Hoje vamos dançar.
A forma mais natural em que acertamos o nosso movimento ao ritmo dos sons ou até dos pensamentos.
Sim, hoje acertamos os passo na arte humana da dança.
Dos mais talentosos dos bailarinos ao mais descoordenado dos seres.
Eu pecador de confesso. E por isso convidei o actor, coreógrafo e bailarino Bruno Rodrigues para me ensinar sobre o movimento do corpo.
Sou o mais descoordenado dos seres a habitar sobre a terra.
Poderia dizer que tenho dois pés esquerdos, o que até poderia ser elogioso porque até se dá o caso de eu ser canhoto.
Por isso simplifico: não tenho jeitinho nenhum para dançar.
O que me angustia porque o meu sentido de ritmo é bom. Acho eu. Sinto que sim. Ritmo dentro da minha cabeça. Depois os braços e as pernas é que não acompanham. Parecem ter vida própria, lançando no espaço pernas e braços num louco, levemente assustador e definitivamente esquisito movimento.
E um dia conheci o Bruno.
Num evento experimental sobre o movimento.
E aprendi que todos temos uma espécie de biblioteca de movimentos. E nessa biblioteca estão os livros de instruções para nos mexermos. É só ler esses livros. Embora muitos de nós nem sequer nos atrevemos a pegar neles. Nos livros. Nas ancas, rótulas, ombros ou pescoço. Volto ao movimento.
Basta respirar, diz ele, o Bruno, e o movimento aparece naturalmente.
Esta conversa é sobre isso.
Sobre o movimento. Sobre a maneira como dançamos.
Na conversa saberemos como alguém descobre que a sua vocação, como experimenta e aprende sobre a arte da dança.
Hoje é coreógrafo, actor e formador na área do movimento.
Naturalmente falámos da maneira como o nosso corpo fala, como comunica.
E de como a dança pode ser uma ferramenta social de inclusão e partilha.
Aprendi que todos podemos dançar.
E sabemos dançar. À nossa maneira, mas é uma maneira tão certa como qualquer outra. Saia lá daí, da frente do espelho. E liberte-se.
Claro que depois há o bailado, como expressão plástica maior.
A expressão do belo e do sublime.
Afinal o uso do corpo para nos fazer sentir as emoções.
O corpo como espelho da alma.
O movimento e a dança como uma forma universal de nos entontarmos mutuamente.
De olhos nos olhos.
De mão na mão.
Num compasso certo dos pés que seguem num movimento síncrono. Isto nas danças a dois.
Mas também valem os grupos que dançam num concerto.
Ou até aquele que dança sozinho na praia, sem música, apenas ao ritmo dos pensamentos.
E tudo se move. E tudo dança. Até os planetas à volta do sol.
Ou o sentir. Ao ritmo dos batimentos do coração.
O ritmo primordial da dança da vida.
Da Química à Dança: O Início da Jornada
Inicialmente estudante de Engenharia Química, Bruno descobriu a dança por acaso, quando uma colega o convidou a experimentar uma aula. Essa experiência revelou-lhe um novo caminho, onde se sentiu verdadeiramente “em casa”. O que começou como uma simples curiosidade tornou-se rapidamente a sua paixão e carreira. No episódio, ele descreve o momento inicial, numa sexta-feira de outubro, que marcou o encontro com a dança. A sensação de “pertença” era tão intensa que ele a lembra com detalhes, incluindo as cores, os cheiros e a música daquela primeira aula.
A Dança Como Forma de Comunicação e Intervenção
Bruno vê a dança como uma linguagem universal, acessível a todos e não apenas a quem se dedica profissionalmente a esta arte. Para ele, todos dançam a partir do momento em que respiram, pois a base do movimento é a respiração. Ele explora a ideia de que a dança está presente nos pequenos gestos do dia a dia e que cada movimento entre duas poses ou “fotografias” forma uma coreografia única.
O Movimento do Corpo e a Relação com a Identidade
A entrevista toca em questões profundas sobre como o movimento expressa a relação de cada um consigo mesmo. Bruno reflete sobre a relação entre corpo e identidade, afirmando que a maneira como nos movemos espelha a nossa auto perceção e até as nossas cicatrizes emocionais. Para ele, o corpo manifesta tudo o que está “cá dentro”, e cuidar dele é uma forma de cuidar da nossa própria história. Este ponto é enfatizado com um exemplo de um workshop que conduziu com jovens bailarinos cegos, onde observou como o movimento pode ajudar a superar limitações e abrir novas possibilidades de expressão.
Desafios do Teatro Imersivo
Bruno também fala sobre as suas experiências em teatro imersivo, onde os atores e o público compartilham o mesmo espaço físico e a interação vai além da palavra. Um exemplo é o espetáculo “E Morreram Felizes Para Sempre”, realizado no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Neste tipo de teatro, o público movimenta-se livremente entre os atores, e isso exige uma preparação intensa dos performers, que precisam estar preparados para atuar em 360 graus, sem uma “quarta parede” convencional. Bruno partilha como a atenção aos detalhes e a criação de rituais auxiliam os atores a manter-se fiéis às suas personagens, mesmo sob pressão e proximidade do público.
Da Técnica à Emoção: A Expressão Completa do Artista
No final do episódio, Bruno reflete sobre o que distingue um grande bailarino. Para ele, não é apenas a técnica, mas a capacidade de transmitir verdade e autenticidade. Ele defende que o essencial para o artista é “incorporar” o movimento, ou seja, apropriar-se dele de forma única, sem se limitar a copiá-lo. Essa ideia estende-se à sua abordagem ao ensino, especialmente em workshops de curta duração, onde se sente mais à vontade para ajudar jovens e adultos a descobrir o seu potencial criativo, sem a pressão de uma avaliação técnica rígida.
A Observação como Ferramenta de Aprendizagem
Uma das práticas que Bruno destaca é a observação atenta dos movimentos e comportamentos das pessoas em espaços públicos, como praças e estações de metro. Esses momentos servem-lhe de inspiração para criar coreografias que refletem o dia a dia. Ele enfatiza a diferença entre “ver” e “observar”, onde esta última implica uma conexão mais profunda e ativa com o que se analisa. Para Bruno, a observação cuidadosa permite entender a essência do movimento e traz uma nova dimensão para a criação artística.
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JORGE CORREIA 00:00:13 Viva. Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso Podcasts sobre Comunicação. Hoje vamos dançar a forma mais natural em que acertamos o nosso movimento ao ritmo dos sons ou até dos pensamentos. Sim, hoje acertamos os passos da arte humana, da dança dos mais talentosos, dos bailarinos aos mais descoordenados dos seres. Eu, pecador, me confesso, e por isso convidei o ator, coreógrafo e bailarino Bruno Rodrigues para me ensinar sobre o movimento do corpo. Sou o mais descoordenado dos seres que habitam sobre a Terra. Poderia dizer que tenho dois pés esquerdos, que até poderia ser elogioso, até porque se dá o caso de eu ser canhoto. Por isso vou simplificar. Não tenho jeitinho nenhum para dançar, o que me angustia, porque o meu sentido de ritmo é bom, acho eu. Sinto que sim. Ritmo dentro da minha cabeça. Depois os braços e as pernas é que não acompanham, parecem ter vida própria, lançando no espaço pernas para um lado, braços para o outro como um louco levemente assustador e definitivamente promovendo um esquisito movimento.
JORGE CORREIA 00:01:27 E um dia conheci o Bruno num evento experimental sobre o movimento e aprendi que todos temos uma espécie de biblioteca de movimentos e nessa biblioteca estão os livros de instruções para nos mexermos. É só ler esses livros. Embora muitos de nós nem sequer nos atrevemos a pegar neles, nos livros, nas ancas, nas rótulas, nos ombros ou no pescoço. Volto ao movimento. Volto sempre ao movimento. Com livro ou sem livro, Basta respirar, dizê lo. Bruno. O movimento aparece naturalmente. Esta conversa é sobre isso, sobre o movimento, sobre a maneira como dançamos. Na conversa, vamos saber como é que alguém descobre que a sua vocação é dançar, Como experimenta e aprende sobre a arte da dança e do movimento. Hoje ele é coreógrafo, ator e formador na área do movimento. Naturalmente, falamos da maneira como o nosso corpo fala, como comunica e de como a dança pode ser uma ferramenta social de inclusão e partilha. Aprendi que todos podemos dançar e sabemos dançar à nossa maneira, mas é uma maneira tão certa como outra qualquer.
