Hoje sinto-me na idade dos porquรชs.
Porque? Porquรช? Porquรช?
Porque sim!
Porque sim nรฃo รฉ resposta, dir-nos-ร qualquer crianรงa munida de mil perguntas difรญceis para fazer.
Nesta ediรงรฃo รฉ convidada a filรณsofa e perguntรณloga Joana Rita Sousa.
Mestre na arte da pergunta e na missรฃo de criar espaรงos onde as questรตes sรฃo a acendalha para o pensamento criativo.
Perguntar para saber.
Perguntar para ouvir.
Perguntar apenas para manter a conversa ao lume.
Das perguntas curiosas ร s mais abstratas.
Do rol de perguntas difรญceis atรฉ ร s mais incรณmodas.
Das maiores, ร s mais pequenas.
Todas as perguntas sรฃo motores de conversa. Sรฃo chispas de curiosidade.
Das muito difรญceis de responder:
Quem sou eu?
De onde venho?
Para onde vou?
Qual o sentido da vida?
Das perguntas vitais, mais desafiadoras, feitas por crianรงas:
De onde vem os bebรฉs?
Como se fazem os bebรฉs?
Porque nรฃo me deixas comer todas a guloseimas?
Ou fazer tudo o que me apetece?
O pai natal existe?
E deus?
Vida, morte e sexo serรฃo o topo das perguntas mais difรญceis de responder ร s crianรงas.
E elas tรชm dezenas na ponta da lรญngua.
Esta ediรงรฃo tambรฉm tem espaรงo para adultos.
Dos que mantรฉm ร curiosidade fresca e imaculada ร s que mentem ร s crianรงas para sobreviver ร pergunta certeira.
Em caso de emergรชncia funciona quase sempre a fรณrmula: โpergunta ร tua mรฃe, que ela sabe tudoโ
Mas a receita pode ter retorno ร casa de partida.
O melhor mesmo รฉ tentar responder com honestidade.
E em caso de ignorรขncia profunda, dizer que nรฃo sabemos e ir, juntos, ร procura da resposta.
TรPICOS DA CONVERSA:
[00:05:31] A autora encontrou um livro sobre a arte de fazer perguntas e comeรงou a investigar o papel das perguntas e como elas podem trazer diferentes resultados. Tambรฉm explora o papel das perguntas em processos e como elas podem levar a outras descobertas.
[00:08:37] Vรกrios processos, receitas com variaรงรตes individuais.
[00:15:01] Criar algo novo a partir da mistura.
[00:19:39] Filรณsofos resolvem problemas atravรฉs de perguntas.
[00:22:04] Oficinas para diferentes pรบblicos, principalmente famรญlias. Proposta de jogo para estimular o pensamento.
[00:24:51] Contemplar possibilidade de escolhas diferentes juntos.
[00:28:05] Linguagem acessa pensamento, mas pode desviar entendimento.
[00:30:49] “A importรขncia das perguntas na infรขncia.”
[00:34:07] Algumas pessoas sรฃo mais honestas e curiosas.
[00:38:28] Problemas com finitude e sede de mais.
[00:41:35] Diferentes ideias sobre escola e futuro. Cรฃo como porteiro. Tecnologia e tempo livre.
[00:47:54] Escolher bem, energia pouca, redes sociais. Surpresa!
[00:49:08] Ser humano รฉ falรญvel, racionalidade รฉ discutรญvel, verdade รฉ relativa.
[00:52:18] Pergunta simples, resposta simples, outras sรฃo difรญceis.
LER A TRANSCRIรรO DO EPISรDIOTRANSCRIรรO AUTOMรTICA
Jorge Correia [00:05:25]:
Joana Rita Sousa, filรณsofa de profissรฃo, Perguntรณloga.
