Como contar histórias que realmente importam? Rui Cardoso Martins

Como contar histórias que realmente importam? Rui Cardoso Martins
Apple PodcastsSpotifyYouTubeNRC AudioRSSSwoot
Ouvir no telemóvel

Um escritor que foi jornalista. Um romancista que é argumentista.

Um grande repórter que nos ofereceu frescos de impressões do cerco de Saraievo ou na missão de paz num barco até Timor.

Rui Cardoso Martins, autor dr uma escrita única, de célebres crónicas judiciais onde se retrata a nossa sociedade e, não menos importante criador de frases como “penso eu de que” dita pela personagem do Contrainformação que representava o mais mítico dos presidentes de clubes de futebol portugueses.

Esta edição está carregada de boas histórias. Aquelas histórias onde se responde à pergunta “Afinal o que está em causa aqui?

Há conversas que nos fazem viajar no tempo, atravessar fronteiras e mergulhar em mundos que, à primeira vista, parecem distantes. A entrevista com Rui Cardoso Martins é uma dessas viagens.

Ele é um contador de histórias nato. Seja na literatura, no jornalismo ou no humor, a sua escrita é um jogo constante entre a ironia e a profundidade, entre o detalhe do quotidiano e o impacto dos grandes acontecimentos da história recente. É um dos poucos escritores portugueses que transita com naturalidade entre registos tão diferentes como o romance, a crónica, o argumento de cinema e a televisão.

Nesta conversa, percorremos a sua trajetória desde os primeiros passos no jornalismo, passando pela experiência como repórter internacional em cenários de guerra, até ao seu impacto no humor português e na literatura contemporânea.

Uma Vida Entre a Palavra e o Mundo

Rui Cardoso Martins começou no jornalismo nos anos 90, num momento de transformação da imprensa em Portugal. Foi um dos repórteres fundadores do jornal Público, onde aprendeu o ofício na escola dura das redações, entre máquinas de escrever, cigarros acesos e chefes de redação que gritavam ordens por cima das secretárias.

Foi no Público que começou a construir uma assinatura própria, com uma escrita que misturava rigor e criatividade. Depressa percebeu que a notícia não era só uma questão de factos, mas também de como os factos eram contados. Ao longo dos anos, aprimorou um estilo que tornaria inconfundível: um olhar atento para o detalhe humano, uma ironia afiada e uma capacidade rara de transformar o banal em extraordinário.

Mas o jornalismo não o manteve somente nas redações. Desde cedo, partiu para o terreno e viu de perto acontecimentos que moldaram a história recente. Esteve no cerco de Saraievo, testemunhou o medo e a fome de uma cidade destruída pela guerra. Acompanhou as primeiras eleições livres na África do Sul, um momento que simbolizou o fim do ‘apartheid’ e o nascimento de uma nova democracia. E embarcou no Lusitânia Expresso, a missão de solidariedade que tentou furar o bloqueio a Timor-Leste.

O contacto com a guerra, a violência e a injustiça foram marcantes. Mas talvez o mais impressionante seja a forma como nunca perdeu o sentido crítico nem a capacidade de encontrar humanidade mesmo nas situações mais brutais.

O Humor Como Arma e o Impacto na Televisão

Se o jornalismo lhe deu o rigor e o olhar clínico sobre a realidade, o humor deu-lhe uma outra ferramenta poderosa: a sátira. Rui Cardoso Martins foi um dos criadores de Contra-Informação, o programa que, durante anos, disse coisas que mais ninguém ousava dizer sobre a política portuguesa.

Foi também um dos argumentistas de Herman Enciclopédia e ajudou a criar personagens e frases que se tornaram parte da cultura popular. Para muitos, o humor político em Portugal nunca foi tão ácido e certeiro como nessa altura.

A televisão deu-lhe outro tipo de notoriedade e permitiu-lhe explorar um registo diferente. Mas, para Rui, a sátira nunca foi somente entretenimento. Sempre foi uma forma de resistência, de expor as contradições do poder e de obrigar o público a pensar.

A Literatura e o Olhar para a Vida Real

A dada altura, a escrita tornou-se o seu grande território. Primeiro com as crónicas judiciais Levante-se o Réu, onde transformou julgamentos banais em relatos literários que mostravam o melhor e o pior da natureza humana. Depois, com os romances que lhe valeram prémios e reconhecimento.

Os seus livros refletem muito do que viveu como jornalista e cronista. Há um olhar atento para as relações humanas, um sentido de humor que surge sempre nos momentos mais inesperados e uma capacidade de transformar pequenos gestos e diálogos em grandes histórias.

É um escritor que procura sempre responder à mesma pergunta: “O que está em causa aqui?” Seja no tribunal, num cenário de guerra ou numa conversa de café, há sempre algo que merece ser contado.

O Presente e o Futuro da Palavra

Num mundo onde a informação circula a uma velocidade alucinante e onde a verdade se torna, muitas vezes, uma questão de opinião, Rui Cardoso Martins mantém-se fiel a uma ideia simples: as palavras importam.

Acredita que a escrita pode ser um escudo, uma arma e um testemunho. E que, se há algo pelo qual vale a pena lutar, é pela liberdade de contar histórias.

Agora, é tempo de ouvirmos a dele.

Ele é um contador de histórias nato. Seja na literatura, no jornalismo ou no humor, a sua escrita é um jogo constante entre a ironia e a profundidade, entre o detalhe do quotidiano e o impacto dos grandes acontecimentos da história recente. A língua portuguesa é a sua ferramenta e o seu território.

Nascido em 1967, em Portalegre, Rui Cardoso Martins é escritor, cronista, argumentista, dramaturgo e jornalista. Foi um dos repórteres fundadores do jornal Público, onde se destacou como repórter internacional e cronista, cobrindo a guerra da Bósnia, o cerco de Sarajevo, as eleições na África do Sul e a missão Paz em Timor. Vencedor de dois Prémios Gazeta, continua a escrever crónicas para o Jornal de Notícias.

Na literatura, é autor de vários romances premiados, incluindo E Se Eu Gostasse Muito de Morrer (2006) e Deixem Passar o Homem Invisível (2009, Grande Prémio de Romance e Novela APE). Escreveu também Levante-se o Réu, um retrato mordaz da justiça portuguesa, e publicou crónicas e contos traduzidos internacionalmente.

No cinema e na televisão, destacou-se como argumentista, sendo co-autor do filme A Herdade (2019), candidato ao Leão de Ouro e Melhor Argumento no Festival de Veneza, e das séries Sul, Causa Própria e Matilha, que marcaram a ficção policial em Portugal.

Foi um dos criadores do Contra-Informação, ajudou a moldar o humor televisivo em Portugal com Herman Enciclopédia e Conversa da Treta e deixou frases na cultura popular, como o célebre “Penso eu de que…”.

Atualmente, divide-se entre a escrita e o ensino. É professor convidado na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Lusófona, onde leciona escrita criativa e artes da escrita.

LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *