Hoje subimos ao palco.
Para ter o sabor do que se sente em frente a um público.
É provavelmente dos exercícios mais difíceis em comunicação.
Temos uma mensagem, temos uma forma de mostrar essa mensagem e um público que, ao mesmo tempo, é ávido e exigente.
TÓPICOS
00:00:12 – A arte da comunicação no teatro
Introdução do tema do episódio, destacando a importância da comunicação no teatro.
00:01:42 – A experiência de Cláudia Semedo como atriz
Cláudia Semedo fala sobre a sua experiência a trabalhar com dobragens e teatro.
00:03:03 – O processo de dobragem e o trabalho de concentração
Cláudia Semedo explica como funciona o processo de dobragem, incluindo a sincronização da voz com as bocas das personagens e a necessidade de concentração durante o trabalho.
00:07:13 – O processo criativo de Cláudia Semedo
Cláudia Semedo fala sobre o seu processo criativo como atriz, encenadora e apresentadora, destacando a importância da observação do mundo e da reinvenção constante na arte.
00:09:29 – A inquietação social de Cláudia Semedo
Cláudia Semedo menciona a sua peça “Zé Alguém”, que aborda a realidade dos sem-abrigo, e discute a crise habitacional e a falta de solidariedade na sociedade.
00:11:55 – A necessidade de pragmatismo e defesa
Cláudia Semedo argumenta que a dessensibilização social é uma forma de sobrevivência e defesa perante as injustiças e problemas estruturais do país, destacando a competição e a educação como fatores que contribuem para essa mentalidade individualista.
00:12:59 – A importância da educação para a criatividade
Neste trecho, a palestrante fala sobre a necessidade de uma educação que estimule a criatividade e o pensamento crítico.
00:14:06 – O medo do outro e o racismo
Nesta parte, discute-se o aumento do racismo e da xenofobia na sociedade, bem como a incompreensão do outro e o medo do desconhecido.
00:17:08 – A presença do racismo na sociedade
Neste momento, a palestrante aborda a presença do racismo estrutural na sociedade, destacando a marca da escravidão e da colonização.
00:20:10 – A experiência no programa de televisão
Cláudia Semedo fala sobre a sua participação num programa de televisão de culinária e como foi uma experiência intensa e emocionalmente impactante.
00:22:20 – A paixão pela culinária
Cláudia revela o seu amor pela culinária e como gostaria de ter estudado cozinha na escola de hotelaria, destacando a importância dos alimentos para a saúde.
00:23:39 – Lidando com o fracasso
Cláudia discute a sua postura relativamente ao fracasso, enfatizando que vê as experiências como processos e não como sucessos ou fracassos.
00:25:29 – A experiência de dobragem e teatro
Cláudia Semedo fala sobre a sua experiência a trabalhar com dobragem de desenhos animados e atuação no palco.
00:26:01 – A criação da receita de nuvem de ovo
Cláudia Semedo explica como inventou a receita de nuvem de ovo e os desafios que enfrentou durante o processo.
00:28:37 – A decisão de sair de um programa de culinária
Cláudia Semedo fala sobre a sua decisão de sair de um programa de culinária e os motivos que a levaram a tomar essa decisão.
00:31:49 – A decisão difícil
Os palestrantes discutem um dilema difícil de resolver sobre a agenda de espetáculos e gravações de um programa.
00:32:59 – Sentimentos no palco
Cláudia Semedo fala sobre as suas diferentes experiências e emoções ao atuar no palco.
00:36:17 – Personagens desafiadoras
Os palestrantes discutem a importância de atores saírem da sua zona de conforto e interpretarem personagens que são diferentes da sua personalidade.
00:37:07 – O trabalho de dobragem e teatro
Cláudia Semedo fala sobre sair da zona de conforto na dobragem e teatro, explorando personagens diferentes.
00:37:27 – A direção no teatro
Discussão sobre a direção no teatro e como vai além de apenas ler o texto, envolvendo modulação e estímulos diferentes.
00:39:11 – Os desafios das mulheres no teatro
Cláudia Semedo fala sobre a dificuldade das mulheres em conseguir espaço e poder no teatro, destacando a luta pela equidade nos círculos de poder.
00:43:18 – A importância da comunidade no teatro
Cláudia Semedo fala sobre a estrutura de uma companhia de teatro como uma casa e uma família que adora criar.
00:43:49 – A importância de discutir e discordar
Cláudia Semedo defende a importância de discutir e discordar, enfatizando que cada pessoa tem a sua própria subjetividade e experiência.
00:45:03 – A importância de ouvir e entender diferentes perspetivas
Cláudia Semedo destaca a importância de estarmos abertos a ouvir e entender de que lugar outra pessoa está a falar, valorizando as diferentes perspetivas
.
Os actores sentem todos os dias esse desejo de comunicar bem, de fazer sentir emoções e de ser julgados a todo o momento.
A arte do entretenimento só funciona verdadeiramente pelo reconhecimento do público.
E nesse processo de entregar emoções através do gesto e da palavra, cada actor entrega-se totalmente. O que significa prazer e nervos.
Num exercício de alma, corpo e voz.
A voz pode contar grandes histórias.
Pela entoação. Pelas pausas.
Pelo ritmo das palavras.
Juntamos-lhe o movimento do corpo, do gesto, do olhar.
Colocamos uma pitada de respiração suspensa ou suspiro profundo.
E usamos como base deste prato a proteína principal das emoções: o riso e o choro.
Depois basta, e o basta não é pouco, basta subir ao palco e criar a magia que hipnotiza o público.
Aquela magia que nos faz esquecer a pessoa atriz e nos mete, de cabeça, na pessoa personagem.
E tudo acontece.
Rimos e choramos. Às vezes numa mistura sem fronteiras.
Como quando choramos a rir. Ou dos rimos dos nervos.
Proponho que subamos ao palco com a atriz Cláudia Semedo.
E sigamos a sua voz.
A voz que dobra a fala de personagens de desenhos animados.
A voz em que é um pirilampo numa peça de teatro.
A voz que aceitou fazer enquanto concorrente na cozinha do chefe Lubomir.
Mas esta voz vai beber fundo para nos oferecer um menu de emoções.
Da maneira como observa o mundo. Como se inquieta com as nossas disfunções sociais. Ora as pessoas sem abrigo, ora as mulheres que deixam escapar a bandeira de um mundo mais equilibrado e diverso.
Este palco é muito grande. Não fiquem só aí na plateia.
Subam. É a vossa vez. Querem fazer um boneco animado ou uma pessoa real?
TRANSCRIÇÃO AUTOMÁTICA
JORGE CORREIA (00:00:12) – Ora vivaM! Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso Podcasts sobre Comunicação. Hoje vamos subir ao palco e ter o sabor que apenas se sente em frente a um público ao vivo e em directo. É provavelmente dos exercícios mais difíceis em comunicação, porque nós temos uma mensagem, temos uma forma de mostrar essa mensagem e um público que está ali mesmo à nossa frente, ávido e exigente. Os atores sentem todos os dias este desejo de comunicar bem e de ser bem entendidos, de fazer sentir emoções e de ser julgados a todo o momento. A arte do entretenimento só funciona verdadeiramente pelo reconhecimento do público. E nesse processo de entregar emoções através do gesto e da palavra, cada ator entrega se de corpo e alma, o que significa prazer e uma carga de nervos. E sobre tudo isto, esta edição com a atriz e encenadora Cláudia Semedo. A voz pode contar grandes histórias pela entoação, pelas pausas, pelo ritmo das palavras. Juntamos lhe o movimento do corpo, os gestos, o olhar e colocamos uma pitada de respiração suspensa ou de suspiro profundo, e usamos como base deste prato a proteína principal das emoções o riso e o choro.
JORGE CORREIA (00:01:42) – Depois basta e o basta não é pouco. Basta subir ao palco e criar a magia que hipnotiza o público. Aquela magia que nos faz esquecer a pessoa, a atriz e nos mete de cabeça na pessoa personagem. E tudo acontece. Rimos e choramos. Às vezes uma mistura sem fronteiras quando choramos a rir ou quando nos rimos dos nervos. Proponho que subamos ao palco com a actriz Cláudia Semedo e sigamos a sua voz, a voz que dobra, a fala de personagens de desenhos animados, a voz que é um pirilampo, por exemplo, uma peça de teatro, a voz que aceitou fazer enquanto concorrente na cozinha do chefe Lobo Amir. Mas é esta voz que vai, afinal, beber fundo para nos oferecer um menu de emoções da maneira como ela observa o mundo, da maneira como se inquieta com as nossas disfunções sociais. Ora as pessoas sem abrigo, ora mulheres que deixam escapar a bandeira de um mundo mais equilibrado e diverso. Este palco é muito grande, já perceberam? Não fiquem só ali na plateia. Subam, subam! É a vossa vez.
