Estamos no pós-jornadas mundiais da juventude e até para um não crente é impossível não observar toda uma sequência de momentos, palavras e emoções que criaram um acontecimento único na cidade de Lisboa.
Na perspetiva da comunicação, o Papa é detentor de uma poesia muito própria na sua linguagem. Não são só as palavras. São as pausas. São os olhares.
Para os crentes há um olhar sobre a sua fé. Para os outros um olhar sobre a sua humanidade.
O Papa que fala a centenas de milhares de pessoas em Lisboa é o mesmo que falou — sem dizer uma única palavra — para uma Praça de S. Pedro vazia no tempo da pandemia.
Este aparente contraste faz-me ir recuperar uma conversa tida com José Manuel Pereira de Almeida em fins de maio de 2020, mesmo na saída de um dos confinamentos da COVID 19.
Pereira de Almeida é professor de ética, padre e médico.
E se a parte da conversa sobre a pandemia sabe, felizmente, a um tempo antigo, todas as outras palavras são de uma atualidade permanente.
Gostei em particular do momento em que partilha connosco a importância de acolher o outro, de sorrir, de ouvir.
Uma linguagem universal que ajuda a perceber uma forma de viver ao serviço dos outros.
Talvez algo ainda mais importante do que a certeza ou dúvida que sempre paira sobre a existência de deus.
Mas a curiosidade existe e vale sempre a pena fazer a pergunta “Deus Existe?”
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIOTranscrição automática
0:00:11 – JORGE CORREIA
sOra Viva-o. Bem-vindos à segunda edição do podcast Pregunta Simples. Depois de passar pela televisão com Clara de SouSa, é tempo de ouvir palavras que vêm do púlpito de um altar. As igrejas têm normalmente uma excelente acústica, um som característico com um ecoinimitável, mas também podem ser palavras de cátodara, de um mestre que ensina teologia na universidade, ou de um médico que sabe ler pedaços da nossa carne, chama-lhe tecidos, mas que intui o espírito das pessoas num piscar de olhos. Chama-se José Manuel Pereira de Almeida e é o convidado desta edição. É médico, é padre, é professor, mas estes são rótulos mais formais. Lá dentro tem muito mais coisas para mostrar. Conhecemos-nos numa Comissão Diética. Todos nessa Comissão sabiam muito do tema da Eética. Acheto eu.
O meu papel nessa Comissão era o de Preguntador Ignorante. Seguramente fui convidado porque nada sabia de nada. Não me dei mal na função ao longo da vida não saber nada de nada e perguntar sobre tudo. Desde esses tempos ouvi-o sempre com atenção, muito por aquilo que sabia e tanto por aquilo que dizia. Não saber ou duvidar E assumir isso só está ao alcance dos sábios ou dos mestres. Este é um podcast sobre comunicação e o convidado desta edição usa a palavra e o silêncio para comunicar. Começamos com a mais óbvia e fácil das perguntas E Deus existe.
0:01:56 – PEREIRA DE ALMEIDA
Para muitos pode ser uma pergunta, creio mesmo que para aqueles que defendem que não existe, será mesmo a pergunta da vida.
Neste tempo que é o nosso, creio que para os cristãos recebemos de Paulo VI uma e do patriarcto Atenágoras ao tempo, na visita à Jerusalém, em que ele reconhecia o texto é conjunto e editem francês, porque a língua internacional que é o Espírito Santo fala às nossas igrejas, portanto à igreja oriental e à igreja ocidental, através do ateísmo dos nossos irmãos e irmãs. E portanto, isto para dizer, se calhar, estamos todos nessa procura, alguns mais conscientes, outros menos, uns pela negação, outros pela convicção de que, a partir de uma determinada via, há uma procura de sentido que faz denominar alguém de Deus eu estou a dizer alguém, porque é a tradição cristã e que diz que Deus é pai ou mãe de todo somado, mas estamos lá no seu coração, ou seja que Deus mora no nosso coração, mas sínteme, particularmente próximo daqueles que sobre isto não sabem dizer nada. Há uma tradição importante da teologia cristã que é a teologia negativa, quer dizer que nós fazemos melhor serviço a Deus não dizendo nada do que dizendo as tontices que às vezes em algumas teologias aparece.
0:04:04 – JORGE CORREIA
Como é que é ser padre e subitamente os fiéis desapareceram da igreja. Imagine que desapareceram.
0:04:11 – PEREIRA DE ALMEIDA
Claro que desapareceram E como desaparecemos todos de todo lado. é da convivialidade e portanto para o padre, é essa da igreja vazia ou, naquela imagem tão difundida e que eu creio que atingiu a todos, falou da mesma maneira crentes e não crentes do Papa numa praça de São Pedro Vazia. É uma imagem fortíssima, digo eu.
