um dos argumentistas de Herman Enciclopédia e ajudou a criar personagens e frases que se tornaram parte da cultura popular. Para muitos, o humor político em Portugal nunca foi tão ácido e certeiro como nessa altura.
A televisão deu-lhe outro tipo de notoriedade e permitiu-lhe explorar um registo diferente. Mas, para Rui, a sátira nunca foi somente entretenimento. Sempre foi uma forma de resistência, de expor as contradições do poder e de obrigar o público a pensar.
A Literatura e o Olhar para a Vida Real
A dada altura, a escrita tornou-se o seu grande território. Primeiro com as crónicas judiciais Levante-se o Réu, onde transformou julgamentos banais em relatos literários que mostravam o melhor e o pior da natureza humana. Depois, com os romances que lhe valeram prémios e reconhecimento.
Os seus livros refletem muito do que viveu como jornalista e cronista. Há um olhar atento para as relações humanas, um sentido de humor que surge sempre nos momentos mais inesperados e uma capacidade de transformar pequenos gestos e diálogos em grandes histórias.
É um escritor que procura sempre responder à mesma pergunta: “O que está em causa aqui?” Seja no tribunal, num cenário de guerra ou numa conversa de café, há sempre algo que merece ser contado.
O Presente e o Futuro da Palavra
Num mundo onde a informação circula a uma velocidade alucinante e onde a verdade se torna, muitas vezes, uma questão de opinião, Rui Cardoso Martins mantém-se fiel a uma ideia simples: as palavras importam.
Acredita que a escrita pode ser um escudo, uma arma e um testemunho. E que, se há algo pelo qual vale a pena lutar, é pela liberdade de contar histórias.
Agora, é tempo de ouvirmos a dele.
Ele é um contador de histórias nato. Seja na literatura, no jornalismo ou no humor, a sua escrita é um jogo constante entre a ironia e a profundidade, entre o detalhe do quotidiano e o impacto dos grandes acontecimentos da história recente. A língua portuguesa é a sua ferramenta e o seu território.
Nascido em 1967, em Portalegre, Rui Cardoso Martins é escritor, cronista, argumentista, dramaturgo e jornalista. Foi um dos repórteres fundadores do jornal Público, onde se destacou como repórter internacional e cronista, cobrindo a guerra da Bósnia, o cerco de Sarajevo, as eleições na África do Sul e a missão Paz em Timor. Vencedor de dois Prémios Gazeta, continua a escrever crónicas para o Jornal de Notícias.
Na literatura, é autor de vários romances premiados, incluindo E Se Eu Gostasse Muito de Morrer (2006) e Deixem Passar o Homem Invisível (2009, Grande Prémio de Romance e Novela APE). Escreveu também Levante-se o Réu, um retrato mordaz da justiça portuguesa, e publicou crónicas e contos traduzidos internacionalmente.
No cinema e na televisão, destacou-se como argumentista, sendo co-autor do filme A Herdade (2019), candidato ao Leão de Ouro e Melhor Argumento no Festival de Veneza, e das séries Sul, Causa Própria e Matilha, que marcaram a ficção policial em Portugal.
Foi um dos criadores do Contra-Informação, ajudou a moldar o humor televisivo em Portugal com Herman Enciclopédia e Conversa da Treta e deixou frases na cultura popular, como o célebre “Penso eu de que…”.
Atualmente, divide-se entre a escrita e o ensino. É professor convidado na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Lusófona, onde leciona escrita criativa e artes da escrita.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO00:00:00:00 – 00:00:34:19
Desconhecido
Viva Rui Cardoso Martins! Tens um comboio de funções Escritor, cronista, argumentista, dramaturgo, professor, jornalista. Quis bom? O que? O que és hoje? Um faz tudo, faz tudo o que for que faz. Um faz tudo, faz tudo. Numa visão, uma visão, numa uma perspetiva geral de literatura, que é uma palavra que uso sempre no bom sentido, num sentido sem sem rodriguinhos, sem jogos florais.
00:00:34:21 – 00:01:02:20
Desconhecido
Sou uma pessoa que que usa a linguagem, a língua portuguesa para tudo, para várias, digamos, artes de escrita e portanto, um faz todo o sentido. Eu gosto muito, faz tudo e as pessoas que sabem resolver grandes problemas. E eu e tu estás em nós mesmos, às vezes com os mesmos instrumentos no instrumento. Enfim, a minha maneira de trabalhar é a língua que uso em jornalismo, que usei em literatura.
00:01:02:22 – 00:01:32:19
Desconhecido
Enfim, é romance. Enquanto em guiões de cinema e televisão. Mas há frequências diferentes, porque quando tu és jornalista puro e duro e tens que dar a notícia é uma coisa. Quando te permites fazer as maravilhosas crónicas como tu fazias de levante o véu. No caso do Público, Crónicas Judiciais é diferente do que fazer depois o humor, como fizeste nas Produções Fictícias ou como fazes quando escreves um romance.
00:01:32:21 – 00:02:03:20
Desconhecido
Sim, sim. A minha formação é de uma lista. Porque e porque tirei o curso Comunicação Social na Universidade Nova e entrei imediatamente no E houve um tempo. Foi um tempo histórico, heróico e interessante, que foi quando apareceu as candidaturas para um novo jornal que veio a ser o Público e portanto, entrei como estagiário no Público, pois uma formação de uma seleção e aí aprendi tudo de quase da chamada tarimba.
00:02:03:20 – 00:02:32:12
Desconhecido
Dez anos, vários meses ainda antes de nascer, que para os teus mestres, os meus mestres foram em grande parte os meus mestres no Julinho foram Lino Gomes, o Jair Rodrigues, o pai do Tiago Rodrigues, do teatro, que é um amigo meu, o Rogério Vidigal. Foi o foi o Eduardo Rebelo, futuro Cat Sepúlveda e foi, obviamente, em grande parte, o Vicente Jorge Silva.
00:02:32:12 – 00:03:05:01
Desconhecido
Portanto, é fácil que tivesse estudado outros, seja de que. Mas agora podia continuar a lista. Éramos os jovens que estavam ali com o Mestre e, portanto, o queria aprender a fazer o que se aprende desde as breves, as notícias e as reportagens, muito cedo começamos. Eu tive a sorte de estar a sair de Lisboa ou ir a Lisboa, para Lisboa, ou ir para o estrangeiro escrever reportagem.