JOANA RITA SOUSA [00:05:31]:
Carreia que รฉ uma perguntรณloga. Bom, a ideia nรฃo รฉ minha, nรฃo รฉ original, nรฃo foi o original meu, digamos assim, mas eu hรก uns tempos encontrei um livro que se chama Arte de Fazer Perguntas, do Warren Burger, um jornalista, nรฃo sei se tivesse a profissรฃo que te diz alguma coisa, assim รฉ onde levo, nรฃo รฉ? Alguรฉm que trabalha tambรฉm com perguntas e que comeรงou a fazer uma investigaรงรฃo sobre o papel da pergunta, comeรงou a dedicar-se a perceber que tipo de pergunta, o que รฉ que trazem determinado tipo de perguntas, como รฉ que se pergunta, por exemplo, para inovar, como รฉ que se pergunta. O fim ao cabo รฉ contemplar a pergunta e perceber o que รฉ que ela significa, o que รฉ que ela traz. Como se fossem categorias? Sim, tambรฉm, รฉ possรญvel fazer esse estudo das perguntas como se fossem categorias. Mas o interesse dele tambรฉm era perceber qual era o papel da pergunta em processos. Antes de as categorizar vรก a perceber, que รฉ muito isso que eu faรงo em diรกlogo, nรฃo รฉ? Que รฉ perceber naquele diรกlogo o que รฉ que cada pergunta provocou. Ou se eu fizer a pergunta X, o que รฉ que ela pode provocar e comeรงa a desenhar cenรกrios de perguntas diferentes que me podem trazer outros tipos de coisas. Isso รฉ um bocado maquiavรฉlico. Nรฃo รฉ uma questรฃo de… Nรฃo รฉ maquiavรฉlico porque eu nรฃo quero conduzir
Jorge Correia [00:06:47]:
em excesso o processo, sรณ quero รฉ que o processo seja claro para todos. Portanto, hรก uma diferenรงa entre o bem e o mal. Portanto, tu faz isso com o processo para atingir o bem, para atingir o melhor do processo. Para atingir uma clareza. Sim. ร esse o meu foco. Sabes que eu confesso desde jรก, eu quando ouรงo falar de processos, fico os cabelos em pรฉ. Entรฃo. Porque eu gosto muito de ouvir os nossos princรญpios, eu gosto muito, nรฃo รฉ? A nossa visรฃo, adoro. Os nossos processos, eu jรก me estou a imaginar na fรกbrica como a fรกbrica Taylor. Entรฃo, o teu papel รฉ fazer este processo, que รฉ pegar nesta porca, pรดr neste parafuso e esta porca neste parafuso. E eu percebo que o mundo se move com processos,
JOANA RITA SOUSA [00:07:33]:
mas sou uma pouco criativo ou nรฃo. Mas nรฃo falam-se tambรฉm de processos criativos, como รฉ que encaixas esta expressรฃo? Nรฃo sei, diz-me tu.
Jorge Correia [00:07:41]:
Parece uma contradiรงรฃo dos termos.
JOANA RITA SOUSA [00:07:45]:
Sim, รฉ verdade, mas nรณs conseguimos reconhecer, sobretudo quando… Um pouco como o Warren Berger fez com as perguntas, nรฃo รฉ? Que รฉ olhar para elas ร distรขncia e perceber que efeito รฉ que elas tรชm e qual รฉ a diferenรงa entre fazer uma pergunta que comeรงa por porquรช ou por porquรช e uma que comeรงa por serรก que? Qual รฉ o efeito que isto te provoca num processo? Vou-te chamar aqui provisรณriamente. Nรฃo, nรฃo, mas eu aceito, nรฃo tem problema. Eu compro o processo.
Jorge Correia [00:08:08]:
Eu quero que as palavras nรฃo te provoquem. Atรฉ porque รฉ assim, eu sei que se eu for comer, se eu for fazer o meu almoรงo, o meu jantar, e eu sei que aquilo รฉ um processo, eu tenho que ligar o fogรฃo primeiro e depois pรดr a panela e depois… Eu sei que isso รฉ verdade, mas eu quase me apetece dizer assim ah, mas o que eu gosto mesmo รฉ de pensar no bife com ovo a cavalo, quer dizer, quase no fim, pensar no desejo e nรฃo no caminho.
JOANA RITA SOUSA [00:08:37]:
Compreenda a questรฃo com o processo, mas podemos entendรช-lo como que hรก vรกrios tipos de processos e mesmo uma receita que pode ser uma coisa processual tem muitas maneiras de ser levada a cabo ou ser realizada, nรฃo รฉ? Porque nรณs sabemos que hรก uma receita, por exemplo, para calhar obras, que รฉ uma coisa, claro, suficientemente conhecida para as pessoas saberem do que รฉ que eu estou a falar, mas nรณs sabemos que hรก ali elementos-chave, hรก atรฉ elementos do processo que sรฃo fundamentais, mas hรก outros que depois a pessoa dรก o seu toque pessoal. As variaรงรตes. Hรก as variaรงรตes e as pessoas aรญ criam variaรงรตes de processo ou criam o seu prรณprio processo e a sua prรณpria maneira de fazer as coisas. Aquilo que nos faz dizer, รฉ pรก, este
Jorge Correia [00:09:22]:
bacalhau-abrax รฉ mesmo extraordinรกrio
JOANA RITA SOUSA [00:09:24]:
porque hรก ali um coisinho. Tem qualquer coisa. Eu julgo que na criatividade e nos processos criativos o que acontece รฉ que hรก talvez uma dinรขmica mais caรณtica, mas a dado momento รฉ preciso parar para ter alguma estrutura e รฉ aรญ que poderรก entrar a questรฃo do processo criativo, por isso รฉ que se fala muito ou que se tenta perceber com as pessoas que sรฃo criativas. A grande pergunta รฉ qual รฉ o seu processo criativo? No fundo รฉ como รฉ que chega aqui? Eu atรฉ quero dar um passo atrรกs. Hรก uma diferenรงa entre pessoas
Jorge Correia [00:09:55]:
criativas ou nรฃo criativas ou mais criativas e menos criativas?
JOANA RITA SOUSA [00:09:59]:
ร uma diferenรงa entre… Ou seja, hรก graus de criatividade nas pessoas? Sim.