JORGE CORREIA 00:02:31 Saia por isso diferente do espelho e liberte se. Claro que depois há sempre o bailado, a expressão plástica maior, a expressão do belo e do sublime. Afinal, o uso do corpo para nos fazer sentir emoções. O corpo como espelho da alma, o movimento e a dança como uma forma universal de nos entendermos uns aos outros. Viva Bruno Rodrigues, bailarino, ator, intérprete, coreógrafo, professor de dança contemporânea e dança inclusiva. Alguém que decidiu começar por estudar química e acabou a fazer estas coisas da dança e do movimento. Há uma química especial Ou tu achaste que o H2O não era suficiente para te expressares?
BRUNO RODRIGUES 00:03:19 Bem, eu acho que encontrei a dança completamente por acaso, por isso se calhar andava à procura da minha própria química. E não era, não era. Ali, naquela engenharia, encontrei uma outra engenharia, uma outra física, uma outra matemática e e a dança? A dança acaba por surgir completamente por acaso, se calhar até com muita coisa no meu. No meu percurso até profissional, como é que foi esse momento?
JORGE CORREIA 00:03:43 Zero?
BRUNO RODRIGUES 00:03:44 Foi do meio, do nada eu tinha, eu fazia.
BRUNO RODRIGUES 00:03:46 Eu morava em Mafra, estava a estudar no Técnico, na Alameda, em Lisboa, e fazia o percurso diário de autocarro. E havia uma colega minha de autocarro que fazia umas aulas de dança em Mafra e um dia eu acho que para ir em Outubro mais ou menos que me. Que me convida a ir lá experimentar, eu fui. Era uma sexta feira e acho que ainda hoje me lembro e tenho completamente a memória da cor, do cheiro, da música. Era a casa. Eu acho que a sensação que eu tenho daquele momento, aquela sexta feira, é que tinha encontrado a minha casa e e encontrei e encontrei a dança naquela altura e percebi que aquele era o caminho.
JORGE CORREIA 00:04:23 Ainda consigo lembrar do sentimento, do que é, que, do que é que sentiste nesse momento.
BRUNO RODRIGUES 00:04:27 Consigo e vou lá buscá lo várias vezes quando preciso dele.
JORGE CORREIA 00:04:30 Vais lá buscá lo quando é? Quando estás mais em baixo ou quando ou quando precisas de um quase sentir esse momento iniciático?
BRUNO RODRIGUES 00:04:36 Acho que quando preciso de ir buscar esse momento iniciático, porque de repente, quando estás a quando estás a criar, quando está, quando estás a dar tanto, não é porque estás sempre a dar ou estás a dar em aulas, ou em workshops, ou estás a dirigir ou estás a dirigir na companhia.
BRUNO RODRIGUES 00:04:50 Estás sempre para dar imenso de ti e às vezes precisas ir buscar quase a lembrança da razão Porque é que tu estás lá? Porque é que estás aqui? Porque é que a dança é aquilo? E porque é que. Porque é que tu continuas a precisar deste alimento e porque é que a.
JORGE CORREIA 00:05:05 Dança é para ti? Isso o que é? O que é que. Onde é que está o click? Onde é que está o? Onde é que está essa fundação?
BRUNO RODRIGUES 00:05:13 Sabes que eu acho que a dança é a forma que eu encontrei? Ou que sim, que eu encontrei de intervir no mundo. E esta é a minha forma.
JORGE CORREIA 00:05:23 É uma boa desculpa como outra qualquer. Tu decidiste que assim é que é e eu vou fazê lo.
BRUNO RODRIGUES 00:05:27 É que é o meu lugar e que são os meus e que é o meu espaço e que é a forma com que eu consigo, que eu consigo sentir me realizado, quer na relação comigo, quer depois também na relação com o outro. A criação deste espaço artístico através do corpo, mas, mas nunca sozinho.
BRUNO RODRIGUES 00:05:45 Sempre com. Com muita gente.
JORGE CORREIA 00:05:48 Olha, eu quero obviamente falar contigo. Dessa vez, o uso do movimento e da dança de uma forma avançada lá está, no teatro, na coreografia, no bailado. Quero falar sobre isso, mas quero começar pelo mais básico Nós, os desgraçados que nasceram com dois pés esquerdos e que são claramente trôpegos nesta arte da dança, movimento ou dança. Há alguns que nasceram para dançar e outros que é melhor ficar sentados aí nessa cadeira e observar os outros.
BRUNO RODRIGUES 00:06:18 Todos nós, a partir do momento que nascemos, dançamos. Porque se entendermos a dança como ela, ela começa a surgir através da respiração. É a base. A base da dança é a respiração. A base do movimento é a respiração. Por isso estamos aqui, estamos vivos, estamos a dançar e estamos a movimentar. E de repente isso é tudo muito simples. Por isso todos nós movimentamos e dançamos. E depois a dança é que é o espaço que está entre duas imagens. Há uma imagem especiais de uma fotografia e depois aqui tiras outra fotografia e a dança.
BRUNO RODRIGUES 00:06:50 E isto é isto tudo que se passa desta fotografia, até aquela fotografia, e depois a outra, a outra, a outra. E de repente constrói se uma dança, constrói se uma coreografia. Mas. Mas todos nós temos essa capacidade, a capacidade do movimento desde sempre.
JORGE CORREIA 00:07:04 Então e porque é que lá está? Porque é que nós, quando nos olhamos ao espelho, olhamos aos outros, decidimos até socialmente, que aquilo é um desengonçado ou uma desengonçada? Lá está, os homens calhar mais desgraçados que ainda são mais desengonçados do que do que se calhar mulher. Ou é um preconceito meu.
BRUNO RODRIGUES 00:07:21 Eu acho que é tempo demais para pensar em coisas que não interessam. Mas não. Mas esta ideia eu acho que é muito. Há muito preconceito. E há. E se formos mesmo, há esta ideia do preconceito e a ideia de o que é que é a dança, o que é que não é dança, nem o que é que é movimento, o que é que não é movimento? E se formos ao mais básico, ninguém põe a hipótese de não saber desenhar.
BRUNO RODRIGUES 00:07:44 E se pedires a alguém para desenhar ela, A pessoa pode dizer que não sabe pintar, não tem jeito, mas faz. Em relação ao movimento e ao em relação à dança, porque mexe muito mais contigo. Não é uma coisa tão exterior, é o teu próprio corpo. Implica já uma relação contigo e com o teu próprio corpo. Há algo que te afasta um bocadinho mais e eu acho que passa muito, muito, muito por esse lado de uma pré imagem, de um preconceito.
JORGE CORREIA 00:08:12 Mas tem a ver com como nós estamos lá está, estamos lá, fazemos, fazemos parte. Pode ter menos a ver com o movimento e mais a ver com a nossa relação ou com a nossa má relação com o nosso corpo, com o espelho.
BRUNO RODRIGUES 00:08:27 Sim, acho que sim. Claramente com o espelho, com o espelho ou sem ela, ou com a imagem que tu tens de ti próprio.
JORGE CORREIA 00:08:35 Olha, eu lembro me de ter tido a sorte. Fui ver te primeiro lugar numa peça de teatro inclusiva em que os atores não estão lá no palco, nem nós sentados em cadeiras ou em poltronas na plateia.
JORGE CORREIA 00:08:51 Não estamos no meio dos dedos dos autores, dos atores.
BRUNO RODRIGUES 00:08:55 Desculpem, então. Peça de teatro imersiva, imersiva, inclusiva. E a outra parte Vamos embora então.
JORGE CORREIA 00:09:00 Desculpa. Também quero falar sobre isso. Porque? Porque tu trabalhas com crianças com necessidades especiais. Eu também quero falar sobre isso nessa peça de teatro imersivo em que nós e morreram felizes para sempre É o título de 2015. O tempo Passa, em que estamos no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, dois pisos em que estamos a correr atrás dos dos atores e, no fundo, a sentir e a fazer esta. Está a ver este movimento quando nós próprios estamos a movimentar nos e eu olho para aquilo e digo assim estes atores estão aqui, não falam não, não estão aqui verbalmente a comunicar comigo. Todavia, o movimento é suficiente para produzir comunicação com pessoas que ali estão e que e que chegaram ali a 15 minutos. Como é que se faz isto?
BRUNO RODRIGUES 00:09:46 Acaba por ser todo o trabalho, neste caso, no empurrão. Felizes para sempre.
BRUNO RODRIGUES 00:09:52 Há um trabalho muito grande da construção da própria personagem e depois procurar toda a expressão corporal característica da personagem. E depois, em determinado teatro psicológico que exista em determinada cena. E aí tu vais buscar. Neste caso, vais descer aos anos 40. Não é que era a altura em que se passava a peça? Vês imensos vídeos tuas, imensas fotografias e vais começar a procurar o que é que é. Também, por exemplo, pensa o tempo, o tempo é um tempo diferente. Não é o tempo dos anos 40 ou o tempo dos anos 21, tempo completamente diferente do tempo de agora, que é um tempo muito mais acelerado. E então é começares a procurar o que é que é essa característica do corpo performático ou do corpo do ator, do corpo da personagem e depois encontrares. Nós corríamos um guião todo por isso eu, eu enquanto Afonso, na altura, na peça morreram felizes para sempre. Havia um guião que eu corria todo para conseguir estar. Durante, Durante a peça toda, completamente dentro da personagem.