00:03:05:01 – 00:03:26:14
Desconhecido
Portanto, tive ainda antes da internet, ainda antes dos computadores. Hoje por escolas. Graça, Não sei onde consigo escrever coisas à mão. Não é porque? Porque fiz uma transição e uma aprendizagem do analógico para o digital. Enfim, acho que somos a última. São de nós, aqueles ali, a última geração que passou por isso tudo. Eu comecei a trabalhar na telefonia.
00:03:26:14 – 00:03:59:07
Desconhecido
Era fita, era bobines. Também passei por isso, não via computadores, enfim, nós quando não havia internet íamos os tijolos daquilo que seria depois. E a Mackintosh eram os primeiros computadores. Hoje são relíquias de tecnologia, como as disquetes. Mas aprendi basicamente a escrever tudo e logo na primeira semana do Público, a tive que juntar duas coisas diferentes notícias, reportagens.
00:03:59:09 – 00:04:27:10
Desconhecido
Como jornalista e também como jornalista, fazer crónicas em tribunal porque tinha feito uma reportagem que disse que o Vicente Jorge Silva achou graça, que tinha o que se passava no tribunal e eu tinha faro para isso, para perceber. Ainda tinha imenso faro, que é o meu mau feitio, que faz falta quando falado disso. Ética fantástica que o que era mau feitio eu estava sim, mas que nunca te contei isto.
00:04:27:10 – 00:05:12:14
Desconhecido
Mas uma vez, ainda jovem estagiário, quando ainda não tinha se decidido que é que ficava a fronteira, o ou de fronteira, não sei bem o que é que dizia isto era um caso em que não concordei com ele e eu, cheia de opiniões, confrontei muitas pessoas numa espécie de plenário anterior e ele ficou zangado comigo. Veio um contrato, pois precisamente o Rogério Rodrigues, que era um grande repórter e poeta, já agora, que felizmente já faleceu, que ele tinha ficado como desligado e dizia me achou que eu não servia para um projeto que, como o meu amigo disse, mas depois mostraram lhe precisamente uma reportagem que tinha feito enquanto estagiário.
00:05:12:16 – 00:05:34:11
Desconhecido
Ah, mas isto é bom, Que é que este tipo ele é aquilo que tu queres mandar embora. Eu sou. Contaram me isto mais tarde. Já eu estava no quadro do Público e fiquei sempre grande admirador, grande amigo do Vicente, porque era uma força de natureza entre ponderação e graça, isto é, uma búlgara e não sei quê. Era surdo e gritava imenso.
00:05:34:11 – 00:06:05:17
Desconhecido
Era assim, de facto, um momento dramático, muito, muito cómico, às vezes difícil para quem ouvia as críticas, mas também era capaz de chegar ao pé de uma pessoa e gritar deu trabalho à frente. Toda a gente era de facto um moço. Se assim não é curioso porque tu estás de uma forma e eu estou a recordar me os meus velhos chefes de redação também, que às vezes até tinham dias mais difíceis, em particular depois do almoço, e gritavam muito a dizer para que já vão dizer?
00:06:05:17 – 00:06:30:09
Desconhecido
Eu pus isto numa peça de teatro que se chama A Última Hora. Toda a gente fumava e não havia problema nenhum em ter uma garrafa de whisky na secretária. Quer dizer, parece por isso que quase nunca, mas toda a gente trabalhava até à última. Ninguém deixava de fazer o seu trabalho, mesmo que de directa. Portanto, foram, como eu dizia, 80 heróicos.
00:06:30:11 – 00:07:03:16
Desconhecido
Agora, entre isso e a ficção, é preciso, pois, saber o que é que se está a fazer, como e como é que tu te ligavas ou desligadas quando tu estavas a fazer jornalismo, por um lado, e por outro lado, já a escrever coisas, a escrever, romances a escrever, enfim, mais tarde, mais tarde, vês que desligar. Gosto de reformar com os romances e e o cinema foram uma consequência da minha aprendizagem como jornalista e também como pessoa e como pessoa que é o cinema e o teatro também.
00:07:03:17 – 00:07:40:02
Desconhecido
Muitas leituras, mas. Mas não, eu não sabia que era escritor. A grande descoberta que acontece quando é que foi epifania? Bom, primeiro tive aquela coisa que qualquer cronista quer que aparecer uma pessoa que não conhecemos de lado nenhum e dizer nos eu como novo por causa das crónicas, isso aconteceu. Aconteceu algumas vezes e não por arrastamento, mas paralelamente apareceram escritores que eu adorava.
00:07:40:02 – 00:08:05:24
Desconhecido
Não é porque porque os lia, falarem no meu trabalho, nas Crónicas dos Pires, o Cardoso Pires primeiro que usou uma bela expressão que é o Papa, o Papa e este cabrão escreve como nós do Cabral foi usada sem os saberes as folhas outra vez. Lobo Antunes Ele dizia que eu era um cabrão e que era o Kant. Surgiu outros dois.
00:08:06:01 – 00:08:22:00
Desconhecido
Eu com 20 anos, sei e sei de facto, um enorme elogio. Olha o que é que esses mestres de escrita te ensinaram? O que é que tu aprendeste com eles? Não sei se estão. Se estes mestres têm assim grande vontade de ensinar ou se a gente aprende estando com eles e percebendo o que é que eles estão lá a fazer.
00:08:22:01 – 00:08:49:09
Desconhecido
Escrever é tudo um pouco. Eu, o Cardoso Pires, infelizmente não consegui falar com ele. Li muitos livros dele, li crónicas dele e e depois ele deu o prémio. O Prémio Pessoa deu uma entrevista precisamente a falar das minhas crónicas como exemplo de uma coisa que estava que era papapa. Lá está a. É a única ocasião em que tive oportunidade de falar.
00:08:49:09 – 00:09:17:07
Desconhecido
Teve um pudores. Nunca que você tivesse vergonha. Tive tipo pudor Não é vergonha, não é vergonha. Aquele homem tinha dito bem do meu trabalho e bem, não tinha dito bem mim. Mas sentiste intimidação ou sentiste distância? É mesmo daquelas coisas à antiga. Eu a primeira vez que entrei, um restaurante meio de luxo porque me apeteceu Eh isto. Restaurante.
00:09:17:09 – 00:09:40:02
Desconhecido
Lá estava eu. E eu vou, não vou, vou, não vou. Mas depois vi que eu estava a escrever e não me atrevi. Não me atrevia a apresentar me. Estava a escrever num caderninho, estava a tomar más notas de escrita, Vai haver um whisky, um café. Mas já agora, para as pessoas que saibam que a primeira coisa que tu disseste quando chegasse aqui é arranjar uma folha de papel a receber qualquer coisa para que?
00:09:40:04 – 00:10:02:17
Desconhecido
É só por isso uma espécie de animal de companhia. Tem que lá estar uma folha em branco e estou sempre a acusar me. Durante muito tempo nunca tinha um papel para escrever numa caneta e era aquela história do Paulo e tantas vezes que agora tenho tenho rituais. Não são rituais, são santos, são coisas que é bom ter uma folha de papel sempre será alguma coisa digna de registo.
00:10:02:17 – 00:10:23:22
Desconhecido
Nunca se sabe, senão a nossa memória vai se embora. Existe. E se a memória não escreve nada, não há. Não há escritor sem memória que fala. Fala me dos seus rituais. Há um que é engraçado, que é aquilo que eu gostava de saber, que é o que acontece entre as 05h00 e o nascer do sol. Porque para quem não sabe, tu és uma.
00:10:23:24 – 00:10:57:16
Desconhecido
Uma ave de grandes manhãs de acordar muito cedo para fazer o quê? Sim, quando estou a escrever, nem sempre crónicas, mas quando estou a escrever um romance é a melhor hora. Muito cedo tento que de reflexão não seja pesada e levanto cedo. Posso ver o sol nascer. Porque? Porque não há crianças a pedir os Pokémon, Porque não se tem que ir imediatamente levar alguém à escola e já tive na verdade três gerações de crianças.
00:10:57:18 – 00:11:24:23
Desconhecido
Os meus dois filhos, Henrique já tem 20 e 06h25, já cresceram, Tenho o. Tenho o Lourenço no Inquieto Filho, que tem 16 e gosta de cinco anos. Portanto, toda a minha vida estive sujeito a de manhã ter que tratar de uma série de coisas Ele, eu e toda a gente lá em casa. Como eu vi e. Mas percebi que ele é, na verdade, para dizer a verdade.
00:11:25:00 – 00:11:55:15
Desconhecido
Acho que aprendi este truque de uma vez numa entrevista do Garcia Marques, que disse que se levantava às 02h00 para escrever Que esquisito! E depois percebi que, de facto, de manhã aquela energia inicial, aquela coisa que é sem comer, sem coisa em que as coisas estão no mundo, sem barulho cheio sem ruído e é. E percebi que era aí que era para a parte dos livros.
00:11:55:15 – 00:12:02:21
Desconhecido
Era a parte do dia também em que eu conseguia avançar, porque.
00:12:02:23 – 00:12:30:12
Desconhecido
Escrever. Um livro é diferente que junta isso. Ou mesmo escrever uma crónica até aqui, uma espécie quase de contradição que na redacção há um bulício, há um barulho, há uma, há uma chinfrineira permanente, há os telefones que tocam, as pessoas que falam, há uma interacção muito grande entre entre os juristas e, por outro lado, essa quase reclusão de que tu falas que é sentas estás tu contigo próprio, com o silêncio e com uma página em branco?
00:12:30:14 – 00:12:59:13
Desconhecido
Sim, mas também porque também me habituei a trabalhar em qualquer coisa. Trabalhei muito em aviões, por exemplo, trabalho em aviões, trabalho, trabalho bem com ruído, desde que não seja a interpelar me. Não é? Enfim, entendemos que haja espaço para uma série de coisas que faça diferente agora. De facto, essa energia da manhã permite me, por exemplo, onde escrevi a contra informação e ao mesmo tempo estava a escrever um romance.
00:12:59:15 – 00:13:23:10
Desconhecido
Eu não, não isso que viu contra informação. E depois o romance tinha que ser o antes e o contra a formação depois, porque gera se uma espécie de alívio cômico, como é que dizer era outra coisa, era outra coisa. Olha, fala me dessa escrita do morto. Escreves muito. E esse corpo das Produções Fictícias, sim, pode dizer se, embora não tenha entrado, não tinham três ou quatro.
00:13:23:12 – 00:13:46:18
Desconhecido
Mas fazer parte daquele grupo inicial que, sem saber escrever humor, escreves para o Herman, escreves o contra informação. Lá está, podes até ser responsável aquilo que um dos candidatos a Presidente da República tu escreveste um dos uma das caricaturas de de Margo. Minha culpa, minha grande culpa. Este do autor da frase é que grande noia sou eu e Geppina.
00:13:46:20 – 00:14:07:09
Desconhecido
Já não sei quem é que diz primeiro. Até acho que o José de Pina, porque ele era professor e de jovens e trouxe essa segunda muito, muito trabalho que usávamos para coisas que ouvimos na rua. No caso dele, na escola, o peso de que sim, é meu. E se é do Pinto da Costa, o Pinto da Costa Bimbo da Costa, Pinto da Costa, claro que ele ouviu dizer.
00:14:07:09 – 00:14:42:06
Desconhecido
Penso de que é da espuma que ele faz fita. Ainda há pessoas que se livram disto cada vez menos, mas é uma frase de facto cómica. Não é porque ninguém pensa de que para acabar uma frase e tu, a partir daí passa a ser um bordão de linguagem. Portanto, qualquer coisa que ele dizia e dizia, penso eu de que é quase filosófico e creio mesmo que que é que o grande contributo, o meu grande contributo para aquele grupo, não é se estamos, não é desnorte, É estar a ver o Município perder outras coisas com que eu me fiz de conversas de treta.
00:14:42:07 – 00:15:08:20
Desconhecido
Isso é maravilhoso, não era? E estas coisas nasceram de uma frase que ouvi num padeiro na Austrália. Ele sempre dizia Anyway, na Austrália é quanto foi, quanto foi, quanto foi o navio Lusitânia Expresso? Queria tentar pôr umas flores em Timor, em Timor, por causa do massacre de Belém. E estes barcos? Sim, eu ia de tão já. Vamos, vamos, já voltamos ao humor.
