Já imaginaram quão complexa é uma máquina ou sistema, a que chamamos SNS, que está aberto 24 horas por dia e 365 dias por ano.
E durante esse tempo, todo o tempo, e em todo o país, responde às necessidades de saúde.
Podem ser coisas muito simples, como uma constipação mais agreste ou um colesterol acima do desejado.
Ou podem ser coisas muito graves como um ataque de coração, uma queimadura grave ou múltiplos traumatismos resultado de uma queda ou acidente de viação.
São milhões, sim, disse, bem, milhões de consultas, dias de internamento, tratamentos e cirurgias.
Todos os dias. A todas as horas.
Os doentes sabem disso. Os contribuintes também.
Só dinheiro dos impostos há 15 mil milhões de euros para a saúde.
Sem contar com o que cada cidadão usa do próprio bolso: por exemplo, para ir ao dentista.
A máquina de preservar, cuidador, reparar e acompanhar-nos na saúde é definição complexa.
É desde logo muito complexa na difícil organização dos meios humanos.
Médicos, enfermeiras, administrativos, auxiliares… a lista pode ser gigante.
Todos têm funções específicas, muitos têm saberes profundos e capacidades técnicas avançadas e todos interagem para fornecer o melhor cuidado.
Além das pessoas, há a tecnologia. As máquinas, os tratamentos, a ciência estão cada vez mais avançados, logo mais complexos.
E nós cidadãos, estamos cada vez mais exigentes.
Exigentes porque queremos o melhor, mas, principalmente, exigentes porque estamos em média mais velhos e por isso com mais necessidades de saúde.
Já repararam que as pessoas doentes de hoje tem não uma, mas várias áreas a que tem de dar atenção.
Ora estas necessidades e complexidades obrigam a conversas cada vez mais francas e abertas na sociedade.
E os sistemas de saúde começam a abrir portas para os cidadãos participarem nos seus processos de decisão.
E dedica-se a estudar exemplos de todo o mundo dos caminhos da participação dos cidadãos em sistemas de saúde.
A voz dos cidadãos é cada vez mais importante e os sistemas como o SNS já se aperceberam disto.
Será que uma maior participação pode auxiliar a, pelo menos, calibrar as expectativas e ajudar a organizar melhor as respostas do sistema de saúde?
(00:00:12) – Sobre a complexidade do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e a relação entre o SNS e os cidadãos.
(00:02:35) – A importância de ter conversas francas e abertas entre os sistemas de saúde e os cidadãos.
(00:04:00) – A dificuldade de os sistemas de saúde realmente ouvirem e incorporarem a voz dos cidadãos em suas decisões.
(00:07:39) – Discussão sobre a limitação da participação dos cidadãos nos sistemas de saúde e a necessidade de espaços de verdadeira participação.
(00:10:19) – Destaque para experiências positivas de participação dos cidadãos no sistema de saúde, como no Canadá, Brasil e o Reino Unido.
(00:12:35) – Explanação dos princípios presentes na nova lei de bases da saúde que reconhecem a importância da participação dos doentes e utentes no sistema de saúde.
(00:17:52) – Discute-se o problema da representatividade dos cidadãos nos sistemas de saúde e diferentes estratégias utilizadas em diferentes países.
(00:21:22) – Aborda-se a falta de efetividade da participação dos cidadãos e como as suas opiniões muitas vezes não são consideradas pelas instituições de saúde.
(00:25:20) – Destaca-se a importância de promover uma rede entre associações, movimentos, instituições e representantes institucionais para fortalecer a representação dos cidadãos.
(00:25:57) – Sobre as dificuldades de acesso e as expectativas dos cidadãos relativamente ao sistema de saúde.
(00:27:08) – É abordada a importância de criar espaços democráticos para os cidadãos poderem participar e a necessidade das instituições de saúde incorporarem algumas propostas dos representantes.
(00:30:01) – Fala-se sobre a necessidade de os cidadãos estarem informados e preparados para participar no sistema de saúde, destacando a importância da literacia em saúde.
(00:35:08) – Discute-se a importância da qualidade no sistema de saúde, abordando as dimensões técnica, organizacional e relacional na perspetiva do utente.
(00:37:26) – Exploram-se os problemas metodológicos e de conteúdo nos questionários de satisfação, destacando a falta de perguntas sobre a perceção e experiência do paciente.
(00:40:46) – Reflete-se sobre a importância da participação dos cidadãos no sistema de saúde, mencionando a queda na satisfação dos portugueses com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a possibilidade de uma maior participação ajudar a melhorar o sistema.
Aqui está uma lista de artigos importantes sobre a participação dos cidadãos no processo de decisão em saúde,para leitura adicional:
Estes artigos fornecem uma compreensão ampla sobre a importância da participação dos cidadãos no processo de decisão da saúde em diferentes contextos.