BRUNO RODRIGUES 00:10:55 Porque um dos enormes desafios destas peças de teatro imersivo é que, para além da dimensão, são peças sempre com uma grande dimensão, mas também que onde o público pode escolher aos visitantes, como eu prefiro, prefiro chamar do que o público. Neste caso, pode escolher à distância que vê a cena e isso faz com que tu, enquanto performer, estás a trabalhar sempre sobre 360 graus, porque tu podes ter uma pessoa atrás de ti, outra à frente e enfim, infinitas câmaras ou multi câmara também muito ligado quase ao cinema. Por exemplo, há aqui um jogo.
JORGE CORREIA 00:11:34 Como é que tu te preparas para este tipo de trabalho?
BRUNO RODRIGUES 00:11:39 Em espetáculo? Eu sou eu. Para preparação do espetáculo tenho muitos rituais.
JORGE CORREIA 00:11:44 Então.
BRUNO RODRIGUES 00:11:44 Mas são rituais que construo, construo muito de acordo com a personagem da altura. Durante todo o processo criativo, há pequenas coisas que me vão ajudando a chegar à personagem, agarrá la no momento certo.
JORGE CORREIA 00:11:57 Mas isto, por exemplo, tu tens um guião, tens uma coisa escrita em primeiro lugar do que é que, do que é que é suposto fazer, do que é que é suposto estar.
BRUNO RODRIGUES 00:12:04 Neste caso está tudo escrito, tudo escrito, tudo, tudo está escrito. O que tu sentes, o que não sentes, o que é que é, qual é que é o background, porque é que estás a reagir determinada, porque o que é que se está a passar, Porque estas peças de teatro imersivo são completamente um reflexo do que é que é a vida real, não é? Nós estamos aqui agora a gravar, não sabemos o que é que se passa aqui na sala do lado, nem na outra lado, mas tudo acontece exactamente ao mesmo tempo. Então o que permite ao visitante é que podia entrar agora nesta sala e assistir esta conversa. Eu podia ir ali ao lado e assistir. Ele podia fazer o seu próprio filme, a sua própria realidade, a possibilidade de construirmos a nossa própria realidade. Mas nós aqui somos completamente independentes, ou se calhar não. Do que está a passar em ambas as salas e as peças de teatro acaba por ser acaba por ser isso mesmo. A minha necessidade de ter alguns rituais é muito para eu conseguir chegar, chegar ao sítio onde eu também estou seguro.
BRUNO RODRIGUES 00:12:56 Porque é muito desafiante e muito desafiante. A proximidade com o próprio público, a proximidade.
JORGE CORREIA 00:13:02 Física, a.
BRUNO RODRIGUES 00:13:03 Proximidade física. Sim, e porque é o tempo de reacção? Porque depois nós temos timings muito curtos de ajuste. Não morreram. Eu acho que tínhamos mais ou menos um timming à volta dos seis 7/2 de ajuste. Para quê?
JORGE CORREIA 00:13:20 Para sincronizar. Porque em todas as salas está a acontecer coisas diferentes.
BRUNO RODRIGUES 00:13:23 A acontecer está sempre tudo a acontecer. Como é.
JORGE CORREIA 00:13:25 Que? Como é que isso se acerta? Como é que isso sincroniza esse. Essas salas todas em que estão a acontecer coisas porque as.
BRUNO RODRIGUES 00:13:31 Cenas estão todas marcadas. Tudo o que se passa no teatro imersivo, neste caso, morreram. E agora? E agora? Na morte do Corvo, que ainda.
JORGE CORREIA 00:13:38 Está em cena, já.
BRUNO RODRIGUES 00:13:39 Está em cena em.
JORGE CORREIA 00:13:39 Lisboa, junto do de Da.
BRUNO RODRIGUES 00:13:42 Estrela, no antigo Hospital Militar da Estrela. Estreámos em Janeiro 23 e ainda continuamos em cena. Sim, e.
JORGE CORREIA 00:13:49 Quando digo isto por semana, quantas vezes é que tu repetes o.
BRUNO RODRIGUES 00:13:53 E no início nós criamos de quarta a domingo. Agora a peça está em cena desde março, às sextas e sábados.
JORGE CORREIA 00:14:03 Sendo que tu, nesta peça não és só participante ator, és também coreógrafo. Portanto, cabe te ser o arquitecto.
BRUNO RODRIGUES 00:14:12 Um dos mundos.
JORGE CORREIA 00:14:13 Um dos quantos, quantos arquitetos e que tem.
BRUNO RODRIGUES 00:14:15 Somos muitos. Eu acho que toda, toda a equipa artística e todos os atores, todos os criadores, bailarinos, sons acabam por ser muito arquitetos. Toda a.
JORGE CORREIA 00:14:23 Gente participa.
BRUNO RODRIGUES 00:14:24 Toda a gente participa no processo criativo.
JORGE CORREIA 00:14:26 Quem é que dá ordem ao caos?
BRUNO RODRIGUES 00:14:27 A isso, Depois alguém tem que decidir, não é? Mas eu acho que é muito. É um processo muito democrático. Acima de tudo, há uma noção de qual é que é o caminho. Tu queres fazer? Qual é que é a estética também? E depois também eu tive a sorte, não é? Eu fui apenas interno e morreram felizes para sempre. Em 2015, entre 2015 e 2022, quando quando o corpo começa a ter a ter ensaios, muita coisa se passou.
BRUNO RODRIGUES 00:14:57 Até uma pandemia se passou, não é? Mas, mas muita coisa se passou e também também eu próprio fui tendo alguma formação fora e tentando mergulhar muito mais de ter acesso. Assistira muito mais, muito mais peças de teatro, teatro ou experiências imersivas. O que me leva quando eu entro para fazer direção coreográfica com a encenação da Ana Padrão? Já tinha também uma ideia muito concreta dos dois lados. Ou seja, por um lado eu estava à procura do lado da direção coreográfica, mas eu tinha a experiência do intérprete e acho que a experiência do intérprete eu tinha tido em 2015, que foi extremamente Rica tornou me mais consciente do caminho que eu queria levar. Os atores e os bailarinos nesta peça como um dado seguro.
JORGE CORREIA 00:15:44 Mas como é que se sabe que estavas a dizer me que que o que o guião no fundo te pode dar uma linha guia para tu estares mais seguro? Não há espaço para o improviso.
BRUNO RODRIGUES 00:15:59 Há espaço para o imprevisto, para o imprevisto, para o imprevisto. Há espaço. Mas se tu não tiveres muito seguro naquilo que estás a fazer, completamente consciente, neste caso, na morte do Corvo, Eu sou Mário de Sá-Carneiro.
BRUNO RODRIGUES 00:16:16 Tem um perfil psicológico muito, muito difícil, mas muito apetecível também.
JORGE CORREIA 00:16:22 Basta ler a poesia de o fazer.
BRUNO RODRIGUES 00:16:25 Foi um filme, foi uma ótima descoberta. Foi assim um presente ter feito assim aquele O Mário. O que é que tu.
JORGE CORREIA 00:16:32 Descobriste com Mário de Sá-Carneiro?
BRUNO RODRIGUES 00:16:35 Descobri muitas ligações comigo. Acho que Mário de Sá-Carneiro tinha. Teve uma vida muito cheia, muito cheia. E tenho pena que ache que é que é um convite também, que se conheça mais de toda a escrita de Mário de Sá-Carneiro. Que é que é incrível? E depois tem um lado também de algum fascínio. Há um misto no mar e um fascínio muito grande pela vida, por uma vida altamente colorida. Mas depois, do outro lado, há uma vida muito mais a preto e branco.
JORGE CORREIA 00:17:11 Ele é um experimentador, por um lado para para fora e dentro. É alguém que claramente está ali a remoer.
BRUNO RODRIGUES 00:17:18 Muita coisa, a tentar processar muita.
JORGE CORREIA 00:17:20 Coisa. Funciona assim também. Olha, isso interessa me porque tu expressas te primordialmente com o movimento e eu fico sempre a pensar até que ponto é que o movimento pode expressar emoções complexas de uma forma mais fácil ou mais difícil que as palavras.
JORGE CORREIA 00:17:42 Quando um amigo nosso está a passar um momento difícil e que nós, quase ao invés de falar, pomos lhe assim a mão sobre o ombro, quase. Mas não sabemos.
