O que nos torna humanos num mundo de máquinas? Albano Jerónimo

O Corpo, o Erro e a Imaginação: Uma Conversa Aberta Sobre o Que Nos Torna Humanos

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O que nos torna humanos num mundo de máquinas? Albano Jerónimo
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Há conversas que não vivem apenas na superfície; conversas que abrem espaço para respirar, repensar e reorganizar o que levamos por dentro. A conversa de Jorge Correia com um dos atores mais intensos e inquietos da ficção portuguesa é uma dessas. Ao longo de quase uma hora, falámos de corpo, erro, infância, imaginação, afeto, tecnologia, masculinidade e do que significa estar vivo com alguma atenção.

O episódio gira em torno de uma ideia simples, mas transformadora: a vida é uma negociação permanente entre o que sentimos e o que conseguimos colocar no mundo. E é isso que o convidado pratica — no teatro, no cinema, e na forma como se relaciona com os outros.

Essa reflexão nos leva a perguntar: O que nos torna ainda humanos num mundo de máquinas? Albano Jerónimo


O corpo como primeiro lugar de comunicação

Uma das ideias que atravessa toda a conversa é o papel do corpo — não como acessório do trabalho, mas como a sua raiz. É através da respiração, do gesto, da postura e do ritmo que se organiza a verdade de uma cena. Antes da palavra, antes da técnica, antes da intenção, está o corpo.

O que nos torna ainda humanos num mundo de máquinas? Albano Jerónimo

Fala-se disso com uma clareza rara: o corpo não mente, não adorna, não otimiza. O corpo não tem discurso — tem presença. E na era da comunicação acelerada, onde tudo é mediado por filtros, algoritmos e versões de nós mesmos, esta é uma ideia que nos devolve ao essencial.

Comunicar não é impressionar; é estar presente.


O erro como método e como espaço seguro

A segunda grande linha desta conversa é o erro — não como desgraça, mas como ferramenta.

E aqui há um ponto forte: ao contrário da ideia dominante de que falhar é perigoso ou condenável, o convidado assume o erro como ponto de partida. É no erro que se descobrem novas possibilidades, que se afinam gestos, que se encontra o tom certo. O erro é uma espécie de laboratório emocional.

E esta visão não se aplica só à arte. É também um modelo de liderança. No teatro e nas equipas, defende que o ensaio deve ser um lugar onde se pode falhar sem medo — porque a criatividade só existe quando não estamos a proteger-nos o tempo todo.

Criar espaço para o erro é criar espaço para a coragem.


Infância pobre, imaginação rica

A conversa revisita ainda as origens do convidado — um contexto de escassez que se transformou numa máquina de imaginação. Um tapete laranja, bonecos de bolo de anos, uma casa pequena que exigia inventar mundos alternativos.

“Há quem estude para aprender a imaginar. Há quem imagine para sobreviver.”

Esta frase resume bem o impacto da infância na sua forma de estar. A imaginação não é um escape — é uma estrutura vital.

E quando mais tarde se interpretam personagens duras, frágeis ou moralmente difíceis, não se parte de conceitos abstratos; parte-se dessa memória de observar o mundo com atenção e curiosidade. Entrar num personagem é entrar num corpo que podia ter sido o nosso.


A relação com a tecnologia e o palco: carne.exe e o confronto com a Inteligência Artificial

Uma das partes mais inesperadas e ricas da conversa é a reflexão sobre a peça carne.exe, em que o convidado contracena com um agente de inteligência artificial criado especificamente para o espetáculo. Uma “presença” que responde, improvisa e interage — mas que não sente, não cheira, não erra.

A conversa revela uma inquietação legítima: o que acontece ao humano quando se retira o corpo da equação? Quando a imaginação é substituída pela otimização? Quando a falha desaparece?

Há uma frase que se tornou icónica:

“Uma máquina pode descrever um cheiro… mas não o sente.”

É aqui que a arte se torna também crítica do seu tempo: o perigo não está na tecnologia em si, mas na possibilidade de nos esquecermos do que nos diferencia dela.


Masculinidade, vulnerabilidade e o lado feminino

O episódio toca ainda num tema essencial: as masculinidades contemporâneas.

Fala-se de dúvidas, fragilidades, contradições — de como fomos educados para esconder sentimentos e de como isso nos limita.

E há uma admissão honesta e importante: a presença de um lado feminino forte — não no sentido identitário, mas sensorial.

Esse lado que observa, que cuida, que escuta, que sente.

É talvez a parte mais desarmante da conversa: a vulnerabilidade não diminui; amplia.

A sensibilidade não fragiliza; afina.


A mãe, a sobrevivência e aquilo que nos organiza por dentro

Um dos momentos mais humanos surge quando se fala da mãe — do que ela ensinou, do que ficou, do que ainda ressoa.

A conversa entra aqui num registo íntimo, afetivo, não sentimentalista, mas cheio de verdade.

É um lembrete de que, por muito que avancemos na vida, há sempre uma pergunta que nos organiza:

como é que sobrevivi até aqui e quem me segurou?


Cuidar dos outros: uma ética para a vida e para o palco

A conversa termina com uma ideia simples e luminosa:

cuidar é uma forma de estar no mundo.

Cuidar do colega, da equipa, do público, de quem está ao nosso lado.

Não é um gesto heroico; é uma prática diária.

E é a base de qualquer comunicação que queira ser mais do que um conjunto de palavras.

Albano Jerónimo está em cena entre 12 e 14 de dezembro, no CAM – Gulbenkian, com o espetáculo carne.exe, de Carincur e João Pedro Fonseca, onde contracena com AROA, um agente de inteligência artificial desenvolvido especificamente para a peça.

O projeto explora as fronteiras entre corpo, tecnologia, imaginação e presença — um prolongamento direto dos temas que atravessam esta conversa.

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