0:04:39 – JORGE CORREIA
Como é que viu esse momento.
0:04:41 – PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, como profecia, no que diz respeito a poder comungar da dor e da aflição em tantos outros sítios diferentes, que se haviam confinados que é agora um termo que a gente também aprendeu numa intimidade não querida, numa escolha de uma closura não desejada.
E portanto, o que é um padre e uma igreja vazia é outra vez tomar a consciência de que claro que nós somos, na tradição cristã, a assembleia que é conta, não é O sujeito que reza, que escuta a palavra que é assembleia E portanto, na ausência física de uma assembleia, é perceber que eu Caristia, no caso vulgarmente diz missa, é a missa, é celebrada por todos os que estejam, quer ou não, a uma obra pequenina de Art Chardinck que é intitulada A Missa Sobre o Mundo. E a ideia de facto de retirar o aspecto consumista das missas, a vulso e a todas as horas e como se vai ao supermercado. E portanto queramos, que quer ou não, ou se quer que nós também resbalamos para estas ideias feitas que no ocidente versam as ideias do consumismo. E esta hipótese, que não nos foi proposta, que não foi escolhida por ninguém, foi também a ocasião de repararmos que há coisas que há para lá daquilo que é imediato e há relações que perduram para lá daquilo que é imediato.
0:07:07 – JORGE CORREIA
Quer dizer que, apesar das pessoas não se reunirem na comunidade nessa altura da missa, a comunidade se mantive perci, ainda que psicologicamente, a se sentir de união.
0:07:17 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu creio que sim, que aquela ideia do estarmos perto ainda que longe, estarmos próximos ainda que distantes, isso de resto foi facilitado porque poderia não ser exatamente ali à volta, não é De resto isso nas cidades já não estava tão à volta, assim a mobilidade.
0:07:42 – JORGE CORREIA
No Maldém a missa é uma coisa importante, em particular a ideia de ir no domingo a missa dominical ainda é uma coisa.
0:07:50 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu acho que ainda marca. Não é Até para aqueles que não vão e que ficam no café zinho à frente. Mas até isso faltou. Não é O cafézinho da frente da igreja.
0:08:00 – JORGE CORREIA
Se nós olhamos para aquilo que são ritos religiosos, mas estão bem muito ritos culturais. Estou a pensar nos casamentos que pararam, nos batiismos que foram adiados e nos funerais inadiáveis, mas onde não estava ninguém.
0:08:18 – PEREIRA DE ALMEIDA
Pois isso durante eu tive funerais todo esse tempo, pois está claro, e nas primeiras circunstâncias situações podiam ser Mesmo assim. Na cidade é diferente, como tu dizias, podiam ser mais penosas. Isso mudou muito a partir de miados desta temporada, quando se disse não há limite para os familiares. E claro que nas famílias grandes o limite depois dizia respeito a. De cada um. Depois há a circunstância objetiva do espaço, mas Como eram esses funerais sem pessoas?
Com quatro pessoas. Sim, pessoas, sim eram, podiam ser. Eu tive boas experiências, mas acho que outras circunstâncias não foram boas experiências, sobretudo aquelas em que vivem o afeto muito à flor da pele. Não é Porque não há abraços, não há Tanto, foi tudo muito sóbrio nós aqui, se calhar, já somos mais sóbrios do que em outras bandez do mundo e portanto acabava por ser uma dor muito vivida. Sem partilha não é, e portanto sem o espaço do acompanhamento humano que torna mais humana a dor ou eventualmente vivível.
0:09:47 – JORGE CORREIA
Qual é a importância do toque nesses momentos?
0:09:51 – PEREIRA DE ALMEIDA
Pois é, é tanto e nesta altura nada e mais. E a expressão com a máscara a expressão também muda muito e portanto a gente só vê os olhos e não sabe nada o que é que se passa abaixo. Às vezes os olhos falam, mas não dizem tudo.
0:10:08 – JORGE CORREIA
E o poder da palavra, alguém com a experiência que tem com enfim, com muitos anos a acompanhar comunidades e nesses momentos hora de grande felicidade, como o caso dos casamentos ou batismos, hora de grande tristeza e luto, como um funeral de um entre querido Como é que escolha as palavras? Prepara-se para isso, pensa sobre isso, escreve sobre isso, ou é um ato natural e de empatia nesta conversa?