TRANSCRIÇÃO AUTOMÁTICA
(Com todas as virtudes e lapsos das máquinas)
JORGE CORREIA (00:00:12) – Ora vivam! Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso podcast sobre comunicação. Hoje é dia de falarmos sobre saúde e sobre cidadania. São dois dos meus temas favoritos. A saúde é importante para todos e nestes últimos 30 anos tenho dedicado o meu trabalho a compreender como funciona um dos mais complexos e fascinantes sistemas de suporte social, o nosso SNS e, em particular, a relação entre o SNS e os cidadãos que serve esta edição. No entanto, sobre a prestação de cuidados de saúde, mas mais sobre as coisas que os cidadãos dizem ao sistema de saúde e a maneira como o sistema os ouve, seja através de pedidos de necessidades, de reclamações ou de elogios. Este é um programa sobre o exercício da cidadania no sistema de saúde. Falai agora ou calai vos para sempre. É melhor falar. Já imaginaram quão complexa é uma máquina ou sistema a que chamamos SNS, que está aberto 24 horas por dia e 365 dias por ano? E durante esse tempo, todo o tempo e em todo o país, responde às nossas necessidades de saúde.
JORGE CORREIA (00:01:32) – Podem ser coisas muito simples, como uma constipação mais agreste ou um colesterol acima do desejado. Podem ajudar nos a manter a nossa saúde intacta ou podem ser coisas muito graves, como um ataque de coração, uma queimadura grave ou múltiplos traumatismos, resultado de uma queda ou acidente de viação. Sim, são milhões. Sim, disse bem. São milhões de atos de consultas, de dias de internamento, de tratamentos e cirurgias todos os dias, a todas as horas. Os doentes sabem isso, os cidadãos também. E os contribuintes desconfio que também sabem muito bem o que é que isso quer dizer. Se falarmos em dinheiro só nos impostos a 15 mil milhões € para a saúde, sem contar com o que cada cidadão usa do seu próprio bolso. Por exemplo, para ir ao dentista, à máquina de preservar, cuidar, reparar e acompanhá los na saúde é, por definição, complexa. É fácil perceber, desde logo muito complexa na difícil organização dos meios humanos médicos, enfermeiras, administrativos, auxiliares. A lista pode ser gigante.
JORGE CORREIA (00:02:35) – Todos eles têm funções específicas. Muitos deles têm saberes profundos e capacidades técnicas avançadas, e todos interagem com todos para fornecer o melhor cuidado de saúde. Além das pessoas, a tecnologia, cada vez mais as máquinas, os tratamentos, a ciência estão mais avançados e, por isso, mais complexos. E nós, cidadãos, estamos cada vez mais exigentes. Exigentes porque queremos o melhor, mas principalmente exigentes porque estamos em média mais velhos e, por isso, com mais necessidades de saúde. Já repararam que as pessoas doentes de hoje não têm uma só doença, mas várias áreas a que têm de dar a sua atenção? Ora bem, todas estas necessidades e complexidades obrigam a conversas cada vez mais francas e abertas dentro da sociedade e os sistemas de saúde começam a abrir portas para que os cidadãos participem nos seus processos de decisão. Eu fui em busca do professor Mauro Serapião, onde ele é investigador sénior do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Desde 2009. É professor doutor em Ciências Sociais. Dedica se habitualmente a estudar exemplos em todo o mundo, dos caminhos da participação dos cidadãos nos sistemas de saúde.
JORGE CORREIA (00:03:43) – Não só informá los, não só ouvir o que os cidadãos têm para dizer, mas principalmente, incorporando os cidadãos no processo de decisão dos sistemas de saúde. Será que os sistemas de saúde querem mesmo ouvir os cidadãos que servem?
MAURO SERAPIONI (00:04:00) – E na verdade, essa é uma pergunta muito interessante. O sistema de saúde dizem que se preocupam muito e às vezes abrem canais para escutar a voz dos pacientes, dos dos doentes. Como? Como fala você aqui em Portugal? Mas realmente, a nível internacional, o problema da participação do cidadão é problemática. Não é um problema só aqui do Portugal. É um problema sobretudo do país da Europa do Sul. Mas no geral, todo o sistema de saúde, dizem, fazem muitas atividades para escutar a voz na perspetiva dos doentes e dos utentes, mas na prática, o resultado são insuficientes.
JORGE CORREIA (00:04:54) – Quer dizer que há uma retórica, há uma vontade, há algo que está proclamado até na lei, que os sistemas da Europa do Sul vão escutar o cidadão saber o que é que ele pensa, diz me que, afinal, não é apenas uma especificidade portuguesa, que na Europa do Sul é contrário da Europa do Norte.