00:15:08:20 – 00:15:42:22
Desconhecido
Mas. Mas eu quero saber como é que foi essa viagem aí foi isso. Foi um período de muita espera, quase um mês na Austrália, no barco cá fora, cá fora. Mas depois, quando embarcamos e nem todos embarcaram aqui entre nós e sim porque de facto havia medo, houve alguns ataques de pânico, não muitos, houve uns que se resolveram e bem e eu ainda hoje mantenho uma grande amizade com jornalista que teve um ataque de pânico dentro do barco antes de entrar não conseguia, mas ali conversámos porque e porque afinal tínhamos razão.
00:15:42:22 – 00:16:08:07
Desconhecido
Aquilo de facto podia ter corrido muito mal. Eu só tive a certeza absoluta de que. Os jovens em Timor preparavam uma sublevação quando o barco desembarcasse e estavam dispostos a morrer para mostrar ao mundo aquilo. Já estavam num tal estado. E eu tive essa confirmação há 20 anos, quando voltei de lá com uma nova missão, com o Rui Marques, organizador da primeira.
00:16:08:09 – 00:16:35:08
Desconhecido
E nós, quando estávamos no Mar Timor, a 11 milhas náuticas e e já tínhamos Timor à nossa frente e de facto que foram os dias uma intensidade brutal, não havia internet para mandar as coisas, era pela rádio, através de onda curta. Também passei por isso tudo. Era o rádio, ditava as crónicas por onde a curta palavra, a palavra e ou por telefone na Austrália eram contas de 1000 contos e coisas assim.
00:16:35:08 – 00:16:59:05
Desconhecido
Eram tempos heróicos, de facto, porque a internet ainda não funcionava bem. Eram dois bocas que descolava um ao outro. Exacto. Os modernos eram que eram umas caixinhas onde se tinham o telefone em cima para e apitava tal e qual como é que temos antigamente para fazer pipi pipi? Parecia aqueles bichos no Verão no Alentejo, que em contacto com o universo real E como é que era a rotina dentro do barco?
00:16:59:05 – 00:17:28:18
Desconhecido
Como é que começou e nos espera? Não houve, não havia, não havia lugar para todos. E de repente, quando aparece a as fragatas de guerra indonésias e os aviões de guerra e é aquele movimento à nossa volta, não deixando o barco passar, o navio passar um bloqueio e havia de facto a possibilidade de passarem as culpas se houvesse alguma bomba, por exemplo, passar as culpas para os radicais que estavam dentro do navio.
00:17:28:21 – 00:17:58:06
Desconhecido
Portanto, vocês podiam, podiam ser objetivamente e subjectivamente os detonadores de uma duma revolta que estava latente em Timor. Mas eu só soube 20 anos depois, quando lá voltei e conseguimos finalmente entregar as famosas flores no cemitério Dili. Daquele massacre de mais 400 jovens, mais 400 jovens. O ritual, aquilo, aquilo tudo e. Mas pelo meio houve coisas, de facto.
00:17:58:08 – 00:18:26:20
Desconhecido
Dia. Lembrei me deste pormenor aquilo que eu gostava de contar do general Eanes, que era ex-presidente da República, estava ali e eu tinha a tarefa de ir buscar o diário de todos os dias e passá lo ao público, fazer uma leitura um pouco mais de como é que quero dizer com a minha experiência mais holística. Era um editor, no fundo, que pegava no texto, escrevia todos os dias, escrevia todos os dias, ele um estudante.
00:18:26:20 – 00:18:57:04
Desconhecido
Portanto, havia assim uma série de de, de pessoas, de representante que, através de mim, além dos meus textos sobre o que se passava, enviavam para o público o seu diário. E é quando, quando chega que chega a frota indonésia de aviões e de fragatas de guerra. Eu estava com ele e ele dizia se Bom, agora vou, vou vestir as calças e cantar canções.
00:18:57:06 – 00:19:26:21
Desconhecido
E eu digo porquê, senhor general? Não foi verão em calções. Ele tinha razão. Ele tinha razão, porque era um ex presidente da República. Nós estávamos ali com calor tropical, claro, Mas ele tinha tinha a noção de que, a partir daí, se por acaso o barco fosse atacado a bandeira e tomado, era importante não estar em calções. Portanto, uma espécie de dignidade até na maneira como simbolicamente eram as calças.
00:19:26:21 – 00:20:01:07
Desconhecido
Mas na realidade, como ele também estava e como sim, é preciso. O ex-Presidente da República fez agora 90 anos. Os meus parabéns. Mas este foi um momento muito, muito interessante. Quem estava naquele que estava no barco era o capitão, era o capitão. Ainda hoje há uma série de coisas mal resolvidas a lançar. Ao não avançar, como é óbvio, não competia a mim e me competia me acompanhar até fim, contar e ter a contar a história que tiveste.
00:20:01:07 – 00:20:36:06
Desconhecido
Mas não há. Não há hipótese, num caso de genocídio, de sermos totalmente independentes, não é? Esse, aliás, foi o argumento de alguém que não embarcou porque supostamente é cobrir do outro lado um desastre. Estamos a falar de um regime ditatorial que tinha, portanto, implicações. Muitas vezes uma militância implicava um jornalismo de militância. Não digo isso, mas um realismo consciente de que, de que lado é que é preciso estar do teu lado da democracia e da liberdade e não do lado do genocídio, não é?
00:20:36:08 – 00:21:19:12
Desconhecido
Eu acho que isto é elementar. Parece me que é difícil manter as distâncias e acho que nós até fazer um sketch destes tu tu estiveste aí, fizeste o jornalismo tradicional, Estiveste aí? Será? Ivo, Na altura da guerra, no coração da Europa, a guerra continua no coração da Europa. Parece que não aconteceu. Parece que não aprendemos nada. O que O que se vê em Sarajevo, que se vê no coração da Europa culta e evoluída, onde subitamente três grupos de etnias, de cor, de culturas começam a matar o seu vizinho ao lado e tornam aquilo massacres sucessivos ao longo de vários anos.
00:21:19:14 – 00:21:43:06
Desconhecido
Era. Foi uma grande aprendizagem. Porquê? Porque eu, quando tinha menos cinco anos, quando lá fui eu, tinha feito um intervalo e fui lá. Fui lá passear e não havia guerra, não havia guerra e ainda era um regime socialista. Era o regime socialista do Tito. Ainda do Tito, portanto. Mas já estava na transição da Bósnia à Sérvia, como nós conhecemos Montenegro.