0:10:43 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu diria que a gente sim, que arreza sobre isso, e durante muito tempo, e continua a ser um desafio no geral. Para as coisas importantes, que é de alegria, que é de tristeza, as palavras nunca chegam e portanto nós temos as palavras que dizem na tradição cristã, a palavra que é o próprio Jesus. Portanto a gente espera que de alguma maneira isso passe através dos nossos pobres termos e dos gestos, que aqui são mais austeres depois e que a pouco e pouco, como as pessoas também conhecem a palavra e são essa que Deus, nos dirijem, jesus, que viveu uma vida humana até ao fim, não excluindo o sofrimento e a morte, podem elas próprias anunciar-nos essa mesma palavra, ou seja. Acreditamos que não há uma comunicação única, quer dizer, as pessoas não são únicamente destinatárias, eles também são protagonistas, são habitados por mesma palavra e podem, na melhor das hipóteses, evangelizar os padres.
0:12:09 – JORGE CORREIA
Então há um diálogo entre as pessoas.
0:12:12 – PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, mesmo quando não é dito.
0:12:15 – JORGE CORREIA
Ocorre-se-me agora provavelmente dos diálogos mais íntimos que pode ter tido a questão do confecionário formalmente num confecionário, mas seguramente há muitas conversas, assim como esta, que há voltas uma vez Deixar que realizaram um bocadinho isto. como é que se resolveu isso? Que pessoas enfim da comunidade que precisaram de trocar algumas palavras, de ouvir algumas coisas e desabafar posso usar a expressão?
0:12:45 – PEREIRA DE ALMEIDA
Pode, com certeza radiaram e passámos a fazer, sempre com marcação, que é uma coisa que a gente habitualmente na igreja está disponível ao ponto. e agora não É por marcação, é com uma hora, é com uma distância, é com uma higienização da cadeira e da mesa em que outra pessoa se sente depois do outro lado. Sim, e portanto radiaram, mas, como dizias, tive até recentemente pessoas que não é para se confessarem, é para a procura do sentido que tem este desentido todo desta coisa que nos aconteceu. Isto é que senti-te, isto portanto, e é engraçado porque a gente no geral, como em todas as boas conversas, devolvemos-lhe a pergunta, vamos encontrando alguns caminhos à procura desse sentido.
0:13:44 – JORGE CORREIA
Faz parte da parte da do uso da palavra é muita. A parte da escuta.
0:13:49 – PEREIRA DE ALMEIDA
É muitíssima parte da escuta.
0:13:51 – JORGE CORREIA
Como é que escuta bem? Dá uma ideia que os tempos estão muito para se falar muito, para se falar muito alto e para se ouvir muito pouco, ouvindo o murmurio das coisas. Que estratégias são estas para escutar?
0:14:04 – PEREIRA DE ALMEIDA
Estar lá e estar disponível, não julgar e ter tempo, não andar à pressa, isto são tudo coisas raras neste momento que a gente se encontra. Eventualmente o tempo melhorou, quer dizer não sei porque agora ao menos temos mais tempo entre as reuniões, porque não temos que nos deslocar de um lado para o outro, a não ser nós aqui hoje, por exemplo, porque sempre à frente de um é crã e estamos sempre de uma sala e entramos de outra, com ambientes muito diferentes e sem tempo gasto nos transportes. Mas o tempo é um recurso escasso no mundo em que vivemos, não é? E portanto dar tempo, dar atenção, dar um sorriso, dar confiança é também expressão de uma vida que se dá, que se entrega e eu creio que isso faz viver. É uma vida que faz viver, que dá a possibilidade ao outro de ser quem é e de perceber que, na visão crente, que Deus o ama, mesmo que as circunstâncias às vezes nos mostrem o contrário.
Quando vimos a imagem, para quem não viu do Papa atravessar a Praça de São Pedro a fazer uma viesa vi a sacra em si, no meio da praça, sem ninguém, completamente a praça fazia via uma Essa tendência nem foi via sacra, foi uma oração sobre o povo como a venção. sim.
0:15:48 – JORGE CORREIA
E há o sinal do silêncio, porque há momentos em que o Papa para e ouve, sovente verdadeiramente esse silêncio. Como é que viu isso?
0:16:06 – PEREIRA DE ALMEIDA
Esse silêncio é muito cheio de sentido, não é? Eu creio que ali está a humanidade, suspensa como ainda nos encontramos hoje do tanta coisa e numa pausa que, como quando nós paramos de respirar um instante, não é. Ficamos em suspenso durante um tempo e eu creio que foi isso que acontece à humanidade naquelas momentos.
0:16:43 – JORGE CORREIA
E notou-se mais por este Papa ser um Papa cheio de palavras. Ele é um Papa cheio de palavras e palavras vibrantes. Ele não poupa palavras.
0:16:53 – PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, mas também não é um fala barato. Quer dizer, sendo do origem italiana, sendo um argentino, sendo um jesuita, podia De facto. Ele escolhe muito bem o que diz. Às vezes tem termos muito simples, mas não nos podemos enganar acerca da facilidade com que quer dizer. Toda a gente o percebe, mas depois, quando se lê o que ele escreve, não é uma leitura só não dá para perceber tudo. Ele não põe muitos adjetivos para dizer o que pretende ou seja o texto, que é simples, tem densidade em cada palavra.