JORGE CORREIA (00:05:15) – Provavelmente nós temos mais dificuldade em ouvir. Então o que é que se está a passar? Eu vi numa comunicação que o professor fez na Escola Nacional de Saúde Pública, que desenhou um muro no fundo de um muro em que pôs de um lado os sistemas de saúde, os hospitais, os centros de saúde e, de outro lado o cidadão. E eu pensei meu Deus, um muro? O que é que o muro, O que é que está a dificultar aqui? Que nós estejamos a falar com os nossos cidadãos e ouvi los ei Nós?
MAURO SERAPIONI (00:05:41) – No campo das ciências sociais, utilizamos falar de uma barreira entre a lógica do sistema de saúde. De uma parte, a lógica do sistema de saúde, às vezes ainda um pouco burocrático, pouco aberto às instâncias do das demandas sociais e, ao mesmo tempo, da mesma parte. Sempre a medicina, sempre mais tecnologia usada. E da outra parte temos a dimensão. Na lógica do mundo, da vida da pessoa com sua subjetividade e com suas relações intersubjetiva com parentes. Então, duas lógica que às vezes encontra dificultar no diálogo, na interação.
MAURO SERAPIONI (00:06:31) – Mas eu diria que é o problema o no país da Europa do Sul. A participação é um pouco problemática, mas nos últimos anos alguma coisa está mudando. Tendo algumas experiências interessantes.
JORGE CORREIA (00:06:49) – Vamos já falar delas. Eu quero saber tudo. Portanto, aquilo que me está a dizer é que, por um lado, há um sistema complexo, que é o sistema de saúde, que tem uma carga burocrática. No fundo, a uns ele interliga se umas coisas com as outras, os hospitais, com os centros de saúde, os centros de saúde, com os médicos, enfim, há esta, este, no fundo, este novelo burocrático administrativo no no caminho que qualquer um de nós, utente e doente, temos que tentar sobreviver a este emaranhado complexo das cidades modernas e, por outro lado, aquilo que antigamente era mais fácil, hoje é complicado. Hoje uma radiografia, uma TAC, hoje uma cirurgia robótica. Nós, cidadãos, como é que temos instrumentos para conseguir entender e penetrar neste sistema e perceber de lá qualquer coisa?
MAURO SERAPIONI (00:07:38) – É o problema.
MAURO SERAPIONI (00:07:39) – E realmente é lá o problema da informação, o problema da comunicação em prática. Nos últimos anos aumentaram as estratégias. O sistema de saúde abriu algum, algum canais escuta alguma vezes, mas os espaços de participação. Quando falamos de participação? Jorge Falamos de convidar as pessoas a tomar, a participar na tomada de decisões sobre cuidados de saúde. Então, no último ano, uma mudança muito interessante. Aumentaram os espaços de comunicação, mas muita mais informação. O sistema hoje em dia consegue dar muita mais informação, mas ainda limitado. São o espaço de verdadeira participação, ou seja, onde o representante do utente e do e do doente de uma parte é o representante dos serviços do sistema, possam juntos decidir tomar alguma decisões, participar e se ainda ainda pouca coisas temos, sobretudo no país da Europa do Sul.
JORGE CORREIA (00:09:03) – Mas então quer dizer que aquilo que está a definir como comunicação e participação do cidadão não é uma mera conversa retórica em que eu te dou informação do que é que estou a fazer aqui no meu sistema. É, pelo contrário, permitir é abrir a porta a que o cidadão de facto tome decisões sobre o centro de saúde que nós somos servidos.
JORGE CORREIA (00:09:24) – Ou o hospital é um nível muito acima do que simplesmente ser informado.
MAURO SERAPIONI (00:09:29) – Na verdade, como como está falando, há muito discursos sobre participação. Há um grande discurso, muito bonito e muita retórica. Sim, se nós analisamos o plano de saúde de qualquer país do mundo todo, todo falando de participação, envolver o cidadão, mas depois, na prática, o resultado, os resultados, como já falei, são limitados. Então, na prática de de participação verdadeira são ainda incipientes. Tenma, porém, tem algumas experiências interessantes, mas ainda são poucas em relação ao recurso. Em relação ao investimento feitos, os resultados são ainda limitado, Insuficiente, diria, insuficientes.
JORGE CORREIA (00:10:19) – Então e que experiências são essas, professor que tem observado que lhe merecem assim uma nota positiva de que este tipo de experiências estão no caminho certo?
MAURO SERAPIONI (00:10:30) – Bom, nossa, geralmente a literatura fala no campo do sistema de saúde. A literatura fala de país com alta intensidade de participação. Por exemplo, o Canadá é considerado. O Brasil tem uma grande experiência no Brasil e também o Brasil.