00:21:43:06 – 00:22:15:07
Desconhecido
Tudo aquilo era a Jugoslávia, tudo aquilo era. E então as coisas super curiosas apareciam. Com todo o respeito por estes senhores. Tinham um ar brilhante, vistoso, um pouco cabeleiras, mas que ninguém leva a mal. Estavam que estavam muito bem arranjadas, muito aquele estilo era aquele estilo de leste e eu assisti, por exemplo, brancas, com um nome de curso muito giro, muito bem arranjadas, muito um grande cuidado, um grande cuidado, que era uma coisa importante que depois voltei a encontrar.
00:22:15:07 – 00:22:49:03
Desconhecido
Quando lá voltei, o extraordinário isto já estava no cerco e já estava a guerra. Estavam a morrer muitas pessoas por dia, estava um frio danado e eu que estava inscrito no Abril antes de embarcar para lá, me custou bastante conseguir convencer. Enfim, não podemos estar aqui a explicar tudo, mas foi muito difícil de proceder. Não haviam 60 e 30 cair a pique por causa das bombas subir a pique, tudo isso estava convencido que me iam pedir para levar víveres, isto é comida, comida, queijos, atum.
00:22:49:03 – 00:23:14:23
Desconhecido
Já estava disposto a comprar isso. Estávamos na altura do cerco, portanto tu chegas a Sara Ivo, já na altura da guerra, foi logo ali na passagem do ano Natal 93 para 94 por terrível Vi por isso, por exemplo, ainda a arder, a Grande Biblioteca Islâmica de Sarajevo. Ainda apanhei manuscritos século XIII queimados. Por isso que de horrível é uma coisa horrível.
00:23:15:00 – 00:23:49:06
Desconhecido
É, Mas o que me fez levar foi cosméticos e desinfetantes para senhoras e coisas que permitiam às senhoras manter a sua dignidade. A comida. Eu não estava à espera disto. É uma grande aprendizagem. Eu tinha estado lá e em férias em Interrail assisti a uma cidade desenvolvida. Ótima música, uma educação, uma cidade europeia, cidade europeia como qualquer corpo de coisas que um bocado estranhas e paranóicas que tinha o regime soviético.
00:23:49:06 – 00:24:19:05
Desconhecido
Em princípio, nós fomos fazer fazer o elogio de tanto genocídio que aconteceu, por exemplo, na União Soviética, a Rússia. Outro caso que depois conheci melhor, li recentemente, mas assistir, por exemplo, durante essa primeira viagem a um grupo de soldados, todos muito bem compostos, do tipo metro e 90, e eles, os soldados aqui são. Eu não gostava nada de enfrentar esses.
00:24:19:05 – 00:24:47:08
Desconhecido
Estamos a marchar. E então explicaram me que que aqueles que nunca iam para a batalha, aquilo serviam só para mostrar nos paradas e são para serem também um bocadinho uma espécie de encenação do regime. Era aqueles tipos que marcham em paz de uma forma absolutamente genial, mas que não serviam para combater a esses que você batalha, não combateu nada, que eram grandes demais, eram grandes demais e quando voltei seria já como repórter do Público.
00:24:47:08 – 00:25:25:20
Desconhecido
E em vez de uma senhora morta no caminho do aeroporto, uma bala na cabeça e vou hospital onde estava baleado antes de ter fugido para as montanhas para bombardear a cidade. O famoso médico Dr. Paradis, depois condenado em sede de Tribunal Internacional e em vez de uma criança com o joelho rebentado pelos rebites, disparar o controle das crianças de forma anárquica de forma não era porque chamando isso conseguiam obrigar outra pessoa a ir lá tentar tirar a criança de uma para a pessoa era uma coisa horrível.
00:25:25:22 – 00:26:04:23
Desconhecido
Havia a célebre de uma avenida em Sarajevo, onde Avenida dos Snipers, onde basicamente tinham pessoas porque sim, sim, mas também as matavam logo porque sim, porque depois quem fosse lá tentar tirar essa pessoa que estava ali agonizante ou contido na rótula, transformava se num segundo alvo. E estamos a falar alguns deles, atiradores olímpicos, porque a primeira vez que lá estive tinha havido os Jogos Olímpicos de Areia vinda tinha lá as rampas e isto fica se a falar com um homem de 17 e -25 grau com alguma destas pessoas, não das vítimas das mas de pessoas que paravam.
00:26:05:00 – 00:26:30:05
Desconhecido
Não, mas li, li, li os relatos depois de vários. E há também um documentário sobre um grande escritor russo, mas que esteve desse lado e esteve lá a disparar contra as pessoas. Cá em cima é filmado. Ele é o Edvard Lima, o grande escritor.
00:26:30:07 – 00:27:00:02
Desconhecido
Mas que é, foi, foi adversário do Putin, muito até morreu. E que fundou um partido completamente maluco em São Petesburgo, que era ao mesmo tempo nazi e é marxista por aquelas coisas que é uma preocupação quase do populismo. Não é que era, mas ele era inteligente, pois era casado com como grande poeta. Mas esse homem disparou o contra contra a cidade na altura em que lá estava.
00:27:00:04 – 00:27:35:08
Desconhecido
Portanto, tive algumas experiências estranhas, mas a mais importante ainda hoje me serve de aprendizagem. Foi a diferença entre a civilização, digamos assim, e a perda e a guerra e a destruição, como vemos agora, claro, numa escala muito maior na Ucrânia e em Gaza. Enfim, isto é, podemos estar relativamente seguros. E esta sensação de que de repente, de repente, em um mês menos tudo, se pode escrever que é um bocado aquilo que está em causa.
00:27:35:08 – 00:28:11:12
Desconhecido
É uma pergunta que eu faço sempre tudo o que escrevo. O que é que está em causa aqui? É esta sensação de que estive num sítio em paz e depois volto. E é uma desolação. Mortos de frio, falta de eletricidade, os os campos de futebol transformados em cemitérios. Nem cães, nem gatos. Há uma coisa isto quer dizer um bocadinho aquelas imagens que na Segunda Guerra Mundial ou Leninegrado, por exemplo, porque estamos a falar desse poeta que tudo que tu disse era um poeta inteligente que fala a esse escritor que nós também.