0:17:46 – JORGE CORREIA
Podemos ficar em Itália. A Covid não tinha chegado. A Portugal, tínhamos muito poucos casos e olhávamos para as imagens do caos nos hospitais. olhávamos para o número de mortos muito elevado e Olhamos também para decisões éticas que tiveram de ser tomadas Nomeadamente. Isso foi muito discutido, a probabilidade que era imaginar que a realidade de que nem todos os doentes italianos que necessitavam poderam ter acesso a um ventilador, a uma máquina de respiração que os pudesse ajudar a sobreviver à Covid. Como é que se faz uma escolha destas?
0:18:37 – PEREIRA DE ALMEIDA
Isso é uma questão que surge logo no início da chamada bioética, ano 70, estados Unidos, reins Arteficiais. Era a questão de hemodiales. Como é que há poucos aparelhos há muitos pretendentes? como é que se faz, portanto, a criação da primeira, de uma das primeiras comissões da ética, chamada não por acaso God’s Committee, exatamente para decidir quem Comitê de.
Deus, quem vive, quem morre, como se Deus tivesse essa função, que é uma coisa que eu acho que também é a de teologia devidosa. Isso foi muito agudo em todas estas circunstâncias e deu de novo novos escritos de vários matizes. É muito importante que haja critérios objetivos, definidos à partida, para diminuir ou evitar uma arbitrariedade momentânea de sentimentos ou de afinidades. É muito importante que não seja, por exemplo, só a ideia da idade ou que os velhos sejam como que relegados para uma vida que não tem valor. Lembra outras coisas mais estranhas acerca do sentido da humanidade E portanto, efetivamente, em cada circunstância, é preciso proteger os que estão mais vulneráveis, mas dando a oportunidade para que eles tenham maior possibilidade de sair do ventilador, porque não se ventila ninguém ainda, mesmo em circunstâncias sem séria e epidemia, para depois ficar ligado à máquina. Não é Tanto. Isso, é um azar dos azares.
Portanto, utiliza essa máquina transitoriamente para conseguir salvar alguém E portanto é preciso que ela seja bem aplicada naqueles que têm melhor possibilidade de passar por lá e dar lugar ao outro. Ficando-os bem entendido.
0:20:50 – JORGE CORREIA
Quero imaginar que numa unidade de cuidados intensivos com dezenas de doentes entrar todos os dias e com incapacidade real de resposta, essa capacidade de decidir seja um.
0:21:07 – PEREIRA DE ALMEIDA
É um trabalho muito árduo, trabalho de equipa, e é isso que faz, por exemplo, o burnout dos profissionais de saúde que viveram estes tempos na linha da frente. Como se disse, também utilizando uma expressão que eu creio que é bélica, tudo somado É o esgotamento. Isso E portanto também eles precisam, depois de algum recuo e de alguma recuperação, depois de voltar de novo a esta luta, porque é de uma luta que se trata pela vida.
0:21:47 – JORGE CORREIA
Da sua experiência como médico, e ainda por cima numa instituição no IPO de Lisboa, onde a vida e a morte estão ali, sempre, em permanência. Como é que as equipas gerem isto? O que é que se diz a quem? Como é que isto funciona dentro de uma dinâmica de equipas?
0:22:07 – PEREIRA DE ALMEIDA
Pois eu, apesar de tudo, vi aos de fora porque estava numa área em que o primeiro pedido é que fizesse bons diagnósticos e depressa, e isso também conta para tratamentos. Agora sim, o nível de formação em termos de humanidade dos técnicos, que é importante que sejam bons técnicos na área em que se encontram, mas que tenham de facto um background, uma formação humana de reflexão sobre o seu agir, sobre as consequências do seu agir, sobre as motivações. No fundo trata-se de uma formação completa e o médico tem-se. Quer dizer, qualquer escola de medicina que se preze aponta nesse sentido.
A minha altura, ou na altura em que nos formámos, aqueles que agora temos perto de 70 anos, tínhamos poucos que nos tematizaram coisas destas. Houve isso no Miller Guerra, por exemplo, que nos deu história da medicina e de ontologia, mas a de ontologia não era a de ontologia dinheira, era uma reflexão muito humanista da medicina e tivemos grandes mestres que, sendo internistas ou patologistas, de facto discurriam sobre a vida e o mistério da vida na relação de encontro das pessoas umas com as outras. E eu acho que isso é o que faz a formação de um médico hoje, que se calhar agora dá-se mais atenção às questões da bioética, da filosofia da medicina ou seja lá, mas é muito importante aquela figura dos mestres em que aprendemos a pensar e a sentir, como vemos que eles pensam e sentem e decidem nas alturas decisivas.