BRUNO RODRIGUES 00:17:52 Como é que ele vai reagir. E às vezes esse espaço também. O corpo, o corpo, o corpo manifesta o corpo manifesto tudo o que está cá dentro, a tudo o que se passa cá dentro. E ele manifesta a. Há uns anos atrás, num projecto que eu estava, estava a acompanhar com a companhia que eu faço, com a direção que é que é a companhia de dança. E na altura tínhamos cá uma coreógrafa do norte da Europa, não me recordo agora do país e estamos a iniciar um projecto que envolvia principalmente bailarinos cegos. Por isso bailarinos, norma visuais e bailarinos cegos. E ela estava cá, estava a dar um workshop. Estávamos a fazer uns primeiros workshops muito experimentais em Lisboa e eu lembro me de uma, de uma de uma jovem. Eu acho que estaria na altura de cá, há uns 14, 15 anos, que entra no estúdio para ir para o workshop e tinha um corpo, se calhar mais mais duro que alguma vez vi na minha vida.
BRUNO RODRIGUES 00:19:01 E eu já trabalhei com pessoas adultos, jovens, séniores e pessoas com e sem deficiência. Ou seja.
JORGE CORREIA 00:19:07 O que é um corpo duro.
BRUNO RODRIGUES 00:19:09 Rígido e rígido, quase como se fosse uma espécie de uma carapaça de uma tartaruga.
JORGE CORREIA 00:19:14 É uma negação do movimento.
BRUNO RODRIGUES 00:19:16 Tinha acabado de chegar há duas semanas. Wow! Estamos a falar de uma adolescentes há seis anos.
JORGE CORREIA 00:19:23 Portanto estamos a falar de uma pessoa para quem quase que a vida acabou duas semanas antes.
BRUNO RODRIGUES 00:19:28 Não, não acabou. Não, não. Aquela vida que ela conhecia transformou se. E era.
JORGE CORREIA 00:19:34 Rígida. Era rígida ou estava rígida?
BRUNO RODRIGUES 00:19:36 Estava rígida na altura. Porque tem a ver com esta ideia da protecção? Por isso é que eu acho que é interessante este exemplo, porque esta ideia de o teu corpo realmente é o protesto. Ele manifesta tudo o que tudo o que se passa cá dentro e o que nós fazemos muitas vezes é o que se passa com todos nós e que tu consegues observar na rua, em todo o lado, essa camuflagem que se passa muito.
BRUNO RODRIGUES 00:19:59 A primeira conversa que estávamos a ter não é a ideia do espelho e agora muito. O que se está a passar cada vez mais é esta construção desta camuflagem. Tentar a tentar pintar de uma outra cor o corpo, tentar com que o corpo tenha, traduza para fora e faça uma tradução diferente daquela que realmente está a passar lá dentro.
JORGE CORREIA 00:20:20 Mas de alguma maneira nós fazemos isto da maneira como nos pintamos, da maneira como nos pintamos, como nos situamos nos brincos que podemos usar. Tudo isso é nosso ornamento. Amo nos fisicamente e psicologicamente.
BRUNO RODRIGUES 00:20:34 Mas quando passamos por alguma questão muito dura na nossa vida, todos nós sentimos que o nosso corpo acontece alguma coisa. Há uma.
JORGE CORREIA 00:20:41 Cicatriz.
BRUNO RODRIGUES 00:20:42 A que depois cabe nos a nós tentar curá la.
JORGE CORREIA 00:20:47 E fazer alguma coisa, fazer alguma coisa. O que é que podemos fazer?
BRUNO RODRIGUES 00:20:50 Cuidar dela? Cuidar do corpo? Como é dele? Gostar dele. Aprender a gostar do nosso corpo.
JORGE CORREIA 00:20:57 E nós? É curioso, mas sinceramente, não sei. Vamos lá, Vamos a isso? Como é que é isto? Sinceramente, Quer dizer que aqui falámos de Mário Sá-Carneiro? Há uma arte do fingimento em que nós escondemos o nosso corpo ou a nossa alma dentro do nosso corpo e não somos honestos com o corpo.
BRUNO RODRIGUES 00:21:14 Eu acho que nós não. Quer dizer, eu até acho que nós não somos honestos. Muita coisa somos. Só nós construímos. Saltamos de Mário para a pessoa, não é? Todos nós temos imensos heterónimos entre nós. Quer dizer, não acho que seja sempre só apenas uma coisa e até nos adaptamos. Não temos, se calhar o génio que tinha pessoa, mas nos vamos adaptando e somos nós. Somos várias pessoas e somos nós.
JORGE CORREIA 00:21:39 Somos no nosso emprego, nós somos em casa, nós somos com nossos amigos. Faz parte, faz parte. E isso lá está, isso faz parte da coreografia da vida.
BRUNO RODRIGUES 00:21:47 Claro que faz parte e torna nos muito mais ricos também. Essa capacidade que nós temos de nos adaptar. Agora, a partir do momento em que essa adaptação é quase uma imposição, aí começa a ser uma imposição do teu próprio corpo, tu com o teu próprio corpo, porque queres construir aquela imagem? Só porque sim. Quando as coisas na vida começam a ser só porque sim, Nós, nós, enquanto pais, não tínhamos muito esta ideia do só porque sim, porque sim e porque não, Porque é que? Porque não? Porque as coisas na vida não podem acontecer só porque sim.
BRUNO RODRIGUES 00:22:20 Elas têm que ter um propósito qualquer. E é esta construção, este cuidar de, este cuidar do teu corpo. Ele tem de acontecer. Porque? Porque o corpo precisa nesta nesta atenção ao próprio corpo. Claro que eu faço imensas coisas que não devia fazer ao próprio corpo. Não sou nada, nem nem guru, nem sou o máximo cuidador do corpo, nem super organizado, maltratado.
JORGE CORREIA 00:22:40 O teu corpo.
BRUNO RODRIGUES 00:22:41 Também faz parte, mas também faz parte, claro.
JORGE CORREIA 00:22:45 E é uma forma de viver.
BRUNO RODRIGUES 00:22:47 É maltratado de repente. Agora vou me aqui, vou saltar, vou fazer. Não, acho que não tenho. Se não tenho aqueles cuidados, se calhar que toda a gente pensa que os bailarinos poderão ter ou que comem todos muito bem, ou que não bebem café, ou que não faz isto, não faz aquilo. Eu acho que a grande diferença eu tinha, eu tinha. Engraçado, tinha um um osteopata na altura na Escola Superior de Dança, isso não me lembro. Acho que ele também também era osteopata de uma grande de uma grande equipa de futebol.
BRUNO RODRIGUES 00:23:17 E ele falava muitas vezes das grandes diferenças entre os bailarinos e os futebolistas, neste caso os atletas de alta competição. E porque nós somos atletas de alta competição, mas não queremos perder o lado boémio da vida, porque esse lado boémio da vida dá nos também. Dá nos estas possibilidades depois de estar no mundo real e criar. Nós não queremos ser máquinas.
JORGE CORREIA 00:23:40 Tu precisas de ter uma biblioteca de livros que lês na vida lato sensu. Precisas de estar, precisas de fazer uma noitada, precisas de beber uns copos, precisas de estar com pessoas que é completamente contraditório com aquilo que é A tua necessidade como bailarino profissional de ter um corpo não é? Informe bastante mais do que informa.
BRUNO RODRIGUES 00:24:00 Sim, mas eu preciso do resto. Tudo o resto é esta balança. Como é que?
JORGE CORREIA 00:24:04 Como é que lida com esta contradição dos termos fases?
BRUNO RODRIGUES 00:24:08 Se calhar depois aquela fase a seguir ao Verão é terrível, mas é terrível para mim, é terrível para toda a gente. Só que eu começo com o ensaio e passado duas semanas aquilo tem que estar impecável, pronto e que há várias coisas que se pode tentar fazer, mas depois é correr e correr contra o tempo.
BRUNO RODRIGUES 00:24:24 Pronto.
JORGE CORREIA 00:24:26 Volto a ao mundo dos normais, aqueles que não sabem dançar ou aqueles que sabem dançar e até dançam muito, muito bem. Há um truque para para aperfeiçoarmos a nossa arte da dança a um ritmo, a uma ou depende apenas lá estado da nossa alma e da nossa reinterpretação do nosso movimento?
BRUNO RODRIGUES 00:24:49 Eu acho que depois, se queres, se vais optar profissionalmente ou vais tornar as coisas mais sérias, não estou a.
JORGE CORREIA 00:24:56 Pensar o mesmo para as pessoas que se querem divertir.
BRUNO RODRIGUES 00:24:58 A divertir, é só divertirem se esta palavra certa.
JORGE CORREIA 00:25:01 Não pensar muito sobre isso.
BRUNO RODRIGUES 00:25:02 E deixar ir é ótimo. Ponham os phones e dancem no meio da rua como apetece. Olha, acho.
JORGE CORREIA 00:25:09 Que as pessoas, mesmo quando não estão a dançar, estão sempre a interpretar uma canção qualquer xD.
BRUNO RODRIGUES 00:25:14 Acho que sim e acho.
JORGE CORREIA 00:25:16 Como é que é a tua música, Como é que é a tua canção? Como é que.
BRUNO RODRIGUES 00:25:19 De manhã é assim que aquilo tem que ser? Tem que bombar imenso. Tem que acordar e precisa que a música toda que acorda.
JORGE CORREIA 00:25:26 O mau.
BRUNO RODRIGUES 00:25:26 Acordar. Adoro música popular quando quero ser assim completamente mais parvo e é óptimo e sem problemas nenhuns, sem ser esta coisa pseudointelectual que de repente não Ou.
JORGE CORREIA 00:25:39 Wagner e Chopin?
BRUNO RODRIGUES 00:25:40 Ai não pode ser. Há espaço para tudo. É óptimo. Adoro santos populares como depois de repente adoro ir a um bom concerto de uma fantástica orquestra. E há espaço para tudo isso Tudo preenche me também, não é? Ao veres ou veres um espetáculo que é altamente conceptual ou veres uma coisa que já tem uma dramaturgia que tu já já te identificas mais que tudo isso e tu e tu vais beber imenso e muito mais do que selecionar o que gostas ou o que não gostas, Porque acho que a vida é muito mais do que tu dizeres gosto disto ou não gosto disto. Acho que isso tu dizes em relação à comida. Gosta de um bife? Não gosta de bife? Pronto, está feito a conversa.
JORGE CORREIA 00:26:16 São as pessoas que a gente diz Eu gosto mais desta pessoa, Não gosto tanto daquela.
BRUNO RODRIGUES 00:26:20 Mas mesmo assim.
JORGE CORREIA 00:26:21 É a primeira impressão.
BRUNO RODRIGUES 00:26:22 E a primeira impressão. Porque? Por que é que tu não gostas ou não gostas? É uma.
JORGE CORREIA 00:26:25 Boa pergunta.
BRUNO RODRIGUES 00:26:26 Porque é que? Porque de repente nós dizemos eu não gosto, não gosto daquela pessoa, Mas porquê?
JORGE CORREIA 00:26:31 Aborrece me? Não me identifico com ela.
BRUNO RODRIGUES 00:26:32 Porquê? Porque é que eu não me identifico com ela? O que é que me aborrece nela?
JORGE CORREIA 00:26:35 Mais uma vez temos um espelho. E achas que isto pode funcionar assim?
BRUNO RODRIGUES 00:26:41 Talvez, talvez possa funcionar.
JORGE CORREIA 00:26:43 Como nós somos demasiado rápidos a colocar.
BRUNO RODRIGUES 00:26:45 Começa a andar tudo muito à volta do espelho. Isto é para uma dos bailarinos que passamos a vida toda a olhar para o espelho, que é para.
JORGE CORREIA 00:26:52 Treinar. Sim, para o bem e para o mal.
BRUNO RODRIGUES 00:26:54 Que é muito mau no início.
JORGE CORREIA 00:26:56 E tu és um super perfeccionista o. O programa este Para teres tolerância para ti próprio.
BRUNO RODRIGUES 00:27:05 Eu tenho que ter o controlo. Não acho que seja super perfeccionista no sentido de ter as coisas todas muito certinhas. Mas eu quando tô em cena tem que ter.
BRUNO RODRIGUES 00:27:15 Tenho que sentir que estou altamente. Encontrou e encontrou. Faz com que, mesmo nos imprevistos, eu tenho o imprevisto controlado. Se isto faz sentido e o.
JORGE CORREIA 00:27:24 Teu corpo não fica rígido com essa, não consegues fazê lo de forma natural.
BRUNO RODRIGUES 00:27:29 Mas também pode ter a ver com o meu próprio percurso do estudo da dança. Ele é meio meio atabalhoado, se calhar porque não é o percurso. O facto de eu ter começado aos 19 comecei logo na dança contemporânea. Não percebia absolutamente nada de dança e vou em Mafra, onde fui o primeiro rapaz a dançar com 19 anos, num ambiente familiar que não estava ligado à cultura. Também tens que combater isso.
JORGE CORREIA 00:27:58 E a tua família, Como é que reagiu?
BRUNO RODRIGUES 00:28:02 Isso era uma grande conversa.
JORGE CORREIA 00:28:04 Tu pensar que não nos olhamos.
BRUNO RODRIGUES 00:28:06 Foi um processo, eu acho, como acho que acho que é um processo. Estamos a falar completamente de porque.
JORGE CORREIA 00:28:13 Agora é fácil. Quer dizer, tu és.
BRUNO RODRIGUES 00:28:14 Agora e mais.
JORGE CORREIA 00:28:16 Famoso, tens sucesso, portanto provaste o teu ponto.
JORGE CORREIA 00:28:20 Já não há nenhuma, nenhuma discussão quando se calhar em Mafra, aos 19 anos, a malta dizia tu vai mas a tirar um curso, vai ter um emprego a sério. E a verdade é que.
BRUNO RODRIGUES 00:28:28 Eu terminei a engenharia Química. Mesmo estando a dançar. Eu senti que tinha que cumprir aquela obrigação para com os meus pais, para.
JORGE CORREIA 00:28:35 Ganhar espaço também.
BRUNO RODRIGUES 00:28:37 Também para ganhar espaço. Mas porque? Eu já tinha a certeza. E quer dizer, quando a minha mãe ouvir isto, eu já tinha a certeza é que é durante e durante alguns períodos. Eu comecei mesmo a deixar muito mais engenharia química para trás e a apostar muito mais na dança. E isso fez com que também tornou me. Eu comecei a gerir muito melhor o meu tempo. Como eu queria mesmo acabar a engenharia química e queria acabar aquilo rapidamente, porque eficiente e altamente eficiente.
JORGE CORREIA 00:29:07 Olha como é que foi o primeiro espetáculo, momento em que tu, a tua ti. Lá na plateia não estavam os ilustres anónimos, mas estavam os teus pais.
BRUNO RODRIGUES 00:29:18 E se por acaso eu tive extremo numa apresentação de escola na Vogue nesse ano, em dezembro, uma apresentação de Natal das próprias escolas. E na altura senti completamente que os meus pais não sabiam bem o que é que eu estava ali a fazer. Mas lembro me. Lembro me do primeiro espetáculo de todos, aquele que eu considero o dia em que me estreei a 3 de dezembro de 2003, no auditório da Culturgest. Vamos lá.
JORGE CORREIA 00:29:51 Como é que estava o teu estado de espírito?
BRUNO RODRIGUES 00:29:53 O meu estado de espírito estava em pânico. Eu estava em pânico. O Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa. Aquilo era um espetáculo gigante, com imensa gente. Chamava se Singular e da Companhia da Amálgama, Companhia de dança que era, que era a companhia que tinha A direção estava sob a direção da minha professora de dança, onde eu tive a sorte completamente a sorte, porque fui me aproximando, fui entrando dentro da companhia, fui estando ali à mão e um mês antes um dos bailarinos não vai fazer a peça e eu estava ali e foi sorte.
BRUNO RODRIGUES 00:30:29 E estava ali. Estava ali tão perto. Porque não? Estreei me com bailarinos. Tinham acabado de sair do Conservatório da Escola Superior de Dança e eu era um miúdo completamente que vinha de uma escola de Mafra, a que fazia aulas de ballet porque não havia aulas para a minha idade, com crianças de seis, sete, 8 e 10 anos com criancinhas. Eles também começavam pela cintura. Como é que se.
JORGE CORREIA 00:30:51 Agarra esse touro pelos cornos?
BRUNO RODRIGUES 00:30:54 Tem que se agarrar. Eu não tinha outra hipótese. Eu não tinha outra hipótese. Quer dizer, eu aprendi as posições e isto é uma coisa mais estranha. Mas eu aprendi as posições do ballet. Comprei o livro da Anita, da Anita vai ao ballet. E foi através da Anita do ballet, quando diziam a primeira posição e a segunda posição que eu me lembrava das posições dos braços, as posições dos pés e aquilo. E a sede era tanta. Sabe aquela ideia, A vontade de ir ao pote? Há um provérbio qualquer relacionado com isso. Eu tinha realmente sede e sabia que tinha 19 anos na altura, ou 20 ou 21.
BRUNO RODRIGUES 00:31:28 Como eu não tinha muito tempo.
JORGE CORREIA 00:31:30 E ou vai ou racha.
BRUNO RODRIGUES 00:31:31 Era, foi mesmo. E aquele lugar, Aquele lugar. Quando entrei naquele estúdio, eu sabia que aquilo.