00:28:11:14 – 00:28:41:16
Desconhecido
A inteligência pode coincidir com falta de ética? Eu acho que sim. Toda hora. Basta ver. Basta mutirões nazis. Basta ver o facto do grande agora nem me lembro do nome dele, mas até a zona de influência, o filme da casa que lá teve vai ser liberta do grande chefe de Auschwitz. Gostava de música, Gostava que gostava. Não aprecio muitos.
00:28:41:17 – 00:29:16:10
Desconhecido
Gostava nem todos. Não era? Quero também um bocado de mitologia. Aquela obsessão com o Wagner, por exemplo, era muito do Hitler, da elite. Também não é de elite, mas, mas eles conseguiram separar uma vida doméstica com a maior atrocidade que já aconteceu na humanidade, tanto. Sim, é possível. E é possível também. Ser estúpido é ser um bom poeta, um personagem de outro escritor russo que o Mikhail Bulgakov, Marguerite, o mestre muito português, conhecem.
00:29:16:10 – 00:29:43:05
Desconhecido
Infelizmente é um livro e ela é uma personagem que vai um restaurante, consegue esquecer um restaurante de massa lit que é o restaurante da União de Escritores Soviéticos, que eu por acaso tive o gosto lá jantar. E bem, É, mas ele é estúpido, só que tem uma sensibilidade qualquer que nós não compreendemos e o livro descreve o como um tipo muito estúpido, mas um extraordinário poeta.
00:29:43:10 – 00:30:22:08
Desconhecido
Olha que quando tu me estás a falar desse lado negro da alma humana, que é disso que estamos a falar quando tu fazes a pergunta o que é que está em causa aqui? Como é que tu depois consegues viver, julgar ou não julgar quando tens que contar nos seus personagens, quando tens que contar nas tuas crónicas aquilo que é o lado mais brilhante que imagino que seja mais fácil de contar e ao mesmo tempo ter que contar o lado mais negro daquela personagem ou daquela pessoa que tu estás a ver e que é preciso dizer que grande parte da minha experiência jornalística é também pequenita.
00:30:22:12 – 00:31:00:18
Desconhecido
Aqui em Lisboa, nos tribunais Levante o véu. É feito com pessoas banais ou ricas ou pobres, normalmente mais pobres, que vivem os dramas que já existiu, que os gregos, os romanos, isto é ciúme, traição. Um amigo que enganou uma mulher que trai o marido é falta de dinheiro, é violência doméstica. Eu assisto. E se continua a existir todas as semanas de namorados desavindos que destroem a sua vida com palavras demais, com gente demais e coisas de um absurdo que salta ao ouvido e que parece que não se acredita.
00:31:00:24 – 00:31:21:23
Desconhecido
E às vezes as pessoas acham que eu invento as histórias que conto ainda agora, numa sessão de violência a uma mulher que infelizmente, começou por a namorar com um amigo de 25 anos e que correu muito mal e.
00:31:22:00 – 00:31:55:23
Desconhecido
Agora que saiu tanto que falou desde namorados, não é por esta altura. E o que é que ela fez? Foi à esquadra com o resto do mundo. Cuspo saliva que ele tinha deixado no pára brisas e queria que a polícia desenvolvesse investigação para provar que tinha sido ele a cuspir lhe no pára brisas. Uma investigação do ADN desse crime dramático é evidente num quadro, num contexto de loucura, em quebra de sacos de lixo trocados a acusações, a empurrões, a conversas todo do bairro.
00:31:56:00 – 00:32:20:24
Desconhecido
Porque acreditamos, essas histórias porque são humanas. É o princípio. Agora, voltando, que o que está em causa é que desde o princípio tive a noção de que são histórias que podiam acontecer com alguém próximo, podiam acontecer me a mim, por exemplo. Muitas histórias são tragédias que começam em coisas básicas, como deixarmos de dormir num carro. Pode acontecer, já me aconteceu.
00:32:21:01 – 00:32:38:03
Desconhecido
E o que é que pode acontecer depois disto? É. Até até uma linha filosófica foi inventada. Foi há pouco tempo. O que tem a ver com a.
00:32:38:05 – 00:33:06:00
Desconhecido
Como é que é? Moral da sorte a moral da sorte moral Como é que é isso? Inglês agora? Infelizmente esqueci me do nome dele. Acontece. Eu sou péssimo, pois eu vou a procurar e ponho no mural De sorte moral da sorte o que é que é moral? A sorte moral? O que é isto? E nós passarmos por uma situação, por exemplo, dar este exemplo um homem vai num carro de uns copos, quase atropela alguém, atropela, vai para casa.
00:33:06:02 – 00:33:36:24
Desconhecido
A vida continua a mesma situação, mas ele está a atravessar a frente e é e acontece e acontece a partir daí. A partir daí é uma cascata, um Cristiano Lito que por sinal, quer dizer cocktail de desgraças e portanto, ele não fez mais nem menos do que o outro que se for e por isso. Mas teve azar, teve azar e esses a transforma se em moral e em seja, fez tudo em intestino.
00:33:37:01 – 00:34:00:06
Desconhecido
Estive coisas destas. Eu vi um homem que os polícias não lhe queriam dizer o que é que tinha acontecido no desastre. A filha dele tinha morrido, mas ele ainda não sabia. Ia ser julgado a seguir. Não tinha noção do que tinha feito. Isto também tem a ver com sorte e a sorte que julga junto a moral. Isto assim para assistir a coisas destas.
00:34:00:06 – 00:34:30:01
Desconhecido
Não é aquele momento em que acontece uma coisa, não acontece e estamos a conduzir o jogo de luz à altura daquilo que nos acontece. No fundo, a dizer me aqui que um dia as sucessivas pequenas negligências que nós fazemos todos os dias estamos no limiar de que alguma possa correr demasiado mal. Sim, pode acontecer a mim, a ti, às minhas queridas irmãs, a qualquer pessoa, a qualquer pessoa.
00:34:30:03 – 00:34:55:05
Desconhecido
Há coisas que nós fazemos que de repente se podem transformar noutra coisa. Eu estava a pensar agora que lá está, no pequeno excesso de velocidade na estrada, no usar o telemóvel 50 vezes e não acontece nada. E a primeira acontece sim, e isto. E eu lido com isso, com esse, com esse remorso do que aconteceu, com com tudo quanto se pode ou não pensar.