0:24:24 – JORGE CORREIA
Os mestres desapareceram ou é especulativo?
0:24:28 – PEREIRA DE ALMEIDA
dizer isso Eu creio que as grandes figuras para nós, como é natural, sim, de alguma maneira entre nós não teremos, mas é evidente que os miúdos continuam. Eu acho, por exemplo, o Manel Sorencimões, para muitos que o tiveram como professor e como companheiro, de Configura na minha área anatomia patológica, essa figura do mestre, o que é que o distingue, eu imagino.
0:25:04 – JORGE CORREIA
Quer dizer critérios técnicos que saíam da anatomia patológica de irmear. Mas há mais qualquer coisa aí?
0:25:10 – PEREIRA DE ALMEIDA
Há essa relação humana de pensar a medicina, de pensar a vida, a relação das pessoas de procurar mais, ir mais longe e não se resignar com o sofrível ou o pocachinho.
0:25:31 – JORGE CORREIA
Isso A questão do mestre era uma provocação. O primeiro da medida é um mestre Tem os chibros?
0:25:37 – PEREIRA DE ALMEIDA
Não pergunte-se a mim.
0:25:38 – JORGE CORREIA
O que é que lhes diz, o que é que Tem alunos faz parte de comissões déticas, o que é que diz aos, o que é que diz àqueles que o querem ouvir. Eu acho que essa é a palavra que eu quero colocar vale a pena perceber a área em que nos movemos.
0:25:59 – PEREIRA DE ALMEIDA
não é Portanto aqui na Católica. a minha área é a reflexão ética na área social E portanto Imagino que os exames sejam fáceis de fazer.
0:26:13 – JORGE CORREIA
Sim, uma cadeira de biética e reflexão social. Eu não.
0:26:18 – PEREIRA DE ALMEIDA
No geral os exames Fazer ou Em termos de anunciado ou de responder.
0:26:23 – JORGE CORREIA
Imagino que anunciado quer dizer pode perguntar coisas qual é o sentido da vida ou coisas sobre os símbolos de responder.
0:26:29 – PEREIRA DE ALMEIDA
Como vai ser em coisas objetivas. pode-se ainda nos poder classificar com objetividade?
0:26:33 – JORGE CORREIA
Imagino que não dá para fazer cruzinhas não é.
0:26:36 – PEREIRA DE ALMEIDA
É que você tem que ser mesmo uma reflexão.
0:26:38 – JORGE CORREIA
Sim.
0:26:40 – PEREIRA DE ALMEIDA
Mas o que é muito, muito importante é Para quem pensa estas questões da ética, é acordar que qualquer pessoa tem um certo saber de ética porque a sua experiência moral é única e repetível, e pode ser mais novo ou mais velho, mas ele chega ao encontro comigo ou com os outros com essa bagagem, e valorizar isso é logo um primeiro passo. Portanto, isso é o que eu digo de entrava a quem começa um percurso comigo.
0:27:25 – JORGE CORREIA
Sim, Nós há pouco falamos da questão dos ventiladores e da questão das escolhas éticas, que não têm só a ver, seguramente, com os ventiladores, mas falamos da questão dos rins, lá está, da questão de quem é que tem acesso ou quem não tem. E cada vez mais, se nós olhamos para a nossa pirâmide etária em Portugal, vemos que o número de pessoas mais velhas é cada vez maior e mais crescente. Essas questões vão-se colocar cada vez mais no nosso país e naquilo que é nossa civilização ocidental.
0:27:57 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu diria que, sobretudo nas circunstâncias de alguma crise como esta que estamos a viver, no que de respeito ao considerar uma sociedade com muitos idosos, eu creio que é uma claro que vamos ter que preparar para ela e se calhar, não fizemos a preparação de vida até agora. Vida é a questão dos lares e afins, mas que os velhos não sejam encarados como um peso ou uma sobrecarga que nós temos que alviar. Os mais velhos são, como em muitas culturas percebemos, aqueles que garantem o futuro, porque trazem uma memória e essa capacidade de transmitir às várias gerações.
0:28:59 – JORGE CORREIA
São a nossa biblioteca.
0:29:01 – PEREIRA DE ALMEIDA
Mais do que isso. A biblioteca também é muito importante E por isso eu creio que nós temos que nos equipar em matéria de uma melhor rede de cuidados, paliativos, por exemplo, e paliativos não é o sentido paliungo da proteção e portanto paliativos não é para as últimas semanas ou após últimos dias. Paliativos, todo o cuidado, mesmo o curativo, tem que ter uma parte paliativo. Mas a palavra tem má fama, a palavra tem má, péssima fama e eu não sei como é que a gente melhora, mas paliungo nas precições não tem má fama. Assim vai fazer aquele tetozinho.