MAURO SERAPIONI (00:10:51) – Sim, o Brasil tem um potencial de participação muito grande. O Brasil tem. Tem milhares de conselhos que funcionam ativo e também também no no Reino Unido tem boa prática de participação. Então, e gostaria assinalar que no Portugal, no últimos anos houve muitos progressos, sobretudo a partir do mundo das associações Portugal. As associações, através de um projeto que se tornou famoso, mais participação, melhor saúde, uma rede de associações de doentes conseguiram desenhar, promover una una, um cardápio una, um conjunto de estratégias de participação que foram aprovado na Assembleia Legislativa e depois o mesmo Governo introduziu e colocou na na nova lei, na nova Lei de Saúde. Então, a atividade desta rede de associação foi um grande sucesso. Agora estamos esperando. Infelizmente, o processo foi atrasado pela pandemia. Agora estamos esperando que esta está. Esta lei geral que está já está prevista. Até no estatuto de Saúde está prevista a participação. Fala se de carta de participação. Agora estamos esperando que seja implementados a nível das cinco das cinco regiões administrativa a nível do DO, do Agrupamento de Saúde, etc, etc.
JORGE CORREIA (00:12:35) – Em princípio, o que é que lá está escrito? Que princípios são estes que, no fundo, vão permitir que os cidadãos, através das associações de doentes, das organizações não governamentais, possam participar dentro do sistema de saúde? Que princípios são este? O que é que lá está?
MAURO SERAPIONI (00:12:51) – Reconhece se da importância da de envolver os os doentes e os utentes nos no sistema de saúde. Então esse é um princípio importante. Há, finalmente o reconhecimento. Está escrito dentro da lei. Eu me atrevi a falar que a nova lei de base é uma utopia real, porque realmente introduz elementos inovadores. Respeito a lei de base de 1990. Então é reconhecida. Agora falta a operacionalização. Falta que os diferente na região, administração regional ou lá o agrupamentos e até o Conselhos possam pensar, pensar como abrir novos canais para poder envolver o cidadão. Ou seja, temos que pensar, temos que ser um pouco criativos.
JORGE CORREIA (00:13:55) – Isso fala me.
MAURO SERAPIONI (00:13:57) – De.
JORGE CORREIA (00:13:57) – Uma lei que que é uma lei que é quase uma utopia no sentido de incluir esta participação do cidadão.
JORGE CORREIA (00:14:04) – Desafio então a contar me a sua utopia. No fundo, se isto fosse maravilhoso e a funcionar como deveria acontecer. Como é que. Mauro? Como é que? Como é que montaria este este sistema? Como é que seria? Como é que seria o Portugal mais participado pelos cidadãos na saúde.
MAURO SERAPIONI (00:14:24) – No surto, antes de ser essa, essa importante ação das associações foi muito grande. Agora é importante criar canais institucionalizados. Então não há no agrupamento de Centros de Saúde, existe o Conselho de Comunidade, mas é um importante articulador entre o diferentes poder. Mas tem a pena um representante dos utentes. Então a voz é pequena, Então é importante criar a nível a nível de por exemplo de Unidade de Saúde da família, criar um concelho onde cada dois três meses há um conselho onde será um representante dos utentes junto com os profissionais e junto com o gestor para discutir o problema da comunidade, ou seja lá a esperança é que ela demanda a proposta dos cidadão possa ser analisada, discutida e até incorporada no processo de decisões.
MAURO SERAPIONI (00:15:32) – Esse nível micro a nível de de Unidade de Saúde da Família, depois a nível de de dez de agrupamento, haveria que aumentar o número do representante dos utentes, porque somente um representante a voz é muito fraca. Mas é importante também que existam associações de utentes no território, muitas vezes de acordo com investigações que temos realizado com a Universidade de Coimbra. Temos. Temos observado que às vezes nos em algum território não existe a Associação de utentes. Então, é claro que o acesso não pode envolver um representante. Isso é a nível nacional. Jorge Para. Na verdade existe já um Conselho Nacional de Saúde que na minha opinião está funcionando, está funcionando muito bem e foi reativado em 2016. 2017 agora está funcionando. Eu acho que é uma boa, uma ótima experiência.
JORGE CORREIA (00:16:42) – Estão a gostar do Pergunta simples. Estão a gostar deste episódio? Sabia que um gesto seu me pode ajudar a encontrar e convencer novos e bons comunicadores para gravar um programa que gesta esse subscrever na página e pergunta sempre Pronto, como tem lá toda a informação de como pode subscrever.