00:34:55:05 – 00:35:26:01
Desconhecido
Porque depois, quando, quando uma bala passa por cima da cabeça. Aconteceu me saber precisamente que a bala, o tic, tic, tic, tic é quase uma espécie de helicóptero que passa precisamente porque estava à noite. Tive que fugir para um sítio e começaram a disparar sombras sobre nós e a ONU na altura tinha fechado a porta, tinha contingências políticas, tinha sido assassinado um vice ministro nessas alturas.
00:35:26:01 – 00:35:45:01
Desconhecido
Mas isto tudo se repete a toda a hora, não é? E tu ouviste a bala. A bala passou por cima. Ao lado, uma bala que eu já tinha ouvido. Tinha visto um velhote nessa avenida dos snipers, precisamente a outra sala, e de repente ele parou e ouvimos a bala a passar perto dele. Ele olhou para mim e eu olhei para ele.
00:35:45:01 – 00:36:14:20
Desconhecido
Fiz lhe sim, venha cá fazer gestos. Venha, venha! E as pessoas, Estes momentos precisam ser para acontecer. Até porque numa guerra civil, eu que parece até que tenho muita experiência, não tive, mas tive os dias tremendos. Pronto. Sim, daquelas injeções de realidade. Não estive, não. Não havia meios para estar ali muito tempo. Nem sequer tenho um sangue à disposição para andar a arriscar a minha vida nisso.
00:36:14:22 – 00:36:43:01
Desconhecido
Há um perfil de repórter de guerra. São fantásticos. Alguns continuaram tão malucos quanto malucos malucos. Tanto que acabam por ficar viciados naquilo. Nunca uma adrenalina. Parecendo que sim, é uma espécie de. Uma espécie de exaltação. Sim, é quase um ato heróico dizer eu vou lá ver para contar e para contar. Eu perco a noção da realidade e portanto, vou arriscar.
00:36:43:01 – 00:37:09:11
Desconhecido
Se calhar muito, sim, Mas por outro lado, também há repórteres que muitos e aliás, já disse isto algures. Mas vou dizer outra vez uma das coisas que me espantou e que me deixou insatisfeito nos últimos tempos, se é que se pode falar insatisfeito numa situação destas. Mas foi a maneira como tantos repórteres portugueses entraram na cobertura da invasão da Ucrânia.
00:37:09:15 – 00:37:34:14
Desconhecido
Teve que ser, teve que ser. Mas fizeram no de uma forma que não estava à espera que no tempo, e posso citar já aqui, ninguém ficou ofendido comigo. A Cândida Pinto faz um óptimo trabalho. Arriscado. Ela é uma repórter de guerra. Olhe Mateus, o António Mateus, que eu conheci nas eleições da África do Sul em 98, quando com Mandela, com o Mandela, eu fui lá, ele foi me esperar no aeroporto.
00:37:34:14 – 00:37:54:20
Desconhecido
Passaram uns por cento de Joanesburgo e logo ali vimos um morto no meio da rua. Pronto, Eu e o António Mateus tem uma experiência fantástica também. E aí é preciso lá estar. Estar em grupo também para para nos protegermos uns aos outros, para. Pronto, eu não posso falar mais, porque agora voltei para falar como repórter. Não estou a falar há 30 anos.
00:37:54:22 – 00:38:18:14
Desconhecido
Sim, mas essa é a tua experiência por tudo, pois transformas a experiência, transportasse nos a todos, a mim, nós. O que é que nos está a ouvir para essa rua de Sarajevo, onde o velho ouve a bala zunir na. A tua sensação do medo. Por outro lado, o contraste com quase o mundo do Kusturica, das mulheres muito belas, de vermelho, de lábios pintados de vermelho.
00:38:18:16 – 00:38:53:17
Desconhecido
Ah, isso, essa é escrita. E tu consegues pegar nessas ideias, nessas impressões, nessas percepções e levá la para uma página de um livro ou de uma crônica. E isso é esse é o trabalho. O mister é o meu ofício do escritor, é esse é um trabalho e daí é difícil fazer, mas também fazer uns sapatos bem feitos. O sapateiro também saberá aquele que às vezes é difícil, ou partir a pedra, mas dificilmente dizer pedra ou outro exemplo.
00:38:53:18 – 00:39:16:00
Desconhecido
Eu gosto de um escritor. Ele é como um mecânico de aviões. Tem que tem que tem que arranjar as que têm que fazer bem feito, porque o mecânico de motores de avião não for, não for profissional. Temos um grande problema. Mais vale umas linhas mal escritas do que o mecânico dos aviões a olhar. Não sei. Às vezes as linhas mal mal escritas dão cabo do mundo.
00:39:16:02 – 00:39:43:20
Desconhecido
Pesam as palavras, sim, as palavras. Tudo o que acontece no mundo passa por uma linguagem e explica me isso tudo. Tudo tem que ser transmitido por linguagem. Até até hoje, os sinais eletrónicos têm que ter, por assim dizer, uma linguagem por trás. Portanto, teve uma ideia a matemática tem que ser expressada também, como com palavras também tem que ser.
00:39:43:21 – 00:40:12:12
Desconhecido
Mas isso tem o muito belo que é. Tu podes usar a palavra para para unir, para estimular, para para ser maior do que ou pelo contrário, tu podes usar a palavra para envenenar. Então não. Então, se for a mentira é então quando a mentira ganha o mesmo valor da verdade, quando tentam convencer disso, estamos sempre à beira da desgraça.
00:40:12:12 – 00:40:48:20
Desconhecido
Grande parte das desgraças da humanidade foi baseada em boatos e informações falsas. Isso, isso agora é mais fácil de fazer. Por exemplo, esta história toda de perfeita podem pôr na minha tia, fazer com a nossa voz, com a nossa imagem. Nós quer dizer qualquer coisa e muito rapidamente, se queremos. E isto, esta salada de já não sabemos distinguir se se ensinam, mas quando se mete suspeita, quando se metesse veneno, quando quando se muda a narrativa.
00:40:48:22 – 00:41:26:08
Desconhecido
Eu acho que o Donald Trump é especialista nisso. Não é transformar um ataque anti-democrático numa festa de liberdade como foi no Capitólio e depois ter os poderes todos para para mudar tudo e para anular sentenças criminais. O que é? O que nos faz a nós, supostamente pessoas, avisar das embarcar nessas coisas, acreditar em histórias mirabolantes? Eu vou pensar num exemplo que é muito mais prosaico do que do que a grande política, os os, os futebóis da vida, os Benfica-Sporting.