0:29:44 – JORGE CORREIA
Faz som bem proteção.
0:29:46 – PEREIRA DE ALMEIDA
E portanto, mas a ideia de opor dizer que já não faz mais nada, se não, já não há perspectiva nenhuma, já está nos cuidados paliativos, já está, a ideia, assim É uma ideia de fim.
É uma ideia de pré. Havia uns senhores que diziam que eram como se fosse os mordoros E portanto que eles não estavam interessados nisso. Ninguém está interessado nisso, como se fosse uns serviços para a Câmara de Morte. Não sei se diz a Câmara de Morte ou a Câmara de Morte, e então? mas os cuidados paliativos bem estruturados, que requerem uma rede fina e muitas vezes são domiciliários. Também era importante termos apoios em casa que permitem que as pessoas possam estar na sua casa com conforto, em vez de serem exportadas para outras instituições que não lhes dizem nada sobre o ponto de vista da história e das relações.
0:30:52 – JORGE CORREIA
Durante este tempo uma das questões que se colocou muito mesmo ainda antes que estavam entrenados, no caso da Covid, era que os familiares não podiam ir visitá-los. Os piores casos não.
0:31:05 – PEREIRA DE ALMEIDA
Mas claro, viram, despediram-se para o vídeo chamada. Não é, Sim, foram coisas muito, muito pernosas.
0:31:18 – JORGE CORREIA
Por outro lado, imagino que mesmo para um doente que está entrenado numa unidade de cuidados intensivos que não esteja sedado obviamente ver os médicos e as enfermeiras à sua volta metidos dentro de escafandros onde praticamente se vêem os olhos, sim se tanto Não há calor, Se tanto é bastante e é tudo muito branco, é tudo muito frio.
0:31:41 – PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, é verdade, é verdade.
0:31:43 – JORGE CORREIA
Essa relação enfim. Vamos chamar-lhe médico doente. Mas é muito pouco dizer. Médico doente é quase indistente nesse sentido.
0:31:53 – PEREIRA DE ALMEIDA
É verdade. Isso passa a ser uma circunstância quase laboratorial e técnica Em que nós já não somos. Estamos à espera que ele passe depressa para podermos voltar a ser.
0:32:12 – JORGE CORREIA
Imagino, é minha sensação. Eu tenho sempre duas curiosidades sobre os relatórios que os médicos produzem, quer das análises, quer da anatomia patológica, quer do que for. A primeira curiosidade é porque é que os exames veem sempre um envelope fechado. Se é para nós, abrirmos. E a segunda é porque é que aquilo está escrito de uma maneira ininteligível, ininteligível ininteligível.
0:32:36 – PEREIRA DE ALMEIDA
Mas é isso, é sim Ao porquê. Quer dizer, é suposto que esteja bem escrito. Às vezes não está. É suposto que seja em português, Português, português, às vezes não está, porque usa-se um calão de tal coisa que nem o português é português, não é. Lembre-se da quantidade de palavras inglesas que entraram na gíria comum, quanto mais na medicina não é. Antigamente era grega, agora passou em inglês, que faz a mesma função.
0:33:07 – JORGE CORREIA
É grego para a maioria das pessoas.
0:33:08 – PEREIRA DE ALMEIDA
Exatamente não, e é o grego E portanto de facto depois tem que se traduzir em linguagem compreensível para quem, para a pessoa, para o interessante, para a família. não é O que é que eu estou a dizer quando digo o que, e por isso o que vai escrito é mais a base para uma boa conversa, de encontro e de relação e de explicação do diagnóstico, do que propriamente um rótulo para pôr na pessoa.
0:33:43 – JORGE CORREIA
Quando nós estamos perante. Imagino que isso acontece com todos os médicos. Olhamos, por exemplo, para a oncologia e a situação de um doente é verdadeiramente difícil, comunica-se o que Comunica-se, toda a verdade, metade a verdade, a verdade que o doente quer, porque há aqui muitos inoendes no meio desta conversa, não é?
0:34:07 – PEREIRA DE ALMEIDA
A primeira coisa é saber que tomáramos nós para perceber alguma coisa do que é verdade Todos. Depois é evidente que é na verdade do diagnóstico. Não é, é sempre uma verdade provisória e vamos ver. E depois não é só o diagnóstico, é também o prognóstico, lembrando que não há doenças, há doentes. Contra-diz a minha área, porque na minha área a gente anda à procura das doenças e portanto classifica doenças e não e deixa ao clínico esse trabalho de perceber que na história concreta daquela pessoa aquela doença tem estas particularidades que ele depois vai acompanhando, porque a terapêutica também não é, não dá a todos o mesmo efeito em todos.