JORGE CORREIA (00:02:50) – Querem fazer um boneco animado ou uma pessoa real? Viva Cláudia Semedo! Diretamente dos desenhos animados para o.
CLÁUDIA SEMEDO (00:03:00) – Blog de estúdios para um podcast.
JORGE CORREIA (00:03:03) – Ainda faço desenhos animados.
CLÁUDIA SEMEDO (00:03:05) – Faço, faço muitas dobragens, faço muitas locuções, trabalho muito com a voz e bem, como atriz, trabalho muito com a voz, mesmo em palco, mas também trabalho com a voz nesta dinâmica de estúdio e de ser só a voz e não a imagem. Sim, como é que se sincroniza aquilo?
JORGE CORREIA (00:03:20) – Tem essa curiosidade. Tu estás a falar, estás a ver os bonequinhos e estás a. Sim, tens algum som na orelha?
CLÁUDIA SEMEDO (00:03:26) – Tenho, tenho. Tenho a referência americana, francesa, espanhola. Qualquer que seja a língua que estejamos a dobrar, é a origem dos dos desenhos. E depois, com muita atenção e concentração, porque temos de olhar para o texto, olhar para o time code, olhar para as bocas da personagem. E é assim um trabalho muito de concentração.
JORGE CORREIA (00:03:48) – Isso é tudo um exercício.
CLÁUDIA SEMEDO (00:03:49) – É todo um exercício. E depois temos os diretores, os diretores de dobragem que estão connosco e com e com o técnico que está a gravar, que estão super atentos também e que nos vão dando indicações e ajudam e com os tempos, com tudo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:04:01) – Mas é um trabalho de muita, de muito que exige muita concentração, porque nós não temos acesso aos textos antes, Não é porque é tudo muito sigiloso e são episódios que ainda não está claro.
JORGE CORREIA (00:04:11) – Mas tu quando chegas e ainda não tens o texto no treino.
CLÁUDIA SEMEDO (00:04:15) – Muitas vezes nem sei que filme é que e quando. É o caso dos filmes da Disney da Marvel, nós não temos acesso, não é? É tudo muito sigiloso porque imaginou que seria uma vazasse, claro, se vazasse informação sobre qual é a nova história. Qual é? Tudo muito sigiloso.
JORGE CORREIA (00:04:31) – Mas isso é curioso porque tu. No teu trabalho de atriz.
CLÁUDIA SEMEDO (00:04:35) – A preparação é a chave.
JORGE CORREIA (00:04:37) – Claro, ler o texto, perceber onde é que, onde é que se respira, onde é que giro.
CLÁUDIA SEMEDO (00:04:42) – O giro disto tudo é que há várias formas de se trabalhar e trabalha se ferramentas diferentes consoante o trabalho que estamos a fazer. Porque representar em televisão é uma coisa, representar em teatro é outra coisa. Representar nas dobragens é uma terceira e isso é muito interessante.
CLÁUDIA SEMEDO (00:05:01) – Depois também tens o apoio de Eu estou sempre a ouvir a voz original.
JORGE CORREIA (00:05:04) – Não é estátua que data métrica dá te o tom.
CLÁUDIA SEMEDO (00:05:08) – Isso dá me o tom, dá uma intensidade, dá uma emoção que ajuda imenso, que ajuda imenso termos. Não diria que é um trabalho de cópia, porque não é de todo porque nós acrescentamos, claro. E mesmo na tradução é diferente. Uma emoção é diferente em espanhol ou em português temos formas de expressar diferentes. Não é um trabalho de cópia, mas aquele, aquela base, aquele trabalho já já entregue, já que tu, que tu, que te entra pelos ouvidos, ajuda, ajuda bastante e tu é tudo.
JORGE CORREIA (00:05:38) – Olho quando olhas para, para um personagem, para um, para um boneco. São bonecos ou são pessoas?
CLÁUDIA SEMEDO (00:05:42) – As faces, as duas coisas? Figura real e queres algum? Adoro bonecos, os bonecos gosto mais de bonecos porque o trabalho pode voar um bocadinho mais, não é? Na figura humana. A boca tem de bater mesmo muito, muito certinha.
CLÁUDIA SEMEDO (00:05:57) – E há um desenhar que é um desenhar natural humano. Não é? Nos desenhos animados, não é um bocadinho.
JORGE CORREIA (00:06:04) – Podem fazer um esgar e tu consegues para dizer mas.
CLÁUDIA SEMEDO (00:06:06) – Tu consegues naquela boca de boneco que dá para caber um bocadinho mais de criatividade, diria.
JORGE CORREIA (00:06:12) – Olhe como é que tu constróis tudo. Depois tens a liberdade criativa para tu construíres a tua personagem.
CLÁUDIA SEMEDO (00:06:18) – Nas dobragens não há tempo para isso. Não há tempo para isso. Seguimos as. Indicações visuais e auditivas que temos, não é? E colocamo nos a esse trabalho. Não podemos, de repente, transformar a personagem noutra coisa.
JORGE CORREIA (00:06:31) – É uma fábrica.
CLÁUDIA SEMEDO (00:06:33) – Depende da forma como se encare. Mas pode ser uma fábrica, claro, pode ser uma fábrica.
JORGE CORREIA (00:06:40) – Olha, já agora, a propósito das dobragens e dos desenhos animados, aí tu tens o teu público, provavelmente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:06:46) – Eu acho que tudo um bocadinho é um bocadinho de fábrica na sociedade actual, não é? E eu acho que tens essa sensação. Tenho, tenho. Acho que tudo tendo para ser uma fábrica.
CLÁUDIA SEMEDO (00:06:54) – Estamos numa. Numa época em que tudo tem de ser vendável, tudo tem de ser para para muita gente, muitos números, muitos seguidores, muito. Acho que vivemos muito nesse ramerrame do para fora. Há uma.
JORGE CORREIA (00:07:05) – Fosse uma espécie de há.
CLÁUDIA SEMEDO (00:07:07) – Muito, muito, em todas as áreas, em todas as áreas. Sinto que há, que há muito isso em todas as áreas. Então é como.
JORGE CORREIA (00:07:13) – É. Como é que uma criativa como tu, como é que é o teu processo criativo? Como é que.
CLÁUDIA SEMEDO (00:07:17) – É o meu processo criativo? Depende em que? A fazer o quê? Como atriz? Como encenadora? Como apresentadora? É que eu, felizmente, trabalho com criatividade. Há muitos níveis na minha vida e.
JORGE CORREIA (00:07:31) – Os processos são sempre diferentes.
CLÁUDIA SEMEDO (00:07:33) – São sempre diferentes, sempre diferentes. E eu acho que é isso que que é encantador e delicioso na arte. E porque estás sempre a reinventar, estás te sempre a reinventar, estás sempre a descobrir novas formas de fazer, estás sempre em contacto com temas diferentes, Estás sempre.
CLÁUDIA SEMEDO (00:07:50) – Eu parto muito a uma base. Eu parto muito da observação do mundo. Há um lugar de observação do mundo que me interessa muito na arte que eu escolho fazer isso em concreto. E o que isso em concreto? E eu, quando tenho o poder de criar, é enquanto encenadora e enquanto diretora de um teatro. Eu parto sempre do que me inquieta. Normalmente não sou. Não sou de todo. Não tenho esse perfil de ser a pessoa que vai buscar o clássico, aquele texto já conhecido.
JORGE CORREIA (00:08:23) – Vamos lá buscar o Shakespeare desta vida que é para interpretar.
CLÁUDIA SEMEDO (00:08:26) – Adoro, Adoro que me convidem para fazer. Mas quando eu tenho o poder da criação desde o início, eu gosto muito de observar aquilo que me inquieta, mergulhar nessa realidade, criar a partir da realidade e depois transpor para o palco. E o que é que mais me interessa? Posso dizer o que é que já me inquietou, que me continua a inquietar porque não está de todo resolvido e até tem se vindo a agravar bastante. Mas o meu primeiro trabalho enquanto encenadora, nesta lógica de uma ideia original, é conceber desde o início todo, todo o objecto artístico.
CLÁUDIA SEMEDO (00:09:02) – A minha primeira peças chama se Zé Alguém e é a história de um sem abrigo. Inquieta me muito esta coisa de haver pessoas que não têm. Não têm outra possibilidade que não a rua para dormir. Inquieta me muito e neste momento isto foi em 2020. Mas neste momento eu acho que a crise habitacional trouxe piora a muita. Há muita gente na rua.
JORGE CORREIA (00:09:29) – Consegues perceber o fenómeno de como é que num país rico que somos nós.
CLÁUDIA SEMEDO (00:09:35) – Conseguimos ser irónicos.
JORGE CORREIA (00:09:36) – A sério, Não? Eu acho que nós somos um país rico. Quer dizer, de vez em quando.
CLÁUDIA SEMEDO (00:09:39) – Rico em que?
JORGE CORREIA (00:09:40) – Rico economicamente, Em termos de dinheiro, somos um país rico. Se nós olhamos para a escala do mundo, não é? Quer dizer, nós comparamos sempre com os muito ricos e dizemos Ah, em relação à Alemanha ou a França. Sim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:09:49) – Mas temos muita gente pobre, não é certo. Há muita gente pobre em Portugal.
JORGE CORREIA (00:09:53) – Mas não é estranho que há quase uma cegueira de não solidariedade? Não é porque o número de recursos era suficiente para garantir que ninguém tivesse fome, que ninguém estivesse na rua.
CLÁUDIA SEMEDO (00:10:05) – Sim, sim. Mas eu acho, Eu acho honestamente, que a ambição e o poder é sempre muito desmedido, não é? E a mim custa me muito. Custa me muito. Como é que de repente temos dinheiro para tanta coisa e para estas coisas essenciais que são dar condições dignas de vida a todas as pessoas?
JORGE CORREIA (00:10:24) – Achas que é dinheiro ou é uma espécie de apatia social?
CLÁUDIA SEMEDO (00:10:28) – Acho que é dinheiro, porque não é. Porque eu e tu não nos preocupamos com isso, que não é o caso. Não é que até nos preocupamos, mas não é porque no individual alguém não se preocupa que as coisas não acontecem. Porque eu acho que a solidariedade é uma coisa muito bonita. Mas há coisas que é o Estado que tem de garantir. É que se nessa esfera as coisas não estão a ser discutidas, não podemos depois querer que sejam as pessoas a comprar um pão e a dar a alguém com quem se cruzem na rua ou a garantir condições. Quer dizer, isto tem de ser uma medida que vem de uma estrutura estatal que penso nessa questão social, não é?
JORGE CORREIA (00:11:06) – Eu estava a pensar até na quase, naquele fenómeno de dessensibilização que é tu um dia passas pelo sem abrigo e fica chocado.
CLÁUDIA SEMEDO (00:11:14) – Sim, no.
JORGE CORREIA (00:11:15) – Segundo dia ficas um bocadinho menos chocado. No terceiro dia passou a ser normal e no quarto dia olhas para o lado. Sim, isto não tem a ver com dinheiro.
CLÁUDIA SEMEDO (00:11:27) – Não, isto não tem a ver com dinheiro. Isto, Isso tem a ver com, acho eu. Eu estou a tentar contrariar esta minha forma de estar dogmática. Fita. Mas acho que isso tem se tem que ver com a nossa necessidade de sobrevivência. Se tu vivesses todos os dias inquieto por tudo o que está errado, eu acho que nós facilmente ficaríamos todos loucos. Sim, facilmente ficaríamos todos.
JORGE CORREIA (00:11:55) – Portanto, defendermos é uma espécie de pragmatismo para.
CLÁUDIA SEMEDO (00:11:57) – Conseguir uma defesa, um mecanismo de defesa, porque senão não sobrevive, não é, senão não sobrevive. Está sempre a correr atrás de um prejuízo gigante que é a estrutura social do teu país. Mesmo um país que teria tudo para ser um país onde toda a gente vivesse relativamente bem. Mas eu acho que é que é uma estrutura mental. Eu acho que há uma ambição grande, há uma educação grande para a competição, há esta coisa de termos de ser o melhor, não de termos de ser melhores e termos de ser o melhor.
CLÁUDIA SEMEDO (00:12:29) – Isso irrita muito, muito, muito, muito. Eu acho que a educação está toda errada. Está toda a forma como nós educamos os ideais que nós, que nós plantamos nas crianças. Acho que está tudo muito errado.
JORGE CORREIA (00:12:40) – Tiraste notas? Conseguiste marcar mais um golo no futebol? Sim, foste o melhor do jogo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:12:45) – Sim, e há sempre essa coisa do é o desenho mais bonito, é a pessoa mais bonita e é tudo o mais, o mais, o melhor, o o e depois. Isso resulta numa sociedade muito individualista.
JORGE CORREIA (00:12:57) – Eu acho. Como é que podemos mudar esta coisa?
CLÁUDIA SEMEDO (00:12:59) – Podíamos mudar essa coisa mudando um bocadinho os nossos valores, eu acho. Eu acho que uma educação bem feita não é. E partilhando o peso da educação formal e da não formal, e da parentalidade e tudo mais, devia ser uma educação para coisas tão simples e complexas, complexas quanto a criatividade. Educar para a criatividade, educar para a educação, educar para a cooperação, educar para o pensamento crítico, educar para a partilha.
CLÁUDIA SEMEDO (00:13:28) – Acho que teria de ser por aí e.
JORGE CORREIA (00:13:31) – Para fazermos parte de, ao invés de sermos o educar.
CLÁUDIA SEMEDO (00:13:34) – Para nos conhecermos e para percebermos que o outro somos nós com outras circunstâncias. E as coisas são tão voláteis e a vida é tão rápida a mudar que efetivamente o outro seremos sempre nós. E se nós não entendermos isto, acho que acho que as coisas vão continuar a correr mal.
JORGE CORREIA (00:13:55) – Olha, eu estou a ouvir te e tu estavas a falar do conceito do outro Que que me interessa numa sociedade onde, me parece estou a ser optimista? Me parece.
CLÁUDIA SEMEDO (00:14:04) – Sim.
JORGE CORREIA (00:14:06) – Que os fenómenos de racismo e xenofobia sim, estão a crescer e estão a tornar se. Não sei, Não sei se estão a crescer, se estão a dar à costa, se estão a florescer.
CLÁUDIA SEMEDO (00:14:16) – Se estão a perder a vergonha. E não diria que estão a perder um bocadinho a vergonha. Sim, mas eu acho que Portugal não é diferente. Não é o mundo. A Europa, América está cada vez mais radical nesse sentido. Não é o.
JORGE CORREIA (00:14:28) – Medo do outro ou a incompreensão do outro.
CLÁUDIA SEMEDO (00:14:31) – É tudo. É o medo do outro, a incompreensão do outro e o medo de nós próprios. É o medo do desconhecido. Porque como estamos tão preocupados em sermos o melhor, tudo o resto é concorrência. E então, se a concorrência for fora da tribo, piora um pouco, não é?
JORGE CORREIA (00:14:48) – Se tu tens uma cor de pele diferente, se tu falas uma língua diferente, tu tens uma cultura diferente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:14:52) – Rasgados tens. Sim, há um, há um outro, há um outro que nós colocamos num patamar superior. Não é? Porque se o outro for loiro e tiver olhos azuis e for tiver uma pele muito branca e for muito alto e for rico, esse outro é mais do que bem vindo. Abrimos a porta, pegamos as costas, pomos os joelhos no chão e um outro muito bem escolhido, o outro que nós estigmatiza estigmatizados, é um outro muito bem definido.
JORGE CORREIA (00:15:21) – Portanto, nós temos, no fundo, um estigma desejo em relação a aquele que suba.
JORGE CORREIA (00:15:26) – Entendemos como sendo o bem sucedido. Sim. Ah, e olha a Madonna que agora está em Lisboa. Uau!
CLÁUDIA SEMEDO (00:15:33) – Uau! Diário de Lisboa.
JORGE CORREIA (00:15:35) – E fiz exactamente. Olha ali na Comporta. AB Você passa a ser sexy, desejável e no fundo eu gostava. Eu gostava era de ser como não é? Claro, também pode ser um fenómeno televisivo. Ou então olha ali no Martim Moniz, onde há os os imigrantes, Que porcaria é a palavra, essa não é.
CLÁUDIA SEMEDO (00:15:56) – A palavra é essa. Eu acho que eu acho que que o racismo é um, é um problema, é um problema estrutural muito, muito forjado na na construção da nossa sociedade. E sabe e sabe muito bem quem são, quem são, quem são os alvos. Não é.
JORGE CORREIA (00:16:18) – Muito curioso? Quando eu vim lá estar do meu Alto Minho para Lisboa, primeiro para estudar e depois para ir depois para trabalhar na rádio pública, onde coincidimos eu não tem nenhum E tu? E tu na Antena três. Isto era o advento da Lisboa Crioula.
JORGE CORREIA (00:16:33) – Sim, tu que tu és em baixa. Ora lá está, muito em emigração dos países de língua oficial portuguesa que vieram no fundo construir coisas como a Expo 98 ou como os estádios de 2004. Portanto, só aí depois, a seguir à imigração de Leste. Mas os fenómenos foram muito semelhantes, não é? Quer dizer, de lá está, de de racismo e de diferença primeira em relação à população negra que vinha dos PALOP. Depois, em relação a ucranianos que vieram muito para cá e, portanto, agora em relação às pessoas que vêm da Ásia, da Índia, do Bangladesh e afins. Portanto, há sempre aqui um.
CLÁUDIA SEMEDO (00:17:08) – Sim, eu acho. Eu acho que nem sempre parece o mesmo mecanismo. Não é sempre semelhante. Porque tu tiveste agora o fenómeno de com a guerra, de repente recebeste imensos ucranianos e acho e acho que deveria ser sempre assim acolher, acolher, dar espaço, integrar, arranjar condições. Mas tu viste uma grande diferença? Não é que de repente querias acolher ucranianos? Mas se forem pessoas que vierem da Síria, do Iémen, não interessa nada.
CLÁUDIA SEMEDO (00:17:36) – Não, já não interessa nada. Portanto, acho que passa um bocadinho também pelas circunstâncias, pelas modas. Mas é inegável que com a população que tu entendes como população racializada, como se os outros não fossem, não é. Mas a população que tu entendes como população racializada, tu tens uma marca muito, muito forte de entenderes aquelas pessoas à partida como inferiores, não é? E essa marca colonial, essa marca da escravatura, essa marca, está muito presente na nossa sociedade, seja.
JORGE CORREIA (00:18:04) – Implícita, seja seja consciente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:18:07) – Seja auto consciente. Está muito presente, está muito presente.
JORGE CORREIA (00:18:10) – Olha, a causa é obviamente importante, mas eu quero também divertir me porque acho bem.
CLÁUDIA SEMEDO (00:18:16) – Acho importante.
JORGE CORREIA (00:18:17) – E a brava contigo, comigo, contigo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:18:21) – Queimar bifes, Não queimar.
JORGE CORREIA (00:18:22) – Queimar.
CLÁUDIA SEMEDO (00:18:24) – Não vou deixar bifes crus e a queimar.
JORGE CORREIA (00:18:26) – É porque eu era para abrir por aqui, porque acho que esta descrição é maravilhosa. Alguém escreve sobre ti na internet e eu já vou dizer quem é a mulher doce, inteligente, bem humorada, otimista, trabalhadora, empenhada, talentosa e destemida? Quem escreve, quem escreve, Isto é o homem do coração de pedra.
JORGE CORREIA (00:18:46) – O chefe lobo Mira. Sim, este homem consegue escrever isto sim, tu que para quem não sabe, tu, tu, provavelmente toda a gente sabe. Tu me deste numa cozinha profissional.
CLÁUDIA SEMEDO (00:18:56) – É verdade. Aceitei o desafio de entrar na cozinha do Inferno no. Nível mínimo. A experiência foi ótima, foi ótima. Sabes que ele tem aparentemente um coração empedernido, mas. Mas ele é um. Ele é um manteiguinha, como lhe chamava Pedro Granger.
JORGE CORREIA (00:19:15) – Ele é um personagem, certo? Nós vemos o.
CLÁUDIA SEMEDO (00:19:17) – Personagem. É um personagem muito, muito real. Não, não, não é de grandes, não é de grandes encenações nem de grandes ficções.
JORGE CORREIA (00:19:25) – Ele viveu a guerra, ele e ele. Ele vem para Portugal a fazer da guerra e depois, na realidade, torna se português. Ele é um português no sentido de alma e coração.
CLÁUDIA SEMEDO (00:19:34) – Sim, ele e ele é um homem que passou por muita coisa e acredito que o que o coração dele tenha criado uma espécie de carapaça, mas muito de proteção.
CLÁUDIA SEMEDO (00:19:44) – Sabes porque eu acho que quando ele se apaixona ele é muito, ele é muito. Eu não é impulsivo que eu quero dizer, ele é muito apaixonado, ele é muito apaixonado, é torrencial, é torrencial. E quando se zanga, zangas. E quando se apaixona, apaixona se. Ele é tudo em extremos, em extremos é, mas é bom, sabes? Ele deixa as emoções fluírem por ele de uma forma muito, muito engraçada e maravilhosa.
JORGE CORREIA (00:20:10) – Em televisão, claro.
CLÁUDIA SEMEDO (00:20:11) – Sim, sim, Mas eu acho que ele não faz. Claro que todos temos noção que estamos a fazer um programa de televisão, mas eu acho que ele é muito honesto em relação àquilo que sente. Só que connosco ele não podia exigir aquilo que podia exigir a quem entende efetivamente de cozinha. E eu acho que ele apaixonou se. Eu acho que ele apaixonou se um bocadinho por nós e estava ali, no modo mais derretido que é o usual.
JORGE CORREIA (00:20:33) – Porque vocês não dominam a técnica de cozinha, como é evidente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:20:36) – E eu acho que ele também ficou muito encantado com o facto de nós estarmos todos ali a sério.
CLÁUDIA SEMEDO (00:20:40) – Apesar de não dominarmos, apesar de não conhecermos, estávamos todos com vontade de fazer bem e de e de levar aquilo a sério. E eu acho que isso também o apanhou desprevenido, não é?
JORGE CORREIA (00:20:50) – Como é que? Como é que é e como é que é a mecânica do programa de televisão?
CLÁUDIA SEMEDO (00:20:53) – A mecânica é muito a sério. Eu quando fui achava que ia ser um bocadinho mais brincadeira. Não é mais programa de televisão, mas não. Das sete às oito nós éramos maquilhados e das oito às oito estávamos a trabalhar na cozinha. A sério mesmo. Nós não sabíamos quais eram os desafios. Nós éramos. Era, Era mesmo a sério. Estávamos em pé. Eu saía dali cheia de dores. Parecia que tinha trabalhado numa fábrica o dia inteiro, porque aquilo era mesmo a sério e aquela tensão toda é real. Aliás, eu é pecadora, me confesso. Achava sempre muito excessivo, tipo ah, estas pessoas vão para a televisão chorar e conhecem se há dois dias e já são os melhores amigos do mundo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:21:33) – Ai credo! Mas de repente ali. É como se te atirassem para dentro de uma piscina, ninguém soubesse nadar. Então tu dás as mãos, agarras te às pessoas que estão contigo e de facto, aquilo mexe connosco.
JORGE CORREIA (00:21:47) – Mexe emocionalmente, mexe.
CLÁUDIA SEMEDO (00:21:48) – Emocionalmente, mexe emocionalmente.
JORGE CORREIA (00:21:50) – Quer dizer que tens nervos porque o prato não está a sair os.
CLÁUDIA SEMEDO (00:21:53) – Nervos antes de começar sequer porque sabes que vai ser tudo surpresa. Sabes que não vais, não sabes o que vai acontecer, que não sabes trabalhar com aquelas coisas. Então havia uma camada de nervos que parecia eu, miúda de 18 anos, prestes a estrear no Teatro Nacional D. Maria Segunda. Eram camada de nervos. Pronto. Mas eu e toda a gente sabes, era assim um lugar de de nervosismo. Parecíamos uns miúdos, mas eu adorei fazer. Eu adoro cozinhar, é algo que eu gosto mesmo de fazer. E gostas de.
JORGE CORREIA (00:22:20) – Comer?
CLÁUDIA SEMEDO (00:22:21) – Gosto de comer. Adorava ter tirado cozinha na escola de hotelaria, porque interessa mesmo. Gosto de saber, gosto de conhecer os alimentos, gostava de saber trabalhá los e tratá los melhor, até porque acho que é uma parte muito importante da nossa vida.
CLÁUDIA SEMEDO (00:22:35) – Aquilo que nós comemos mesmo para para o impacto na nossa saúde e para não termos de andar a cuidar da nossa doença, mas sim da manutenção da nossa saúde. E então, quando me fizeram o convite, pareceu me maravilhoso esta ideia de poder ir para uma cozinha aprender. Pareceu me maravilhoso. E foi e foi. De facto. Eu adorei fazer o programa.
JORGE CORREIA (00:22:54) – E alguém ensina as técnicas? Não.
CLÁUDIA SEMEDO (00:22:56) – Oh não, nunca fazem o prato à nossa frente para nós percebermos o que temos de fazer. Nós seguimos receitas, nós seguimos receitas e literalmente.
JORGE CORREIA (00:23:04) – Atirados aos lobos.
CLÁUDIA SEMEDO (00:23:05) – Atirados aos lobos. Nós seguimos receitas com máquinas que desconhecemos, que nos explicam assim brevemente, como é que elas funcionam. Mas aquilo é muito real e muito real. Claro que havia pratos que já estavam semi preparados porque nós não podíamos num programa de televisão durante 24 horas, deixar a marinar. Não dá não. E portanto havia coisas que já estavam marinadas, havia coisas que já estavam pré feitas e eu não imagino o que seria se não estivessem, porque com aquilo que nós tínhamos de fazer já era o lodo que era a.
CLÁUDIA SEMEDO (00:23:36) – Mas eu gostei muito, gostei mesmo muito.
JORGE CORREIA (00:23:39) – Como é que? Como é que correu essa experiência de servir o bife frio? Há de haver alguma coisa que não correu bem?
CLÁUDIA SEMEDO (00:23:45) – Sim, Olha como todas as outras, eu acho. Eu tenho uma postura perante a vida que é. Eu estou aqui para aprender como.
JORGE CORREIA (00:23:51) – É que lida com o fracasso.
CLÁUDIA SEMEDO (00:23:54) – Não sei se entendo a palavra fracasso. Não penso na palavra como fracasso, da mesma maneira que não penso na palavra como sucesso.
JORGE CORREIA (00:24:01) – Então, o que é escolher uma palavra?
CLÁUDIA SEMEDO (00:24:02) – Penso sempre em processos, no processo. Pensei em processos porque eu tenho muito esta ideia de que uma coisa que é boa não é necessariamente boa. É uma coisa que é má, não é necessariamente má.
JORGE CORREIA (00:24:11) – Então, como é que é isso?
CLÁUDIA SEMEDO (00:24:12) – Porque eu vejo pelas experiências mais dolorosas que eu tive, que na altura achei que tinha sido a pior coisa que me podia ter acontecido logo a seguir. Porque aquilo aconteceu. Aconteceram coisas muito boas, não só num caminho de autoconhecimento e de de me entender melhor, de conhecer novas novas fronteiras e novos limites.
CLÁUDIA SEMEDO (00:24:31) – A pessoa que eu sou é muito um caso muito específico. Não fiz uma coisa que queria muito fazer, um filme que queria muito fazer. Não fiz. O filme foi atrasando. Depois, nas datas em que aconteceu, eu tinha outra coisa. Tive de tomar uma decisão e eu sou muito presa aos meus compromissos. Tenho dificuldade quando, quando dou a minha palavra de voltar, de voltar atrás. É a mesma coisa que é para mim mesmo, muito incompatível. Acho que a palavra é a palavra e tem de ter esse peso, seja contrato, não seja a palavra para mim tem muito peso. Então acabei por não fazer aquele filme e acho que chorei como nunca tinha chorado zangada contigo. Triste, triste porque queria mesmo ter feito aquele filme, queria mesmo ter trabalhado com aquelas pessoas e fiquei muito triste. E logo a seguir apareceu me outra coisa que eu queria muito fazer, que era trabalhar, que eu tinha trabalhado com o Teatro Meridional e fazer uma peça de teatro com Meridional, que era das coisas que eu também mais queria.
CLÁUDIA SEMEDO (00:25:29) – E se eu tivesse feito o filme, não podia ter feito a peça. Portanto, eu acho que nem tudo o que parece mal é mau. Nem tudo o que parece bom é bom, porque há muitas coisas que parecem boas e que depois são processos que se calhar mais dolorosos, não é. Portanto, acho que tudo são experiências e eu lido bem com isso. Lido muito bem com o não saber e com o falhar e com o erro. Aliás, eu acho que nós todos partimos do erro e vamos melhorando.
JORGE CORREIA (00:25:53) – Ponto a ponto. Olha no outro lado o lado bom merengue de ovo salgado é que deste o nome de nuvem de ovo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:26:01) – Nuvem de ovo inventei. E pensar.
JORGE CORREIA (00:26:08) – Que tu tiveste a pensar três dias e.
CLÁUDIA SEMEDO (00:26:12) – Ali nós não tínhamos tempo para pensar. Nós não sabíamos o que aqui ia ser o desafio e não sabíamos os tempos que tínhamos e não sabíamos nada daquilo. Era tudo um bocadinho inventado, não era?
JORGE CORREIA (00:26:21) – Eu estou a notar aqui uma coisa a tua, o padrão da tua vida é uma lufa lufa.
JORGE CORREIA (00:26:25) – E tu dizes eu, vós, desanimados? Não sei. Deram me um teste agora tenho que fazer agora uma cozinha profissional 12h00 agora inventei uma nuvem.
CLÁUDIA SEMEDO (00:26:32) – Mas eu adoro isso, eu adoro isso. Eu não. Eu lido muito bem com o não saber e lido muito bem com o aprender e muito bem com o falhar e com o errar e com ir errando. Melhor não é errar, é errar melhor, errar menos.
JORGE CORREIA (00:26:45) – O que é novo e novo. Já agora, porque agora? Agora tenho, Agora tem curiosidade?
CLÁUDIA SEMEDO (00:26:49) – Sim.
JORGE CORREIA (00:26:50) – É o quê?
CLÁUDIA SEMEDO (00:26:52) – O que eu fiz foi Separei a gema da Clara, bati a clara em castelo.
JORGE CORREIA (00:26:57) – Fizeste bem, É uma coisa boa. Para início de conversa, é o próprio que não sei quase nada de cozinha, mas a minha.
CLÁUDIA SEMEDO (00:27:01) – Ideia era eu queria fazer algo muito visualmente impactante. Então pensei a televisão.
JORGE CORREIA (00:27:06) – No fundo, não.
CLÁUDIA SEMEDO (00:27:07) – Sei quando é que o ovo é mais impactante quando tem volume, não é? Então bati as claras em castelo, mas como e como? Queria fazer uma coisa salgada, acrescentei um bocadinho de sal, um bocadinho de gengibre em pó, alho em pó para lhe dar ali um sabor, um sabor.
CLÁUDIA SEMEDO (00:27:22) – E então pensei isto pode ser interessante. Faço aqui uma cama com estas coisas claras em castelo e depois ponho no centro a gema e ponho no forno. Isto vai ficar dourado, vai ficar lindo.
JORGE CORREIA (00:27:34) – Portanto visualizar este um mundo perfeito. E sim, e depois saiu o quê?
CLÁUDIA SEMEDO (00:27:38) – E depois saiu, Saiu bem, Eu início estava em pânico porque a Clara não ficou tão dourada quanto eu gostava, mas cresceu, cresceu, cresceu, isso cresceu. Mas podia usar o maçarico. Usei o maçarico e deu ali. O até foi o chef que usou o maçarico e deu ali o finalzinho. Perfeito.
JORGE CORREIA (00:27:57) – Nada como ter um chefe que depois nos pode salvar à última da hora.
CLÁUDIA SEMEDO (00:28:01) – Porque eu não sabia se podia usar o maçarico. Não é que é uma parvoíce? Está lá na cozinha, Claro que posso usar, mas não tinha a certeza se poderia finalizar ali com o maçarico. E ele disse claro e foi lá buscar e finalizou E correu bem.
JORGE CORREIA (00:28:13) – Olha depois o que é curioso é tu crias essa relação, o público gosta claramente de ti.
JORGE CORREIA (00:28:18) – Tu querias um bom ambiente naquela cozinha, Lá está. E eu não tinha a noção dessas 12h00 de de trabalhos forçados, de trabalho duro. E um dia dizes Olha, agora vou me embora que tenho aqui outra coisa para fazer. Portanto, tu que eras uma verdadeira candidata a ganhar aquilo, sim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:28:35) – Mas não foi assim.
JORGE CORREIA (00:28:37) – Aquilo não é uma avaliação de cozinheiros. Na realidade é uma avaliação de seres humanos metidos numa experiência social e que é o que é. Sim, podias ter ganho aquilo e disseste vamos ter que me ir embora.
CLÁUDIA SEMEDO (00:28:46) – Sim, mas foi muito inesperado para mim também. E não foi. Foi para mim. Foi a única decisão possível. Mas foi. Foi. Foi duro, foi duro. Eu gostava de ter ficado, até porque estava a gostar mesmo muito da experiência. E eu. Esta decisão vem no oitavo programa e só faltavam dois. E na verdade eu só não podia ir no dia da gravação do nono porque nós gravámos no verão e gravávamos dia sim, dia não, dia sim, dia não.
CLÁUDIA SEMEDO (00:29:12) – E numa bela segunda feira, sim, e numa bela segunda. De vez em quando, dia sim, dia não, dia não, dia sim. E mesmo assim é muito pesado. Sim, Mas numa bela segunda feira estávamos a gravar o sexto programa, depois gravávamos o sétimo e o oitavo na na quarta e na na, na quarta e na sexta e numa bela segunda feira liga me o meu produtor de um projecto que eu tenho convidado de pirilampos, um projeto que eu tenho com António Jorge Gonçalves.
JORGE CORREIA (00:29:36) – Adoro o nome Convidado de Pirilampos.
CLÁUDIA SEMEDO (00:29:38) – É um texto do ano, Joaquim é um texto onde É aqui que levámos a cena. O António Jorge Gonçalves já era o ilustrador do livro e o António faz desenho em tempo real e faz espetáculos com isso. Então temos um espetáculo em que eu estou a narrar a história e a fazer do avô e do menino da história. E o António está a desenhar em tempo real o Zé, quando clarinetista baixo a tocar e a Paula delicado, a fazer projeções. É um espetáculo muito bonito que nós já fazemos.
CLÁUDIA SEMEDO (00:30:04) – Há cinco anos estreou no Teatro São Luís e andamos por Portugal e pelo mundo. Já fomos a Luanda, agora vamos ao Brasil. É um espetáculo que que tem imensa vida e imenso caminho. Ele liga me na segunda feira eu estava a gravar e diz me então tens o texto na ponta da língua e eu tento na ponta da língua Mas qual texto? É o verão. Estou a gravar um programa, mas qual texto? Ele Então? Já já temos isto marcado há um ano e tal, uma data no Convento de São Francisco, em Coimbra. Não, não, não se me varreu, não se me varreu. Porque, senhor Pratas, isto ainda não está bem esclarecido.
JORGE CORREIA (00:30:40) – Não, porque, senhor Pratas, aqui eu.
CLÁUDIA SEMEDO (00:30:42) – O nosso produtor. Tanto eu como o Zé, quando não tínhamos a data fechada, ou seja, na minha cabeça aquela data tinha sido pedida a sondar. Poderiam neste dia e não.
JORGE CORREIA (00:30:53) – Não como uma coisa escrita na pedra.
CLÁUDIA SEMEDO (00:30:55) – Exacto, porque eu tinha um ponto de interrogação e daí não ter passado a data para a agenda do ano seguinte porque tinha um ponto de interrogação.
CLÁUDIA SEMEDO (00:31:01) – Então, como não passei para a data, para a agenda do ano seguinte, aquilo ficou perdido na noutra agenda e ele liga me. Não temos de ir na quinta feira. Se sexta feira temos o espetáculo para escolas e sábado temos o espetáculo para famílias no Convento de São Francisco, em Coimbra. Morreste e eu morri. Eu Eu não tenho isso apontado. Eu não tenho esse fechado. Morri. Mas o programa, nós gravávamos, depois o nono e o o nono na na na, na sexta, que era na quinta, que era quando eu tinha de ir e depois gravávamos na segunda feira. Afinal, eu não podia pedir a produção à dispensa. Não é tipo um passe directo para a final. Isto era muito foleiro, mas também não podia deixar 1000 crianças à minha espera porque o espetáculo não acontecia sem mim.
JORGE CORREIA (00:31:49) – Estávamos a lidar com um dilema impossível de resolver.
CLÁUDIA SEMEDO (00:31:52) – Sim, quer dizer, não. Para mim nem era tanto dilema porque tinha uma resposta muito óbvia o espetáculo não acontece sem mim. O programa acontece sem mim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:31:58) – Portanto, a decisão apresentou se e tu.
JORGE CORREIA (00:32:02) – Saíste e.
CLÁUDIA SEMEDO (00:32:03) – Eu saí.
JORGE CORREIA (00:32:04) – Olha, isto é giro. A pergunta tens o? Tens o papel na ponta da língua e é uma grande pergunta. Estão a gostar do Pergunta simples. Estão a gostar deste episódio? Sabia que um gesto seu me pode ajudar a encontrar e convencer novos e bons comunicadores para gravar um programa que já esta ia se subscrever na página? Pergunta sempre Pronto, como tem lá toda a informação de como pode subscrever, pode ser por email, mas pode ser ainda mais fácil subscrevendo no seu telemóvel através de aplicações gratuitas como o Spotify, o Aple ou o Google Podcasts. Assim, cada vez que houver um novo episódio, ele aparece de forma mágica no seu telefone. E a melhor forma de escutar a pergunta simples. Como é que se sente um ator? Como é que tu te sentes num palco?
CLÁUDIA SEMEDO (00:32:59) – Depende. Já me senti de formas muito diferentes. Normalmente tenho uma vontade muito grande de ir para o palco. Normalmente não sou aquela atriz que fica nervosa e vamos fazer isso normalmente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:33:10) – Não sofro. Estou numa ansiedade muito grande porque quero muito mostrar aquilo que fizemos. Partilhar. Boa, Ótima. Normalmente sinto me muito bem em palco. Já aconteceu num papel onde eu se calhar não me sentia tão confiante de ter essa tensão de ai estou a sofrer. Não, não era, não era de não me sentir tão confiante. Agora falando das coisas, lembrando uma série do processo. Na verdade acho que foi a primeira personagem que eu fiz, que era uma persona non grata. Ninguém gostava dela, ela era insuportável. Não era má, era pior do que a má. Porque a má ainda interessante era a chata. Era a chata, era a chata.
JORGE CORREIA (00:33:51) – Estou a sofrer, a pensar. Ninguém vai gostar de mim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:33:53) – É a dinâmica que se gera, de facto. E eu ia para os ensaios e todos os dias chegava a casa com uma sensação de rejeição grande. Porque? Porque efetivamente era isso que acontecia em palco. A personagem era rejeitada por todos e não sendo uma energia que me era dirigida a mim, era eu que estava a emprestar o corpo a aquela personagem.
JORGE CORREIA (00:34:13) – Então os atores absorvem essas emoções?
CLÁUDIA SEMEDO (00:34:17) – Não, nós não depende, não é Atores a atores e atores, não é. Eu absorvo naquele momento, mas depois tento me libertar delas. Mas de facto, as coisas têm uma carga e um peso e mesmo na dinâmica de dos ensaios parecia que como como a tónica era rejeitar aquela personagem. Depois eu pela primeira vez senti me meio fora do grupo e ainda por cima tinha acabado de ser mãe. Então acabava os ensaios e ia correr para casa dar de mamar, estar com o bebé, noites mal dormidas e então aquilo. Aquilo provocou em mim uma sensação tão esquisita, até porque tu própria.
JORGE CORREIA (00:34:52) – Um turbilhão.
CLÁUDIA SEMEDO (00:34:53) – Um turbilhão. Até porque uma mulher quando é mãe há todo um processo de adaptação. É um novo corpo.
JORGE CORREIA (00:34:58) – É uma nova era.
CLÁUDIA SEMEDO (00:34:59) – Estão completamente estão, estão, são, Estão noutro, noutra fase. Nós, Nós estamos ali num processo de reconhecimento do novo corpo, de uma nova criança. Há muita coisa a acontecer. E então aquilo foi para mim uma espécie de um molotof e eu senti me triste, senti me mal, senti me sozinha.
JORGE CORREIA (00:35:17) – Foi horrível isto. Eu estou a rir, mas foi horrível.
CLÁUDIA SEMEDO (00:35:20) – Claro que depois sacudi, sacudi, andei, mas foi um processo. Apesar de eu ter adorado a peça, A peça era ótima, era do Pedro Aires, era um forte cheiro a maçã. Adorei a peça, adorei, adorei, adorei E a peça era boa e estávamos 14 pessoas em palco. Era, era mesmo bom, mas foi um processo duro, difícil para mim.
JORGE CORREIA (00:35:42) – Na tua relação com o público? Sim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:35:47) – Era chata. Ela era chata.
JORGE CORREIA (00:35:49) – E o público sente isso e devolve te isso. Como é que é? Claro.
CLÁUDIA SEMEDO (00:35:53) – Era tipo Ah, e a tua personagem dando os parabéns. As pessoas são muito generosas, dão nos parabéns. E acho que também por me verem numa personagem tão diferente das que normalmente faço, porque também há esta chatice. Normalmente escolhem nos para personagens que mais ou menos se colam à nossa. A perceção que as pessoas têm de nós não é um perfil. Há um perfil, vamos conseguir. Acho isso muito.
JORGE CORREIA (00:36:15) – Chato. E porquê?
CLÁUDIA SEMEDO (00:36:17) – Porque um ator quer é desafios. Não é Um ator quer sair da sua zona de conforto. Um ator quer é fazer. Quer trabalhar com os condimentos que não trabalha no seu dia a dia para a pessoa que é.
JORGE CORREIA (00:36:26) – Queres trabalhar uma espécie de elasticidade criativa?
CLÁUDIA SEMEDO (00:36:28) – Eu quero trabalhar a maldade. Eu quero trabalhar o ódio, que são coisas que eu não trabalho no meu dia a dia, que não canalizo para mim, não é? E então, o teu perfil, lá está.
JORGE CORREIA (00:36:37) – É de uma rapariga que é bonita, que é simpática e que é empática e, portanto, estará talhada.
CLÁUDIA SEMEDO (00:36:43) – Eu tenho sempre personagens que são a enfermeira, a médica, a amiga querida, a professora, a doce. E eu gosto de trabalhar com coisas que não são minhas e.
JORGE CORREIA (00:36:52) – De ser a psicopata, a vingadora.
CLÁUDIA SEMEDO (00:36:54) – E bêbeda louca. Amar me. Apetecia me a chata. Dispenso. Já fiz e não sei se gostei.
JORGE CORREIA (00:37:01) – Isto eu já fiz. Se não se importa, arranjem outro casting, porque por mim eu já dei.
CLÁUDIA SEMEDO (00:37:05) – É chata, não é.
JORGE CORREIA (00:37:06) – Chata, não está arrumada.
CLÁUDIA SEMEDO (00:37:07) – Mas. Mas eu, como atriz, gosto de sair da minha zona de conforto. Essa coisa de andar sempre a repetir mais ou menos personagens parecidas. Claro que nada é igual e claro que tento sempre encontrar coisas um bocadinho diferentes e explorar características um bocadinho diferentes. Mas depois há uma direção, não é? E pedem te coisas mais específicas, mas eu gosto é de sair da minha zona de conforto.
JORGE CORREIA (00:37:27) – Pedem te o quê a um texto, Não é um conjunto textos e depois pedem te o quê? Portanto, aquilo não é, não é uma leitura falada do texto. É mais do que isso.
CLÁUDIA SEMEDO (00:37:36) – Não, Nós trabalhamos nós, nós em teatro. Estamos dois meses, três meses a ensaiar as peças e depois os nossos encenadores, encenadores vão nos direcionando. Não é de quero mais isto, quero mais aquilo. Trabalha mais assim. Ou pensa nisto ou põe te naquela situação.
JORGE CORREIA (00:37:51) – Nos dando a uma modulação.
CLÁUDIA SEMEDO (00:37:54) – Desejavelmente a alguns encenadores, não a alguns encenadores, deixam correr e vão só corrigindo formas de dizer.
CLÁUDIA SEMEDO (00:38:00) – Mas, desejavelmente, há uma modulação, a partilha de estímulos diferentes, a discussão sobre aquilo que está a ser feito.
JORGE CORREIA (00:38:10) – Pergunta difícil, quem é que é, quem é que são os grandes encenadores e quem é que são aqueles que tu? Enfim.
CLÁUDIA SEMEDO (00:38:16) – Quem é que são os grandes encenadores?
JORGE CORREIA (00:38:18) – Quem é que tu gostas de trabalhar?
CLÁUDIA SEMEDO (00:38:19) – Há, Há muitos. Há muitos grandes encenadores, grandes encenadores, as pessoas com quem ainda não trabalhei, há pessoas que admiro. Tive a sorte de me estrear com a Fernanda Lapa. Pronto.
JORGE CORREIA (00:38:29) – Quer dizer, tu também não fazes por menos, não é? Vamos escolher aqui a Fernanda Lapa que eu quero.
CLÁUDIA SEMEDO (00:38:34) – Te estrear com a Fernanda Lapa, que foi muito especial, porque também é um mundo muito dominado por homens. E de repente, e há muitos homens nos lugares de direcção e de poder, ainda há muitos homens. Tanto que se tu pensares nos grandes teatros em Portugal, normalmente estão sempre homens à frente deles, não é isso. É um João Mota à frente da Comuna.
CLÁUDIA SEMEDO (00:38:54) – Vês? É um viés, não é um espelho da nossa sociedade. Ainda são homens que que estão à frente dos lugares de decisão, que estamos a trabalhar muito contra isso, não é? Ainda tens muito a figura do homem branco rico à frente de nós.
JORGE CORREIA (00:39:10) – Mantemos o padrão.
CLÁUDIA SEMEDO (00:39:11) – Mantemos, estamos a tentar quebrá lo e há cada vez mais mulheres a aparecerem. Eu amo o trabalho da Natália, Luísa. Eu adoro o trabalho da Cristina Carvalhal. Adoro o trabalho da Cuca Carvalheiro. Adoro o trabalho de agora, das mais novas maravilhosas, da Teresa Coutinho, da Sara Barros Leitão. Eu acho que há cada vez mais mulheres a reclamarem esse espaço, mas foi um espaço durante muito tempo muito dominado por homens. Se tu pensares nos grandes teatros em Portugal, não é o Teatro de Almada. O Teatro Experimental de Cascais, o Teatro da Comuna, o Teatro Aberto pelo próprio Teatro Nacional, os diretores que passaram por lá, os directores que estão à frente desses espaços que foram criados por eles. Muitos, não é, obviamente.
CLÁUDIA SEMEDO (00:39:54) – Mas são homens, não é?
JORGE CORREIA (00:39:57) – E tu achas que não há um? Que o caminho para as mulheres é mais difícil?
CLÁUDIA SEMEDO (00:40:01) – Caminho para as mulheres é muito mais difícil, é muito mais difícil. E é muito engraçado que o próximo espetáculo que vou fazer vou ser encenada pela Teresa Coutinho. É algo que me deixa muito feliz. É um espetáculo com três mulheres e que fala um bocadinho sobre a altura da caça às bruxas, naquela transição também do feudalismo para o capitalismo e de como isso foi uma forma altamente concertada e bem pensada em uma estratégia bem maquinada do Estado e da Igreja para colocar a mulher no lugar onde ela devia estar. Aquilo mais do que 1 R$ perseguição às bruxas. E o que é isto de ser bruxa? Foi uma perseguição às mulheres e ao seu lugar que ocupa. Na sociedade a possibilidade de de conseguirem controlar os seus processos de gestação, o facto de estarem em lugares de conhecimento, de poder. Há a necessidade de criar ali uma cisão nas congregações e agregações de mulheres. Foi uma forma de as disparar, de as enfraquecer, enfraquecer e dispor em casa para serem as máquinas reprodutoras gratuitas de trabalho familiar, para que, na transição para o capitalismo, pudesses ter mão de obra para trabalhar.
CLÁUDIA SEMEDO (00:41:14) – No fundo.
JORGE CORREIA (00:41:15) – Um processo de submissão, um.
CLÁUDIA SEMEDO (00:41:16) – Processo de submissão. E a mulher ficou nesse lugar, ficou nesse lugar. A sociedade colocou a mulher nesse lugar, dentro de casa, a trabalhar para o dono e fora dos círculos de decisão e dos círculos de poder. E tu tens isso. E há uma luta muito grande para que haja essa equidade, não só nas questões salariais, mas também nos círculos de poder, porque muitas vezes dão te assim uma fotografia de ah, não temos aqui muitas mulheres, mas são encargos que não, que não, que não são os cargos de decisão.
JORGE CORREIA (00:41:46) – Para ficar bem na fotografia. Sim, para.
CLÁUDIA SEMEDO (00:41:48) – Ficar bem na fotografia. E nós vemos isso na mais alta esfera, que é a nível político, não é?
JORGE CORREIA (00:41:52) – Mas achas que as mulheres querem?
CLÁUDIA SEMEDO (00:41:55) – Claro que querem. Acho que há mulheres que querem. Acho que há mulheres que não querem. Mas acho que as mulheres têm de ter esse direito a querer ou não querer, não é? Mas há mulheres que querem, obviamente, e é.
JORGE CORREIA (00:42:03) – Uma igualdade que se vai atingir em anos, décadas ou séculos.
CLÁUDIA SEMEDO (00:42:11) – Em décadas. Mas vamos lá chegar. Espero que sim.
JORGE CORREIA (00:42:14) – Voltemos ao teatro. Como é que é essa relação com os outros atores?
CLÁUDIA SEMEDO (00:42:18) – Há. Como em todos os lugares, há pessoas de quem gostamos muito, pessoas de quem gostamos menos, pessoas que admiramos, pessoas que que não admiramos. E como na.
JORGE CORREIA (00:42:30) – Vida pode trabalhar com outras pessoas, com grandes autores, tu consegues absorver e aprender.
CLÁUDIA SEMEDO (00:42:34) – É uma coisa mágica que acontece no teatro e acredito que em todos os lugares de criação, porque no teatro a primeira coisa que nós tentamos fazer é despedirmo nos e despir nos de preconceitos. Despimo nos de ideias pré concebidas e é entregarmo nos a uma outra pele, a um outro papel. E nesse caminho nós discutimos muito as nossas ideias, as nossas visões e eu acho que isso nos aproxima muito uns dos outros. E como trabalhamos na nossa vulnerabilidade a isso, aproxima nos muito e isso leva nos a um lugar de verdade, de partilha e constroem se relações muito profundas de amizade real.
CLÁUDIA SEMEDO (00:43:18) – Eu tenho a sorte de pertencer à Companhia de Atores de de de de estar no Teatro Municipal Amélia Rui Colaço, em Algés. E temos ali uma estrutura Que é que é mesmo uma casa? É mesmo uma família que se adora e que adora criar. E é pensar. O mundo é e tem ali mesmo um sentido de comunidade grande.
JORGE CORREIA (00:43:40) – Mas vocês trabalham com as emoções e, portanto, não há maneira de escapar e que muitas vezes já há tensões dentro do próprio grupo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:43:49) – Claro, claro, Mas eu acho que é super importante haver. Eu acho que também estamo nos a tornar numa sociedade tão politicamente correta que discutir ou discordar é uma coisa péssima. Eu adoro discutir, eu adoro.
JORGE CORREIA (00:44:02) – Discordar, mas nunca que isto.
CLÁUDIA SEMEDO (00:44:05) – Não de de mão na consciência, mais do que nunca, de mão na consciência. Mas eu adoro esta ideia de concordámos em discordar. A tua subjectividade e a tua experiência dá te o direito a teres uma perceção diferente sobre um assunto de que a minha subjetividade e a minha experiência não é.
JORGE CORREIA (00:44:24) – Tu és apaixonada.
CLÁUDIA SEMEDO (00:44:25) – Super super até até roça teimosia. Mas eu não sou nada, não sou nada. Eu acredito mesmo que para além de acreditar que a verdade não é uma coisa una, acredito que há várias verdades e que elas estão consubstanciadas nas experiências de cada um. E não estou a falar de factos, estou a falar de verdades, não é? E eu acho que é mesmo importante nós podermos discutir, porque efectivamente, se estiver um seis desenhado nesta mesa, eu vou ver uns seis e tu vais ver um nove. Estamos os dois certos. É uma questão.
JORGE CORREIA (00:45:02) – De perspetiva.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:03) – É uma questão de perspetiva e eu acho que nós temos de estar abertos a ouvir e a perceber de que lugar é que nos fala aquela pessoa.
JORGE CORREIA (00:45:11) – Olha qual foi o teu personagem que te encheu mais a alma que te.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:14) – Personagem que me encheu mais a alma.
JORGE CORREIA (00:45:17) – Ou ainda está por fazer?
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:19) – Eu acho que a ideia de estar por fazer é muito interessante, porque isso mantém nos com vontade, mantém nos com vontade de caminhar.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:26) – Mas já fiz personagens que gostei muito de fazer. Adoro fazer o espetáculo Convidado de Pirilampos.
JORGE CORREIA (00:45:33) – Quando é que agora vais para o Brasil? Vais fazê lo no Brasil.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:35) – Agora vamos fazer no Brasil. Quando que ouvimos? Quanda temos datas, temos datas já sem ponto de interrogação Na minha agenda? Temos datas este ano? Vamos, Vamos a alguns sítios que eu não te sei dizer, te conseguimos.
JORGE CORREIA (00:45:48) – Encontrar no site da companhia.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:51) – Não, porque não é um espetáculo da Companhia de Atores e.
JORGE CORREIA (00:45:53) – Do.
CLÁUDIA SEMEDO (00:45:54) – António Jorge Gonçalves. Sim, mas vamos estar. Vamos estar em Lamego, vamos estar, vamos estar assim a passear.
JORGE CORREIA (00:46:00) – Portanto, dá para ver nos vários sítios. A Pirilampo vai.
CLÁUDIA SEMEDO (00:46:02) – Aparecer, a pirilampo vai aparecer a pirilampo, a avó, a pirilampo, neto, avô. Neste caso, por acaso, face de avô e de neto no mesmo. A narradora Sim, pessoa, narradora, avó, avô, neto e pirilampo. Sou só os quatro.
JORGE CORREIA (00:46:19) – Portanto não se aplica a ti a frase do Herman José Não piri piri, lâmpada pirilampo.
CLÁUDIA SEMEDO (00:46:23) – Mas não eu, pirilampo parei se puder, Pirilampo durante muito tempo. É muito engraçado porque nós somos um quarteto mais o Nuno Pratas que nos acompanha também. Muitas vezes e somos todos muito diferentes. Temos idades diferentes, experiências diferentes. Cada um toca o seu instrumento, não é? Desde músicos, atores de ilustradores, desenhadores, temos profissões diferentes, somos pessoas muito diferentes, temos idades muito diferentes, mas adoramo nos e discutimos muito, discutimos muito, é óptimo, temos perspetivas normalmente diferentes e é muito bom. Há uma discussão muito efervescente no grupo. É a possibilidade de fazer isto pelo resto da nossa vida, porque eu agora tenho esta idade e se calhar estou mais próxima de ser o neto, mas poderei fazê lo até estar mais próxima de ser o avô. E é muito bonito o espetáculo. Eu adoro fazer.
JORGE CORREIA (00:47:17) – O que é que te deixa mesmo feliz?
CLÁUDIA SEMEDO (00:47:19) – O que é que me deixa mesmo feliz? Chegar à cama e dormir descansada, de consciência tranquila.
JORGE CORREIA (00:47:28) – Alguém com uma alma desassossegada não deve ser fácil.
CLÁUDIA SEMEDO (00:47:33) – Durmo sempre com muitas coisas para fazer, a pensar que tenho muitas coisas para fazer, muitas coisas que ainda quero fazer, muitos problemas que quero tocar, falar, discutir. Mas deito me em paz comigo, deito me em paz comigo, deito me sempre com esta sensação de que estou a tentar fazer o melhor que sei. E isto está certo. Então deito me sempre muito descansada.
JORGE CORREIA (00:47:55) – Gosto da analogia dos pirilampos de que os pirilampos são os pontos de luz que nos alumiam, que têm a capacidade de nos trazer luz e felicidade, Tal como os actores, tal como as boas histórias e como cada um de nós tem luz própria, vale ir por aí e pirilampo para os outros. Fica menos escuro e mais bonito o planeta. E tu tens pirilampos até para a semana.