JORGE CORREIA 00:31:39 É quase um salto de fé. Tu no fundo diz assim eu nasci para isto e agora? Agora tenho que fazer, tenho que andar para fazer.
BRUNO RODRIGUES 00:31:46 Eu tinha a certeza que era aquilo.
JORGE CORREIA 00:31:48 E depois, no fim, como é que? Como é que foi a conversa com os teus, Com aqueles que te conhecem bem?
BRUNO RODRIGUES 00:31:54 Acho que foi uma conversa aos poucos. Acho que é uma. É uma questão de adaptação que demorou muito, demorou, demorou anos. Mesmo. Depois de eu fazer o técnico, eu nunca exerci. Comecei a que comecei a receber, a receber os meus ordenados através de sempre da dança e a dar aulas e a fazer as coisas todas. Mas é como se houvesse ainda, durante os primeiros anos, muito. Aquela ideia de mas sabes, se calhar ainda tens aqui este curso. Podes fazer algumas explicações de Matemática e Físico-Química.
BRUNO RODRIGUES 00:32:28 Foi ótimo, foi ótimo. Fez com que eu depois pudesse estar a dedicar me completamente a dança, então dava explicações cedíssimo e depois ia dançar. Mas havia sempre esta coisa aqui nesta voz da mãe que de repente olha, mas sabes que tens aqui esta mais segura.
JORGE CORREIA 00:32:40 Olha que se isso correr mal tens aqui um animal.
BRUNO RODRIGUES 00:32:42 Tens isto aqui.
JORGE CORREIA 00:32:43 Uma tábua para te agarrares.
BRUNO RODRIGUES 00:32:45 Agora esta distância não é que os anos já já se passaram, Acho que eram a de amor. Completamente.
JORGE CORREIA 00:32:53 Achas que era um aperto, um por baixo, uma mão como para te dar uma segurança, Dizer que por mais que isso possa correr mal, há sempre um caminho.
BRUNO RODRIGUES 00:33:02 Não sei, Acho que era, sabes? E porque há esta ideia sempre que há, que a cultura não é. É difícil e é. Mas que está cá é difícil, mas com imenso outros trabalhos, não é como imensos outros trabalhos. Quer dizer, nós trabalhamos a recibos verdes como imensas outras pessoas, mas se ainda por cima tu estás num meio que não é o meio da cultura, como é o caso da minha família, não é? Ai esse, esse monstro é um bocadinho maior.
JORGE CORREIA 00:33:33 E está mais longe.
BRUNO RODRIGUES 00:33:35 Está muito mais longe. E depois? E depois tudo. Todas as pessoas querem os melhores, querem o melhor para os seus filhos, portanto.
JORGE CORREIA 00:33:41 Achas que era um conselho benigno? No fundo era um ato de proteção?
BRUNO RODRIGUES 00:33:45 Acho que sim. Acho que era um ato, um ato de proteção, que depois que se foi, que foi desaparecendo. Se calhar houve uma altura que. E se essa vozinha aparecesse cá todos os dias? Pois é de semana a semana, pois é tipo mês a mês, pois lá de vez em quando e agora já não existe.
JORGE CORREIA 00:33:59 Já não existe. Olha, tu trabalhas com como coreógrafo, com com profissionais, mas depois também dando aulas e imagino, com muitos jovens potenciais bailarinos e e atores do futuro. Como é que é esta gente? Como é que, como é que está o potencial desta gente? Como é que vemos agora as escolas de dança? Em vários sítios as coisas começam a funcionar. Como é que? Como é que tu vês esta nova geração?
BRUNO RODRIGUES 00:34:26 Eu gosto imenso.
BRUNO RODRIGUES 00:34:28 Sabes que eu tenho, que eu gosto muito mais de dar workshops e formações de curta duração.
JORGE CORREIA 00:34:34 Menos do que do que menos do que.
BRUNO RODRIGUES 00:34:36 Sim, menos do que estar a dar. Aliás, nos últimos anos até me afastei muito do ensino prolongado um ano lectivo inteiro. Acho que não sou bom nisso.
JORGE CORREIA 00:34:46 Porque te cansa.
BRUNO RODRIGUES 00:34:48 Porque é uma grande responsabilidade, porque é uma responsabilidade exagerada para mim, porque para mim talvez seja um problema nosso e não uma característica minha. Mas a partir do momento em que eu tenho a responsabilidade de um ano letivo com um jovem, não é como uma turma de jovens. É como se eu tivesse uma responsabilidade lhes dar determinada técnica, determinadas coisas e isso eu começo a sentir que começa a me castrar imenso.
JORGE CORREIA 00:35:12 E num workshop tu consegues no fundo fazer florescer aquela pessoa, porque é uma coisa que acontece ali naquele momento e depois acaba.
BRUNO RODRIGUES 00:35:18 Consigo lhe dar uma experiência, consigo lhe partilhar a minha experiência ao partilhar ou ir trabalhar mais com ela, ir mais a fundo, sentar sem ter que estar depois a ir.
BRUNO RODRIGUES 00:35:31 A técnica, a técnica. Às vezes, pelo menos é um problema que eu tenho, talvez que de repente eu oiço a palavra técnica e para estou castrar imenso. Apesar de achar que a técnica é super importante, é a formação. E foi a melhor coisa que eu fiz foi ter apostado, ter ir para a Escola Superior de dança, ter ido buscar formação mesmo que fosse muito tarde, toda muito em cima da outra e fazeres cursos da Escola Superior de Dança ao mesmo tempo. Depois ia fazer mais uns workshops. Tudo a correr a formação date date linguagens. É engraçado que esta história de uma biblioteca eu acho muito com o nosso corpo. É como se fosse uma biblioteca gigante.
JORGE CORREIA 00:36:10 E as letras já lá estão todas. E os livros ou não, não te vais.
BRUNO RODRIGUES 00:36:13 Pondo sempre, todos os dias tu podes lá por livros novos.
JORGE CORREIA 00:36:16 Vais encontrando e vais fazendo.
BRUNO RODRIGUES 00:36:17 E vais pondo e vais buscando coisas novas.
JORGE CORREIA 00:36:20 É curioso porque quando tive a oportunidade de fazer, olha lá está um workshop durante um dia, não aquilo que é na realidade um encontro para para, para para aproximar as pessoas da equipa.
JORGE CORREIA 00:36:34 E lembro me de tu teres dito vamos experimentar coisas, vamos mexer nos Todos temos uma biblioteca de movimentos, mas durante este dia a maneira como nos vamos mexer, cada um de nós encontrará movimentos novos que estão lá dentro e que nós nem sonhávamos que existiam.
BRUNO RODRIGUES 00:36:51 Porque é isso que nos acontece. Nós temos tantas possibilidades, Infinitas possibilidades e parece que vamos sempre buscar as mesmas coisas. E eu acho que é isso. Pegando aqui na ponta, é quase como se fosse para mim que eu seja ciente da técnica ou quando eu quando eu tenho essa obrigação. O meu problema ali é a questão da obrigação de funcionar com uma técnica e depois ter que avaliar isso é.
JORGE CORREIA 00:37:13 Que te chateia.
BRUNO RODRIGUES 00:37:14 Isso sim.
JORGE CORREIA 00:37:15 Então, mas.
BRUNO RODRIGUES 00:37:16 É por isso eu tenho que eu faço formações curtas ou um semestre ou alguns meses assim, que me dá que trabalho muito mais na área da improvisação ou da criação. Ao promover a criação destes jovens e no caso dos adultos. E mesmo isso quer dizer quando eu conto orientar ações ou aulas para o público adulto e buscar essas experiências e este movimento, sendo que.
JORGE CORREIA 00:37:44 Nós, lá está, os adultos já estamos perros, já temos essa biblioteca que repetimos.
BRUNO RODRIGUES 00:37:48 Vamos usar, vamos usar esse lado de perro e vamos procurar outras coisas. E é o que acontece. Aconteça.
JORGE CORREIA 00:37:53 E nunca ficar só. Olhar para alguém e dizer assim esta pessoa definitivamente não esta, esta, esta e que não tem nenhuma capacidade de fazer nada.
BRUNO RODRIGUES 00:38:00 Não, não é engraçado porque hoje, no ensaio da manhã. Eu de repente também estava a ir por um caminho e pensei o que é que relaxa lá e vai parar E observa o que é que está a passar.
JORGE CORREIA 00:38:14 Até porque tu és exigente, portanto imagino que cobre muito das pessoas que estão.
BRUNO RODRIGUES 00:38:18 A cobra e de mim.
JORGE CORREIA 00:38:19 De ti próprio.
BRUNO RODRIGUES 00:38:20 Sim, muito mais do que as dos outros.
JORGE CORREIA 00:38:21 Tens um, tens um perdão, um maior.
BRUNO RODRIGUES 00:38:24 Tenho, tenho. Eu só não tenho perdão se sentir que as pessoas não estão. Não, não estão a aplicar, não estão implicadas.
JORGE CORREIA 00:38:31 Não são honestas.
BRUNO RODRIGUES 00:38:33 Sim.
JORGE CORREIA 00:38:34 É essa a palavra. E olha, é o contrário que tu subitamente descobres, falas, relacionas, danças, treinas alguém que nem tinha percebido que, como tu, aos 19 anos nasceu para dançar e que e que tem Sinais prodigiosos desse movimento do corpo.
BRUNO RODRIGUES 00:38:57 Sabes que isso já me aconteceu e é lindo. Já aconteceu por pelo -2 que dois casos ou três eventualmente que que eu que eu sei. São três pessoas com as quais me cruzei em fases completamente diferentes. Há, aliás, duas delas no mesmo no mesmo projecto um um espetáculo que eu tive que interpretava da Dandara. Bizarro O baile. Com música, Com música tocada ao vivo do Artur Fernandes. Esse espetáculo teve. Nós fizemos o espetáculo durante dez anos e eu trabalhava com a comunidade também. E durante esses dez anos há pelo -2 casos que que eu me lembro de pessoas que se aproximaram da dança e uma delas depois até entretanto, fez algumas audições ou uma ou duas em processos onde eu estava também. E neste momento é uma das bailarinas da morte do Corvo.
JORGE CORREIA 00:39:54 É uma epifania ver esse momento.
BRUNO RODRIGUES 00:39:58 É bom e é ótimo. E porque? Porque tu fazes? Lá está, o que tu fazes é a tua forma de intervir no mundo.
JORGE CORREIA 00:40:07 O que é que tem de especial? Um grande bailarino e uma grande bailarina para além da técnica?
BRUNO RODRIGUES 00:40:13 Mas o que é que tem de especial?
JORGE CORREIA 00:40:15 Tem que haver uma pergunta difícil qualquer.
BRUNO RODRIGUES 00:40:21 Tem que ser verdadeiro. Eu acho que a única hipótese é esse. O ponto eu acho que é.
JORGE CORREIA 00:40:27 Olha, nós combinamos esta conversa a uma determinada hora e tu disseste Eu venho do outro lado da cidade, vamos ver se eu consigo chegar a tempo. Chegaste até chegaste bem cedo e eu estava aqui a pensar assim que raio esta coisa do movimento das cidades, o trânsito que nos aborrece a todos, os encontrões no metro, no autocarro ou no supermercado onde for, há um movimento das cidades e dos sítios para alguém como tu que trabalha o movimento. Como é que tu vês o movimento? Isto. Isto é uma coisa que tu, que tu usas, este Nós agora estamos aqui a conversar num espaço grande, onde onde não nos tocamos, estamos à distância, lá está. Mas noutras alturas estamos em sítios muito apertados onde nos cuidado com a minha bolha. No fundo é um bocadinho esta tudo. Faço uma observação deste nosso movimento.
BRUNO RODRIGUES 00:41:14 Eu gosto muito de observar espaços grandes, cheios de pessoas. O que é que tu vês? Vejo imensas coreografias ali.
BRUNO RODRIGUES 00:41:23 É incrível porque a velocidade com que as pessoas vão, a rapidez, uns que param os outros que avança, os os que têm que de repente virar para o lado porque aquele parou. Há uma coreografia na tudo que é uma praça, uma saída de metro, aquela confusão toda é como é que, como é que isto? Nós todos temos essa capacidade de nos organizarmos sem andarmos aos encontrões. Pois há uns mais distraídos. Há pessoas realmente muito distraídas a andar. E também nos irrita um bocadinho a todos porque é só levantar os olhos. Mas até isso, se nós as vezes pensarmos de algumas pessoas que nos deparamos, há um jogo de forças. Na maior parte dos encontrões. Muitas vezes as pessoas até já se observaram e há aquele jogo de vamos ver quem é que se desvia primeiro. Só que aquilo é levado ao limite e depois.
JORGE CORREIA 00:42:17 Não entram.
BRUNO RODRIGUES 00:42:18 Porque ninguém se desviou, porque pronto. Mas é aquela coisa de macho alfa. Vamos lá ver agora quem é que. Mas estas praças foi sempre algo que me fascinou.
BRUNO RODRIGUES 00:42:27 E o movimento, o movimento quotidiano é algo que também muito interessante. As pequenas coisas que todos nós fazemos ou as maneiras que nós fazemos as coisas, como.
JORGE CORREIA 00:42:38 Nos levantamos, como nos sentamos, como olhamos, como levantamos a cabeça, como andamos de cabeça baixa.
BRUNO RODRIGUES 00:42:43 Uma das primeiras peças que eu fiz ainda na altura de que estava a estudar para a Escola Superior de Dança, que se chamava 11 minutos e 11 minutos. Era o tempo que eu demorava desde desde o Campo Grande até à estação do Rato de Metro. Pronto, era esse o caminho e a peça em si foi criada e vive só dos movimentos quotidianos das pessoas que passavam por mim no metro. Pareceu durante não sei quanto tempo, já observava e registava os movimentos das pessoas que estavam sentadas. Eu não me mexia porque eu colocava na minha posição e era o que passava por mim durante aqueles 11 minutos e depois chegava ao estúdio e reproduzia para para me lembrar daquilo. E a peça é toda criada com base. Exatamente. Criava se.
JORGE CORREIA 00:43:26 Uma memória de movimento.
BRUNO RODRIGUES 00:43:27 Sim, do.
JORGE CORREIA 00:43:28 Próprio repetir aqueles movimentos.
BRUNO RODRIGUES 00:43:30 E repetia depois os movimentos e depois e depois fui criando as relações, porque depois há esta possibilidade. Não é que quando estás a observar uma praça ou um terreiro podes fazer imensas Essas histórias é super divertido. Tu podes imaginar imensas relações entre aquelas pessoas a ver.
JORGE CORREIA 00:43:47 Olha, está ali aquele senhor com aquele ar.
BRUNO RODRIGUES 00:43:49 De olha, o que é que lhe aconteceu, Porque é que ele está a andar assim? É super interessante e é isso que eu começo a sentir. A gente também nos falta um bocado, que é o tempo de observarmos, o de olharmos de uma coisa que eu estou a tentar. Estou a tentar mudar o meu discurso. Uso muito a ideia de usar os olhos para ver, porque acho que é importante nos lembrarmos disso, usarmos os nossos olhos para ver. Então e.
JORGE CORREIA 00:44:14 Agora? Usas o quê?
BRUNO RODRIGUES 00:44:15 Agora uso observar e vou te contar porque é que uso a palavra observar mais do que mais que primeiro. Acho que te implica muito mais no próprio processo do que só ver as te implica a palavra.
BRUNO RODRIGUES 00:44:26 A ideia de observar alguma coisa. Estás muito mais implicado, estás mais atento, está.
JORGE CORREIA 00:44:30 Lá dentro do processo.
BRUNO RODRIGUES 00:44:32 Tens que estar mais disponível para isso. E depois há e foi explicar porque é que também corrige isso. E depois a razão porque há algo que eu corrigi isso foi eu estava na altura, estava. Estava a dar uma aula dentro da companhia e tinha e estava uma das bailarinas, uma das bailarinas cegas da companhia e apesar de usar várias vezes a palavra vez, não vês que sem qualquer tipo de questão dentro da companhia, comecei a pensar num interesse em particular. Comecei a pensar que não estava a ser, não estava a ser correcto, a continuar a fazer aquele exercício, a dizer vamos, vamos ver isto ou vamos ver.
JORGE CORREIA 00:45:06 Aquilo estava a ser de alguma maneira discriminatório, sem sem pensar sobre isso. Não sei se estava a ser.
BRUNO RODRIGUES 00:45:11 Não, não nisso. Não, não, não, não acho isso. Não, não acho. Mesmo porque há uma confiança tão grande dentro de dentro da própria companhia ou com esta pessoa que aquilo.
JORGE CORREIA 00:45:22 Nunca seria uma agressão.
BRUNO RODRIGUES 00:45:23 Não, não é agressão nenhuma. Eu posso, da mesma forma como eu posso estar a trabalhar com um intérprete que está em cadeira de rodas e eu dizer que sente a tua verticalidade e estou a dizer sente a tua verticalidade agora, qual é que é a tua verticalidade, não é? Eu estou sentado numa cadeira agora eu posso ter uma verticalidade na cadeira. Eu não tenho que estar a limitar o meu discurso. Então o que é que te preocupou nessa? Preocupou? Foi porque eu estava a achar que estava a focar demasiado na palavra, ver o próprio exercício. E então comecei a procurar o que eu achava que fazia mais sentido. E então tenho estado. É uma coisa muito recente.
JORGE CORREIA 00:45:58 Estás a reequilibrar te?
BRUNO RODRIGUES 00:45:59 Estou, mas eu faço isso algumas vezes. Como? Sei lá. Por exemplo. Eu uso imenso. Uso muito também a ideia de incorporar o movimento do outro e não copiares o movimento do outro.
JORGE CORREIA 00:46:11 Então como é que é isso?
BRUNO RODRIGUES 00:46:13 Porque a partir do momento tu pensas na palavra incorporar.
JORGE CORREIA 00:46:16 É mais positiva.
BRUNO RODRIGUES 00:46:17 Tu estás a passar para o teu corpo, é teu e teu.
JORGE CORREIA 00:46:20 Não é uma cópia. Lá está, isso não é um espelho e passa.
BRUNO RODRIGUES 00:46:23 A ser tu. É teu, é teu. Tu estás a roubar o que é ótimo roubar o movimento do outro. Eu não gosto da.
JORGE CORREIA 00:46:28 Palavra.
BRUNO RODRIGUES 00:46:29 Roubar.
JORGE CORREIA 00:46:29 Gosto mais de inspirar. Gosto mais de. De entender que gosto mais de beber. Sobre. Mas isso pode ser o roubar é uma palavra terrível.
BRUNO RODRIGUES 00:46:39 Pois sabes que naquela ideia mesmo tu estares a observar, é uma.
JORGE CORREIA 00:46:43 Apropriação e.
BRUNO RODRIGUES 00:46:44 Uma apropriação, mas tu.
JORGE CORREIA 00:46:45 Proprias e depois devolves.
BRUNO RODRIGUES 00:46:48 Não. Imagina se tudo tivesse o seu agora estivesse aqui a absorver o teu, o teu próprio movimento. Não é que estás aqui, mas uma cópia. Ok, eu estou a absorver isto e eu estou a passá lo para o meu corpo. Eu não estou realmente a corrigir. Eu não estou a copiar todos os pormenores. Não é essa a minha preocupação fazer.
JORGE CORREIA 00:47:07 Em ti um movimento que o que eu faço.
BRUNO RODRIGUES 00:47:10 É. Por isso eu estou a passá lo para mim. E se voltarmos à ideia da biblioteca, eu estou a adicionar este livro à minha biblioteca de movimentos que não estava ainda aqui e agora já está. Já posso ir lá buscar. Quer este?
JORGE CORREIA 00:47:18 Olha, tu trabalhas e trabalhas muito com crianças com necessidades especiais. Lá está, com bibliotecas de movimento, algumas com limitações naturais. Como é que é isto? Quão desafiante é trabalhar com estas, com estas crianças que precisam de coisas se calhar diferentes, ou pelo menos fora da norma.
BRUNO RODRIGUES 00:47:39 Trabalho com crianças e com adultos também. Sim, por isso eu estou no trabalho. Aliás, eu estreei me num espetáculo de dança, o primeiro espetáculo de 2003. É um espetáculo de dança inclusiva que acontece por acaso. Por acaso eu fui lá parar e o meu percurso de repente tem muito destas coisas, dos próprios acasos e precisa estar disponível. E as coisas onde acontecer. Ou estás no sítio e tens muita sorte. Também faz falta também e preciso de ajuda. E eu estou a trabalhar com a cinco Companhia de Dança desde 2010 e comecei como interno.
BRUNO RODRIGUES 00:48:12 Depois foi, fui, fui lá ficando, fui dando aulas, fui entre duas shops e faço a coordenação e a coordenação artística agora. E é uma descoberta. Vou te só. Vou só corrigir porque acho que é importante nós irmos a irmos corrigindo estas pequenas coisas. Não são necessidades especiais e vou te explicar porquê. São cidades específicas. Um. porque há um problema que é com os termos e eu erra imenso nos termos também porque os termos mudam tantas vezes que para isso, quando tens boas relações e estás de coração aberto, não há problema nenhum em te enganares nos termos porque não estás a tentar ser politicamente correcto.
JORGE CORREIA 00:48:49 Esse é o ponto, não é?
BRUNO RODRIGUES 00:48:50 Eu acho que esse é o ponto em tudo, em tudo e que faz muito sentido nós pensarmos nesta questão. E depois já vou lá.
JORGE CORREIA 00:48:57 Então, em que necessidades específicas é que têm estas pessoas?
BRUNO RODRIGUES 00:49:02 Eu trabalho dentro da companhia. Nós temos pessoas cegas, pessoas com paralisia cerebral, deficiência cognitiva, espectro do autismo, surdas, pessoas surdas. Isto é mais ou menos o leque de intérpretes que de características auditivos com estas características que existem dentro está dentro da companhia e são pessoas que querem dançar acima de tudo, são pessoas que querem dançar e que podem fazer.
BRUNO RODRIGUES 00:49:31 Algumas delas fazem da sua vida. A dança tem os seus ensaios, fazem os seus espetáculos nacionais e internacionais, as turnês, o que for. Para mim, o que é trabalhar aqui? É um potencial gigante para um coreógrafo e um potencial gigante, um bailarino e um potencial gigante para um coreógrafo. Tu nunca vais ter, por melhor que seja o bailarino, melhor que seja bailarino não te vai dar a característica daquela pessoa característica de movimento que tem determinada pessoa. Uma pessoa com paralisia cerebral tem imensos movimentos involuntários. Pronto. Obviamente que depende. Depois de uma série de outras coisas.
JORGE CORREIA 00:50:15 É como se fosse uma assinatura de movimento, uma assinatura.
BRUNO RODRIGUES 00:50:17 Digital que nós todos também temos. Nós também temos, não é? Mas ali há uma riqueza no movimento ou há uma riqueza na deficiência intelectual, alguma riqueza às vezes no universo no universo daquela pessoa, porque nalgumas pessoas há tanto esta coisa, o filtro é diferente. E então a proposta que te dá para este lado é uma proposta diferente. E é tão rica.
BRUNO RODRIGUES 00:50:45 E o que tu fazes para isso?
JORGE CORREIA 00:50:46 Como é que? Como é que tu aproveitas isso?
BRUNO RODRIGUES 00:50:48 Aproveite. Aproveite! Coreográfica, mente coreográfica, mente exatamente igual.
JORGE CORREIA 00:50:55 Se estas pessoas fazem isto desta maneira, tu vais absorvê las.
BRUNO RODRIGUES 00:50:58 É como faço, como faço Se estiver a dirigir para mim o trabalho de direção coreográfica de um grupo de bailarinos normativos ou de um grupo de bailarinos com deficiência, ou de um grupo misto ou de uma comunidade, É exatamente a mesma coisa, porque eu trabalho com as pessoas estão a minha frente e a partir do momento tu estás a trabalhar com as pessoas que estão a tua frente. Tu lanças para lá coisas e recebes e vais trabalhar com o que tu recebeste e mandas outra vez. E para mim, esta é a riqueza do processo criativo.
JORGE CORREIA 00:51:25 Do processo criativo. Na realidade, é um processo relacional e não um processo de execução de.
BRUNO RODRIGUES 00:51:29 Coisas é muito relacional. Para mim, altamente relacional, não é. Para mim não é nada discussão. Não sou capaz de imaginar entrar no ensaio pela primeira vez e passar movimento.
BRUNO RODRIGUES 00:51:43 Não sou, não, Não me faz sentido. Eu passo ambientes, passo características, passo me. Mas tudo o que aqui é o meu imaginário, a pesquisa toda que fiz e depois aquelas pessoas que eu escolhi para estarem ali à minha frente, para trabalharem comigo naquele processo, naquele caminho. É com essas pessoas que eu vou trabalhar.
JORGE CORREIA 00:52:04 Bruno Vamos fechar. Qual é o gesto perfeito? O mais comunicativo, O que careça de palavras para poder dizer tudo?
BRUNO RODRIGUES 00:52:19 É olhar nos olhos do outro.
JORGE CORREIA 00:52:23 O gesto mais profundo que existe é esse.
BRUNO RODRIGUES 00:52:25 Eu acho que é a tu te Deleitar se na entrega de um olhar.
JORGE CORREIA 00:52:30 De olhos nos olhos, de mão na mão, num compasso certo de pés que seguem no movimento síncrono. Isto nas danças a dois. Mas depois há também aqueles grupos que dançam num concerto todos juntos. Ou então aquele que dança sozinho na praia, sem música, apenas ao ritmo dos pensamentos. E tudo se move, tudo dança, até os planetas à volta do sol ou do sentir ao ritmo dos batimentos do coração, o ritmo primordial da dança da vida.
JORGE CORREIA 00:53:01 Até para a semana.