0:34:56 – JORGE CORREIA
Por aí fora, Mas imagine que, pelo olho do microscópio, quando vê determinados tecidos com algumas alterações que para si são claríssimas, não pode deixar de pensar que este doente e este caso não tem nenhum bom prognóstico.
0:35:13 – PEREIRA DE ALMEIDA
Claro o prognóstico também. dá-nos só o ponto de vista morfológico, a ideia do diagnóstico e do prognóstico, a clasicação é cada vez mais fina, sobretudo com a imunó, e que permite perceber até, em determinadas circunstâncias, dizer baixa grau de maligunidade, alta grau de maligunidade. Agora, com isto tudo, depois as pessoas não são todas iguais e não E os estudos aos doentes.
Pois isso é um trabalho que o que o de relação, como o Jorge dizia, há um bocadinho do médico doente e portanto da relação do médico assistente ou da equipe que acompanha o doente, é essa relação de diálogo em que, em princípio e à maneira abstrata e norte-americana, os doentes subtraímos-se do paternalismo dos médicos do antigamente têm direito a verdade sobre si, mas a verdade sobre as pessoas não pode ser uma verdade que esmaga a vida, que quer viver, que não está à espera de um abafador, está à espera de uma ajuda. Né. Portanto eu creio que foi feito, mesmo nos americanos, uma investigação dos índios navajos em que quem a verdade era dita ou o diagnóstico era dito a mulher, a mulher, nunca o marido. Né.
0:36:56 – JORGE CORREIA
O que a gente sabe. Parece que é a única mim que sabe.
0:36:59 – PEREIRA DE ALMEIDA
E portanto a ideia de perceber que é pessoa, é uma pessoa, mas também tem uma família e que isso a medicina familiar faz melhor do que ninguém diria eu, e que, portanto, que acompanha todo um processo que um roto, que a pessoa pode querer saber como é, que se chama a doença mas isso não muda muito acerca de nada se for um nome esquisito e que, portanto, é de facto a verdade que a pessoa pode apelher e sobretudo a verdade que a possa fazer caminhar na esperança ou seja.
0:37:44 – JORGE CORREIA
Pode haver o risco de destruir a esperança.
0:37:46 – PEREIRA DE ALMEIDA
Isso e a esperança é a última a morrer, ou seja, quando morra a esperança, nós também morremos, né. E portanto claro que se estamos numa situação iminente, se a pessoa tem é importante resolver coisas em termos de família, é bom, perceba que não tem provavelmente dois anos à frente para ver, mas o que é que nós sabemos? Não sabemos nada. Pode morrer no mesmo instante.
Qualquer um de nós estamos aqui a falar, mas a ideia de que aceta o devido, que é uma coisa que a gente nunca põe em uma barreira, que tem de facto, para eles um horizonte mais curto e portanto há coisas em que pode ser importante manter a pessoa numa determinada, mesmo com alguma terapêutica que ajuda a poder resolver as coisas e a despedir das pessoas antes de depois poder ser acedada, ou isso tem que ser vou utilizar uma palavra estúpida porque se usa para tudo né Negunciada. Também tem que ser negociada, portanto tem que se perceber plássia e contras e sobretudo tem que se perceber o coração das pessoas. Isso é uma vida para aprender.
0:39:13 – JORGE CORREIA
Nos tempos de covid, que é onde de nós ainda estamos. Covid, covid, covid, covid. Exageramos a falar do tema. Usamos na medida certa ou, se calhar, olhando para trás, podemos ter seguido outro caminho. Estou a olhar e imaginar que muitos doentes não covid de outras doentas que continuam a existir, claro. E desapareceram nos hospitais com medo se podemos usar a palavra ou não.
0:39:41 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu acho que o que desapareceu muito foi as urgências que não eram urgências. Baixamos nos bânicos de urgência. Isso é bom. Desapareceu as consultas.
0:39:55 – JORGE CORREIA
Sim, isso é que eu acho que… As consultas de repetição que se calharam não eram necessárias Talvez, e depois como os hospitais também se organizaram em termos de áreas específicas.
0:40:08 – PEREIRA DE ALMEIDA
Eu acho que essa ideia do medo desapareceu em termos de hospitais. Agora há muitas coisas que ficaram aviadas, suspensas, cirurgias, coisas assim. Eu não sei muito bem, mas acho que isso vamos ter que retomar antes de… E recuperar agora.
0:40:27 – JORGE CORREIA
Lassiona teologia moral. Nesses tempos de Trumps, Bolsonaro e Afins, qual é a moral da história?