00:41:26:08 – 00:41:54:23
Desconhecido
E que coisas tão simples e objetivas como foi penálti ou não foi. Subitamente, nós temos dois grupos de pessoas que, por sinal, vestem umas camisolas de cores diferentes. Advogar em sobre opinarem sobre um facto que claro e óbvio, da mesma maneira, apaixonada e acreditando, é a sua visão do mundo é mais verdadeira que do outro. Ao invés de haver uma espécie de conciliação dos factos e das percepções.
00:41:54:23 – 00:42:18:15
Desconhecido
E eu ainda acredito que no futebol eu sou adepto do Benfica. Via a tese de uma coisa bonita que estive naquele jogo em que o Simão Sabrosa e o Miccoli meteram dois golos no Liverpool e na festa que foi a seguir. Eu estava lá e até me lembro muito bem do momento salomónica em que havia dois benfiquistas a lutar pela camisola do Mikado.
00:42:18:15 – 00:42:43:03
Desconhecido
Enfim, é a minha mini, a minha e à minha frente um dizia Vamos, vamos cortá lo ao meio e o outro diz Nunca! Não. Eu costumo utilizar este exemplo como da dignidade benfiquista, mas por outro lado, também saí do Benfica quando quando um canalha que está aí na política é só falar em nome do Benfica e tu chateares te.
00:42:43:09 – 00:43:05:10
Desconhecido
E assim é. Mas continuas a ser benfiquista. Enfim, Klaxon, Klaxon. Mas reconheço que é difícil, mas estamos ainda no mundo do futebol, pois o problema é quando isso se transforma na política ou na sociedade. Quer dizer, no futebol acho que temos de ter uma certa liberdade para o fanatismo, não é? Porque, enfim, é uma espécie de panela de pressão.
00:43:05:12 – 00:43:34:20
Desconhecido
Nós olhamos umas para as redes sociais, para a maneira como tudo estamos a consumir, formação para para o descrédito das instituições. E isto parece muito imprevisível. Podemos, não sei se a expressão se essa palavra é certa e tão imprevisível que eu já disse lá em casa a minha mulher, a Inês e já disse outras pessoas que estou disposto a ter uma vida mais saudável nos próximos 20 anos, porque quero mesmo ver o que é que vai acontecer, porque neste momento não sabemos nada do que vai acontecer.
00:43:34:20 – 00:44:05:24
Desconhecido
Estamos a assistir uma revolução com a inteligência artificial e com a captação pela os fascistas. Para simplificar, A questão é que nós estamos lá dentro. A realidade nós estamos cá dentro, mas do desporto. Enfim, eu lá vou dizer uma coisa um bocado exagerado, mas sim, estou disposto a dar a vida pela liberdade, porque se a liberdade é uma chatice, as pessoas abdicam facilmente da liberdade por dinheiro.
00:44:06:01 – 00:44:32:17
Desconhecido
Ou por puta pela vidinha. Mas. Mas enfim, acho que faz parte, se é que, se é que hoje o escritor serve para uma coisa, acho que faz pelo menos parte da ideia de que deve lutar por alguma coisa e as crianças precisam de histórias. Portanto, há um lado, precisam sempre de histórias narrativas, Por isso estão sempre a pedir a noite, contam uma história, contam uma história.
00:44:32:17 – 00:45:05:05
Desconhecido
Preciso que aquilo. E isto é essencial. É isto que faz de nós, humanos e, portanto, tendo entrado nesse mundo em que conto histórias para simplificar, não acho que tudo seja simplesmente contar histórias. É muito a forma como se conta, a forma como se olha para o mundo, a forma como falamos do que nos acontece, do que vemos à nossa volta, mas também a forma como criamos a partir daí, coisas novas que não existiam e é uma delas.
00:45:05:05 – 00:45:33:02
Desconhecido
É, na minha opinião, é que eu costumo definir o que é que é uma coisa literária, literária, sempre no bom sentido. E aquilo é um poema, um romance, uma crónica. Porque não? Nós começamos a ler e quando acabamos estamos transformados noutra coisa. Às vezes não dura muito, mas estamos transformados noutra coisa maior. Uma coisa que nos mudou e uma epifania, um vislumbre nos epifania.
00:45:33:02 – 00:45:59:08
Desconhecido
E se é um pequeno grande religioso grandioso, Mas sim, é qualquer coisa que todos nós passamos por isso. Aquele ali, aquele livro, mudou, aquele aquele filme mudou me, fez me melhor. Ou aquele filme foi de tal modo tremendo que alterou para pior? A perceção que eu tinha disto e daquilo, portanto, que são coisas que alteram e é assim que vale a pena.
00:45:59:11 – 00:46:23:14
Desconhecido
Não vale a pena andarmos a gastar, matar árvores. Olha para fechamos o que importa, O que é que? O que é que importa para os próximos tempos? O que importa é saber se a Europa vai estar a altura de viver sozinha. Já se percebeu que vai ter que ser assim e se está disposta e pronta, tem. Eu tenho as minhas dúvidas.
00:46:23:14 – 00:47:00:03
Desconhecido
Infelizmente, a lutar pela democracia, os direitos humanos, pela não imposição da lei do mais forte, pelo Estado social, pela educação mais gratuita que for possível para todos, enfim, essa indefinição. Já foram lutas e lutas e lutas e anos e séculos de aristocratas, no fundo, a explorar os outros, mas também do outro lado de nós, mas epifanias que levaram a ideias que se transformaram em violência, porque não vale tudo.
00:47:00:05 – 00:47:17:11
Desconhecido
Eu estou a falar, por exemplo, que o regime de Estaline não é que a Trindade tipos que na verdade se projetam quando olham para um facínora como é o Putin daquilo, isso eu não consigo entender. Não, não consigo e portanto, quero estar aqui.
00:47:17:13 – 00:51:03:14
Desconhecido
Nessa luta para contar a história, para contar a história e para ver o que acontece. E depois, se me derem meios, se poder contar e transformar em qualquer coisa de útil. Ricardo Martins Muito obrigado. Obrigado, Jorge. Estamos ok. Estamos ok. Está.