JORGE CORREIA (00:17:00) – Pode ser por e-mail, mas pode ser ainda mais fácil, subscrevendo no seu telemóvel através de aplicações gratuitas como o Spotify, o Aplle ou o Google Podcasts. Assim, cada vez que houver um novo episódio, ele aparece de forma mágica no seu telefone e é a melhor forma de escutar a pergunta simples. Ocorre me aqui uma primeira dúvida que tenho. Se num determinado concelho ou num determinado agrupamento de centros de saúde, existe formalmente apenas um representante dos cidadãos? Como é que nós podemos escolher? Imagino que democraticamente, o nosso representante é quem chega primeiro e a quem reclama com uma voz mais forte. E aquele que foi escolhido pelo poder político, Como é que nós podemos legitimamente escolher aquele que é o nosso representante dos concidadãos?
MAURO SERAPIONI (00:17:52) – Jorge, você esta está tocando um tema gigante que eu, aliás, um problema gigante que é o problema da representatividade. Será que os as pessoas escolhidas realmente representam a sua base e a sua comunidade? Esse é um tema gigante a nível internacional, até num país de alta intensidade como o Canadá, Reino Unido.
MAURO SERAPIONI (00:18:19) – No Brasil esse é um problema sério. Forte, porque realmente é um problema, um problema crucial. E esse é um problema que há várias estratégias para para para melhorar a representação. Muitas vezes alguns países, por exemplo, o país da Escandinávia, Noruega, Noruega e Suécia ele tem, ele volta, a comunidade volta, tem uma delegação formal, votam o representante naquele concelhos que se ocupa de problema de saúde. Então essa é uma representação formal, outro países, outro país. Esse, por exemplo, utiliza uma representação estatística tentando lhe fazer uma seleção ou, no campo das associações é muito utilizada o que eles chamam uma representação simbólica. Ou seja, eu não represento estatisticamente a minha comunidade, mas eu conheço. O problema sou eu sou é voluntários e conheço o problema e posso legitimamente representar o interesse da minha associação ou do meu grupo nos últimos anos. Jorge Existe este tipo de representação? Representação simbólica foi reconhecido como uma estratégia importante. Porque estamos falando quando falamos de participar ação falamos de pessoas que trabalham de forma voluntária.
JORGE CORREIA (00:19:59) – Isso não são profissionais, portanto, não são remunerados por ter esse papel numa função de decisão. Estão lá voluntariamente e pelo bem comum e pelo bem dos outros e por isso, de uma maneira ou eleitos ou então reconhecidos pela própria comunidade. Essa pessoa A ou B pode fazer esse papel no fundo de embaixador da comunidade dentro do sistema.
MAURO SERAPIONI (00:20:21) – É exatamente o muito ótimo. A sua palavra embaixador realmente pode representar legitimamente. Então, e.
JORGE CORREIA (00:20:32) – Eu estou a imaginar um representante num centro de saúde português na zona mais micro de prestação de cuidados de saúde e onde existem 5000, 10.000 ou 100.000 utentes numa determinada unidade, em que um utente ou alguém que representa os utentes possa ir lá e dizer à nossa comunidade. Não tem médico de família, 20% das pessoas não têm médico de família e, portanto, eu, em nome da comunidade, quero que haja médico de família. Mas estes problemas são tão grandes e tão difíceis de resolver, como temos visto nos últimos anos, que a opinião do cidadão pode pesar alguma coisa para ajudar a tentar resolver este problema, que é um problema real de um problema de questão de acesso ou de falta de recursos ou de distribuição de recursos no país, porque há zonas que estão muito bem cobertas e outras que não estão.
MAURO SERAPIONI (00:21:22) – Bom, esse é outro. Esse é outro tema interessante o problema da influência, da efetividade, da participação. A pessoa vê se o conselho se reúne, participam, propõem e depois as instituições de saúde não incorporam, não considera lá as propostas. Agora, é claro, tem tema complexo. O Jorge falava a falta de médico. Esse não é um tema que se pode resolver a nível local. É um problema grande, nacional então, mas muitas vezes até problema pequenos. A opinião dos representantes não é não e não é acatada. Eu lembro uma experiência. Sempre lembrei da Itália quando fazia investigação no campo, na Itália, no Hospital Grande Hospital Santa Úrsula, o maior hospital de Bolonha. O cidadão, durante seis, sete meses, se reunia em cada mesa o conselho, o comitê, o Comitê de saúde. Reivindicavam o preço um preço menor de água dentro do hospital. Sete meses para obter uma redução, é claro. Como? Como podemos imaginar, a pessoa se desanima e se afasta, não participa mais.
MAURO SERAPIONI (00:22:47) – Então, esse. Esse é o tema da efetividade. É importante porque está relacionada ao a motivação a participar.
JORGE CORREIA (00:22:56) – Portanto, não basta apenas a retórica da lei, não basta a legítima vontade até de abrir a porta e criar um conselho para discutir a saúde no nosso, na nossa região. Implica também que exista uma vontade de que a opinião do cidadão possa ser integrada no processo de decisão dentro do sistema de saúde.
MAURO SERAPIONI (00:23:20) – Certo? É importante reconhecer, incorporar. A proposta, obviamente será analisada. Tem que ser analisada porque nem toda a proposta são, são viáveis ou não. Agora é importante uma para que? Para que o conselho subcomitê, ou seja, o representante do utente, tenha força. Outro outro elemento importante que agora até não falei é uma boa relação com o movimento e associações no território. Então essa é uma relação importante. Se o conselhos, o representante, tem uma ótima relação com aquele movimento, com aquela associação, então tem mais força. Se não se sabe se é um grupo pequeno, isolado, eu lembro.
MAURO SERAPIONI (00:24:11) – Outra pesquisa, outra investigação que fiz, onde o representante do Profissionais dizia ele, são quatro, quatro, quatro representantes. Como pode representar 200.000 pessoas? Então isso é outra questão. Mas se temos ao redor de nós uma força de um movimento de associacionismo, isso ajuda, ajuda.
JORGE CORREIA (00:24:38) – Portanto, isto é um alerta para que, por um lado, estas associações ou estes cidadãos tenham uma capacidade de atuar em rede e quase de fazer uma diplomacia dentro da sua comunidade. Lá está uma coisa que acontece muito pouco em Portugal. Nós olhamos ir à reunião de condomínio é um Jesus ir votar às vezes e sabe Deus. Portanto, imagino alguém que precisa de congregar as forças e, portanto, fazer alguma diplomacia. Essa é uma parte inicial e depois obter uma legitimidade de outras forças, nomeadamente municipais e da Assembleia Municipal, para conseguir que esses quatro de facto valham mais enquanto representação da comunidade.
MAURO SERAPIONI (00:25:20) – Certo? Precisamos realmente como? Como falaste, de promover uma rede, uma rede onde a associação é movimento e também instituições instituição representantes institucionais que podem ajudar para para para elaborar propostas, para que? Para que esta proposta se torna mais mais viável e pode ser poder ser, poder ter influência nos decisores.
MAURO SERAPIONI (00:25:53) – Então, eu acho que essa é uma importante.
JORGE CORREIA (00:25:57) – Quando nós pensamos no cidadão, por um lado a parte de informação, mas o outro lado é a gestão das expectativas. E por um lado, o cidadão tem dificuldades. O acesso é para mim, aquilo que me salta logo à cabeça. Por outro lado, há as expectativas que é mas estes representantes dos cidadãos também podem ter expectativas, se calhar muito ambiciosas, de que tudo se resolva de uma vez só, da noite para o dia. Como é que é esta tensão entre o sonho, aquilo que eu quero, a minha necessidade e aquilo que é a realidade? É o pragmatismo de um sistema que é muito grande, muito difícil, muito complexo, e que é que se move lentamente, como é normal.
MAURO SERAPIONI (00:26:40) – É interessante também analisar essa relação, que é complexa. É verdade. Na minha experiência eu notei que, por exemplo, falei que geralmente a pessoa que participa como representante são voluntário. Geralmente são o mesmo da o mesmo das associações de doentes que depois participam no conselho.
MAURO SERAPIONI (00:27:08) – Se no comité então a lógica do voluntariado às vezes é isso de obter todo imediatamente tem uma lógica de imediatismo. Podemos falar Na verdade, a saúde é complexa, não é fácil. Tem que ser. Precisa de análise. Então é importante considerar nem sempre ou nem sempre se os representantes. Tem toda a razão. Neste sentido, é importante contemplar duas, duas. Momento importante o momento que eu defino do processo. Ou seja, é importante criar um espaço. Então, é importante que o sistema de saúde abra uma porta ou B. Ou seja, promova canais, comité, conselhos para convidar o cidadão a participar. Então esse é o processo criar um espaço democrático, um espaço deliberativo onde podemos discutir, analisar. Falamos que a saúde é complexa. Esse é o primeiro momento. O segundo momento é o resultado. A participação deveria ter algum resultado, Ou seja, a instituição de saúde deveria, de alguma forma, incorporar pelo menos algumas propostas demandas. Claro, não podem incorporar tudo. Temos que analisar. Nem tudo é viável.
MAURO SERAPIONI (00:28:40) – Temos. Temos limitação econômica, claro. Mas é importante desse momento o processo. Criar uma uma dinâmica, um espaço deliberativo, aprimorar o processo democrático e depois um resultado, esperando que as instituições incorporem algumas propostas do seu representante. E isso motivaria o representante, motivaria e promoveria ainda mais a participação. E agora.