0:40:36 – PEREIRA DE ALMEIDA
Para quem pensa as questões da ética social, não há moral da história. Ou seja a história ensina-nos a que o bem e o mal nos atravessam na nossa história pessoal e na história das instituições, ou seja que há estruturas na tradição até a vinda da América Latina, com a trilogia da imprimição em si, nós dizemos há estruturas de pecado.
0:41:02 – JORGE CORREIA
É o diário.
0:41:05 – PEREIRA DE ALMEIDA
É a questão que, sendo… o pecado é sempre entendido como pessoal. não é Só que há organizações, a leis económicas, a organizações da sociedade que, direta ou indiretamente, podem influenciar as pessoas a viver falhando o sentido verdadeiro da vida, que é a vida na relação com os outros. Portanto, uma vida virada para si, uma vida em que eu tenho o primeiro lugar e em que o outro não me interessa, ou se me interessa, só me interessa porque eu ganho com isso Por exemplo quase utilitário e não de bem com o outro.
Portanto, estruturas económicas ou a apartheid ou a máfia, são lugares em que a gente percebe o que é que está a falar, quando faz, quando fala de estruturas de pecado. Às vezes o poder político leva essas estruturas a uma… sem serem estados de direito com a democracia a funcionar saudávelmente. Leva essas estruturas a níveis que, na fase atual da nossa vida, esperávamos não voltar a encontrar. Claro, os Estados Unidos devem encontrar saídas airosas. Agora o Brasil é preocupante numa situação destas e atualmente.
0:42:48 – JORGE CORREIA
Mas o facto é que nós podemos olhar para Bolsonaro, olhar para a trampa, mas como o mel e esses fenômenos… começam a repetir-se com muita frequência e popularidade dentro da própria Europa.
0:43:02 – PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, o que era algo que Sim, desde a última guerra a gente preferir nunca mais ouvir falar. Não é De cá na.
0:43:12 – JORGE CORREIA
Europa. O discurso populista é um discurso fácil de entender, é binário, da essas respostas e porque a gente tem uma comunicação, é atrativa.
0:43:20 – PEREIRA DE ALMEIDA
E é preocupante. Não é Provisto, é atrativo, é fácil. É propaganda, a palavra que eu usava, Pois era Propaga-se pela propaganda e é fácil, não é Eu. Agora já há muitas coisas acerca do populismo, não é? E vale a pena refleti-las para estarmos pervenidos, fundamentalmente porque pode haver um pequeno Bolsonaro aqui que surge no bairro ou no município não é Para não falar de clubes de futebol pronto E que possa galvanizar as boas vontades, imagino.
0:44:14 – JORGE CORREIA
Vamos buscar esta entrevista com quase um desafio. Não sei se a memória vai para aí ou se qual é que foi a sensação da primeira Eucaristia, agora, depois do Covid, de estar de novo no Pulpito a falar à sua comunidade, ou se preferir lá atrás e pensar na primeira missa, na primeira homilia que esteve. que fazer para uma comunidade? Como é que foi a sensação? A sensação.
0:44:51 – PEREIRA DE ALMEIDA
Então lá atrás era Bem, agora é a tua vez, no sentido de que velasse as desenrascas, não é? Portanto, se depois não se dio certo, nós nunca estamos preparados para estes momentos iniciais, não é, iniciais. A gente estudou, estudou, tal, tal, acha que agora é que é, mas somos uns atados. Lembro que ter que preparar, bem, é claro.
Mas por exemplo, uma vez no Hospital de Santa Maria que alhei, que presidiam um funeral de um familiar de uma colega, e acho que fiz um discurso que mais ou menos cobria o tema a vá da questão, e foi uma coisa que devia ser claramente que estava atado, quer dizer queria falar para lado dos limites confecionais porque havia uma grande participação de pessoas que não eram católicas ou que não eram cristãs, nem eram crentes, e vi-me de acordo com os cúcos, se é assim uma já agora que a gente vai lá para trás. Agora não, pois se foi a possibilidade de dizer às pessoas que aquilo que a gente conversou logo no início, que era, se para as pessoas foi um grande peso não ter esta ausência da visibilidade na Sebação de Eu-Christia, para os fatos também não é fácil a gente estar a separar sozinho por todos sem ser para aqueles, e portanto isso decorreu com muita leveza no sentido que era muito sujado e foi bem preparado e corro bem.
0:47:01 – JORGE CORREIA
E assim aconteceu. Antes de vos pedir que subscrevam o podcast ou falem dele aos vossos amigos, ou se gostarem mesmo mesmo muito, deixem um comentário no web ao podcast. sou no site PreguntaSimplescom. Fiquem com uma nota final. tenho na minha mão o último livro de Praia da Almeida. A dor dos outros, diz o autor que se trata. que se cuida, que se acolhe como única palavra, com paixão, até a próxima.