JORGE CORREIA (00:29:09) – Olhando pelo outro lado, vamos olhar para o lado do cidadão. Por um lado, o cidadão quer participar, quer ser atendido naquela que é sua necessidade. Mas, por outro lado, o sistema é verdadeiramente complexo e, portanto, uma coisa é saber eu quero uma consulta ou quero uma cirurgia. Isso é uma necessidade que qualquer um de nós pode sentir. Até porque quando o médico disser que precisamos de uma cirurgia, nós sentimos imediatamente isso. Mas, por outro lado, o sistema é complexo. Estamos nós, cidadãos preparados, temos suficiente literacia, conhecimento, cultura, para poder também contribuir de uma forma positiva para modificar um sistema complexo ou ao cidadão é pedido um pouco menos, apenas dar a sua perspetiva e não contribuir com soluções mais fundas dentro do sistema.
MAURO SERAPIONI (00:30:01) – E realmente, a participação implica um nível de preparação dos dos participantes do cidadão que participa, sobretudo no campo da saúde, que é tão complexo. Então, nesse. Nesse prisma, tem se falado muito em Portugal. Você falou muito da importância da literacia, literacia em saúde e o EU. O Serviço Nacional de Saúde tem trabalhado bastante para promover a literacia em saúde. E é importante porque uma coisa, uma coisa relevante da participação, ela prepara ção do cidadão, ou seja, ele tem que propor para propor, precisa conhecer. Então é importante informar, é importante formar. É importante a literacia em saúde. Pero. Mas não confundimos literacia em saúde com participação. A literacia em saúde é um pré requisitos porque muitas vezes eu ouvi falar de participação de literacia em saúde como sinónimo de participação na literacia. É um pré requisito. Para participar precisamos estar informado, mas não é participação. Participar significa criar um espaço onde podemos decidir alguma coisa junto com representantes do usuário, dos gestores e dos profissionais. Participar na tomada de decisões.
MAURO SERAPIONI (00:31:35) – Esse participação que tipo.
JORGE CORREIA (00:31:37) – De decisões é que um cidadão poderia ajudar a tomar melhor?
MAURO SERAPIONI (00:31:42) – Bom, aí a literatura fala disso, que no O cidadão sobre a questão muito técnica clínica é difícil, mas o cidadão se preocupa muito das relações, a relação com o profissionais, a boa relação, a escuta da informação, o profissional que olha na sua cara, que escuta, ou seja, adota uma estratégia do mundo, da vida subjetiva, intersubjetiva, não adota a lógica da medicina, aquela onde dá aquela aquela linguagem homem solteiro e com aquela linguagem complexa, difícil. Então, o problema da escuta, da linguagem, da informação é se som então o cidadão, o doente, o utente é muito. Kobato se preocupa muito da relação e do acesso também no acesso a facilidade de ter acesso, Ou seja, às vezes o mesmo ministro ativos nos serviços de saúde, às vezes o mesmo ministro, ativos criam barreira de acessos. Então temos que capacitar, formar até a pessoa que trabalha na primeira linha do acesso, no posto de saúde, no serviço.
MAURO SERAPIONI (00:33:04) – Então, essa era essa preocupação do cidadão. Nossa dimensão clínica é difícil, mas complexa.
JORGE CORREIA (00:33:10) – Portanto, no fundo do cidadão, o que quer ser é acolhido, bem recebido, que haja uma empatia que lhe seja explicada, que lhe sejam explicadas as coisas e que, no fundo, ele se sinta uma parte do sistema. Estou a pensar nisso. Por uma razão simples historicamente e antigamente o sistema um sistema de saúde, um hospital, no fundo, tratava nos como um quase um objeto. Anda cá e o trato te volta. A sociedade. A seguir passou nos a tratar como utentes e até um pouco mais tarde, como clientes. Anda cá, eu trato, tu ficas feliz e vais embora. Isto já é um terceiro nível, portanto já não somos um objecto, já não somos bem um cliente, agora queremos ser parte e queremos ser olhados como pessoas para poder participar.
MAURO SERAPIONI (00:33:55) – Exatamente. Queremos, queremos ser, participar como? Como pessoa, sendo utente e não cliente. Porque utente incorpora o direito de cidadania cliente no cliente.
MAURO SERAPIONI (00:34:11) – O direito de comprar o cliente é ótimo para usar nos Estados Unidos, onde tem um sistema privado de saúde, o cliente, o cliente, o consumidor compra o cidadão e o utente só tem o direito de receber o serviço. Então temos que ser tratado como cidadão que tem direito de receber um serviço de qualidade, isso sim que podemos exigir.
JORGE CORREIA (00:34:41) – Na questão da comunicação, obviamente é muito fácil ver. Na questão do acesso também temos acesso, não temos acesso. Mas depois há duas outras dimensões que me interessam. Outra, uma delas é a dimensão da qualidade. Saber como é que eu, não sabendo muito sobre medicina ou saúde, consigo discutir se estou a ser tratado com qualidade ou não estou. Podemos nós, cidadãos, chegar a este nível de discussão?
MAURO SERAPIONI (00:35:08) – Bom, e aí o discurso da qualidade é muito interessante e todo o sistema de saúde tem. No último 20 anos tem trabalhado muito em Portugal, os hospitais têm trabalhado muito o tema, o tema da qualidade, Agora a qualidade. Quando falamos de qualidade, temos que considerar três dimensões a qualidade.
MAURO SERAPIONI (00:35:35) – Técnica profissional, ou seja, aí o cidadão não. Temos sempre a capacidade de compreender a qualidade técnica, se se o diagnóstico ou o tratamento foi adequado ou não. Depois tem a qualidade organizacional, porque a qualidade depende também da gestão. Não podemos atribuir toda a responsabilidade ao profissionais, muitas vezes o gestor mesmo que não, que limita os recursos, etc. E depois? Terceiro, pela qualidade na visão, na perspetiva do utente e aqui seria a qualidade como falamos, onde se relaciona a qualidade, o acesso, a boa relação. Então essas três dimensões para trabalhar uma qualidade adequada para o serviço de saúde, não podemos considerar somente uma delas. Por exemplo, muitas vezes o paciente é sempre satisfeito se analisarmos o questionário, o questionário lá, a preferência do cidadão ou como se chama lá o questionário de satisfação.
JORGE CORREIA (00:36:50) – Estão sempre satisfeitos. Isso é muito estranho.
MAURO SERAPIONI (00:36:52) – Em todo o mundo tem um alto nível, 80 85% estão satisfeitos, embora a prestação não foi ótima. Por quê? Porque não podemos considerar somente uma dimensão.
MAURO SERAPIONI (00:37:06) – Temos que considerar três dimensões a qualidade na perspectiva técnica, organizacional e relacional, na visão do do utente, do do, do doente.
JORGE CORREIA (00:37:20) – E já agora, é fácil fazer boas perguntas num questionário para encontrar as respostas verdadeiras.
MAURO SERAPIONI (00:37:26) – A escala e a metodologia tem um problema metodológico aí. O questionário são. Toda pergunta fechada, geralmente. Então tem uma questão metodológica. É muito, muito, muito estudiosa. Sugere me de utilizar entrevistas, metodologia qualitativa para escutar, perguntar qual foi a sua experiência. Falamos, então essa é uma questão. Tem uma questão metodológica. Mas Jorge tem também outra questão a questão de conteúdo. Que tipo de pergunta? Uma investigação muito atrás, feita no feito feito nos Estados Unidos, demonstrou que o pacientes que saíam do hospital depois de uma cirurgia nunca no questionário de satisfação, nunca tinha perguntado a ele como se sentia depois de sair. O que. Qual era a percepção? Ou seja, não é o questionário são baseado na lógica da instituição. Não entra na lógica da da pessoa que foi que foi internada, que, ou seja, esse o problema.
MAURO SERAPIONI (00:38:48) – Então, resumindo, o problema é de conteúdo, mas também metodológico para fecharmos.
JORGE CORREIA (00:38:55) – Mauro Serapião E como é que o Mauro na sua relação com o sistema de saúde?
MAURO SERAPIONI (00:39:00) – Bom, é muito bom aqui. Aqui em Portugal tenho trabalhado muito bem e temos trabalhado com muito colegas. Temos produzido bastante no tema da da participação. Temos publicado vários artigos.
JORGE CORREIA (00:39:20) – Professor Mas. Mas eu estava, mas eu estava. Eu estava até à procura da sua experiência pessoal enquanto cidadão que vive em Coimbra e que alguma vez tem que ir ao Centro de Saúde, ou tem que ir ou tem que ir ao hospital. Como é que o Mauro, Como? Como? Como cidadão? Não como estudioso, não como um pensador desta, desta área, certo?
MAURO SERAPIONI (00:39:39) – Não, não. Eu tenho. Tenho uma relação, uma boa relação com os serviços de saúde aqui. Aqui em Coimbra tenho lá minha a minha médica de família muito boa. Tenho uma boa relação. Anteontem fui na farmácia, fiz, fiz ela lá, vacinação anti influenza e também fiz outra, outra dose de comida.
MAURO SERAPIONI (00:40:00) – Então tenho. Tenho uma boa relação com o Portugal e nesta fase, apesar da pandemia, ainda está com vários problemas na área. Esse problema Sabe que tem um debate, mas me parece que está melhor do sistema de saúde italiano. O sistema de saúde italiano depois da pandemia e quase está, está no chão. Realmente uma situação, Está quase uma situação muito difícil. O Portugal também está. A pandemia matou todo o sistema de saúde da Europa do Sul. Lá, provavelmente a Espanha resistiu um pouco mais, sei lá, a Espanha, Itália e Portugal mesmo. Mas Portugal está muito melhor da Itália nesta fase. Isso, isso é a minha experiência.