Jorge Correia [00:10:03]:
Ou se o potencial รฉ tudo o mesmo e depois alguns de nรณs exercitam melhor esse mรบsculo e conseguem criar mais ou nรฃo. Ou o nosso hardware vem aqui equipado com uma quantidade limitada de criatividade para nรณs podermos exercer?
JOANA RITA SOUSA [00:10:20]:
Eu julgo que todos nรณs temos um potencial de criatividade, a questรฃo รฉ perceber se temos por um lado vontade e ร s vezes condiรงรตes para poder exercitar. E eu vejo a criatividade como um mรบsculo, exatamente, ou como algo que se pode trabalhar, nรฃo รฉ? Como se estivรฉssemos a pensar no nosso corpo nรณs podemos trabalhar pernas, medir pernas รฉ sempre difรญcil, mas pronto ou podemos trabalhar as costas, podemos… E depois sabemos Quanto mais consistรชncia tem o nosso treino, quanto mais intensidade tem, se รฉ acompanhado ou nรฃo, o resultado desse processo
Jorge Correia [00:10:59]:
รฉ diferente. O que significa entรฃo que se nรณs, na nossa vida, e tu trabalhas com crianรงas e com adultos รฉ minha sensaรงรฃo de que as crianรงas sรฃo infinitamente mais interessantes do que os adultos que parece que me erraram, em vez de ser ao contrรกrio. Aqui que ninguรฉm nos ouve, sim.
JOANA RITA SOUSA [00:11:18]:
Eu diria que sim.
Jorge Correia [00:11:20]:
Que estรบpidos somos nรณs, adultos que aqui estamos, para que nos tornemos piores do que o que รฉramos, nรฃo รฉ? Porque se nรณs aos quatro anos, aos cinco anos, somos surpreendentes, frescos, contraditรณrios, e depois aos 20 somos um bocadinho piores, aos 30, aos 40, insuportรกvel. ร quase que esta coisa do envelhecimento nos oferece umas ferramentas de experiรชncia de jรก ter visto, mas se calhar um cansaรงo de um mundo que nos retire essa curiosidade infinita. A frescura, nรฃo รฉ? A frescura de olhar para o mundo como se tivรฉssemos de olhar para ele pela primeira vez, nรฃo รฉ?
JOANA RITA SOUSA [00:12:01]:
Isso รฉ uma coisa que as crianรงas nos dรฃo e o facto de eu trabalhar com crianรงas a mim รฉ estar constantemente exposta a essa frescura, รฉ sรณ olhar para o mundo pela primeira vez e espantar-me com as coisas e nรณs vamos perdendo isso, Mas eu nรฃo sei se รฉ possรญvel nรฃo perder algo, nรฃo รฉ? Nรฃo sei se รฉ possรญvel manter sempre esse espรญrito de olhar para as coisas pela primeira vez porque isso consome muita energia, muito tempo, muita desmoralidade e nรณs depois temos outras coisas que vamos fazendo ร medida que vamos crescendo, vamos criando padrรตes apesar de jรก nรฃo perguntarmos tanta coisa, porque porque jรก temos informaรงรฃo que nos diz que a partir isto estรก relacionado com aquilo, ou isto se explica assim e vamos criando estas รขncoras, ou estes hรกbits, ou estas referรชncias que nos ajudam a viver, porque imaginam que a todo momento, e agora estou aqui a exagerar, nรณs olhamos para o mundo e dizemos, ah, isto, o que รฉ isto? Quem รฉ o objeto deste? Ah, que estranho. Ah, dรก para escrever, claro. O que รฉ isto? ร uma caneta. E jรก รฉ uma caneta e portanto jรก nรฃo te surpreende. A questรฃo รฉ perceber, se eu estiver num momento de afliรงรฃo e se eu quiser ser, agora aqui a referรชncia รฉ um bocadinho geracional, perdoem-me, se eu quiser ser uma espรฉcie de MacIvor e resolver problemas com coisas inesperadas, esta caneta pode nรฃo ser sรณ uma caneta. Pode ser, sei lรก, um objeto que me vai salvar a vida. E essa criatividade, lรก estรก, hรก uns
Jorge Correia [00:13:24]:
adultos muito especiais que mantรฉm essa capacidade. Ou entรฃo, deixamos desafiar-te, ou entรฃo, uns adultos muito velhinhos, conhecidos como avรณs, quando expostos a esse tรณnico chamado netos, parece que acontece qualquer coisa. Hรก ali um reviver. Hรก uma identificaรงรฃo.
JOANA RITA SOUSA [00:13:49]:
Desse estadio de criatividade, nรฃo รฉ? Hรก uma outra disponibilidade tambรฉm. Eu acho que รฉ uma disponibilidade mental e de tempo para viver de outra maneira. Porque enquanto nรณs nรฃo temos responsabilidades e nรฃo temos tambรฉm uma sociedade a pressionar-nos com uma sรฉrie de expectativas, a vida รฉ uma coisa muito divertida, nรฃo รฉ? A maltrataรงรฃo a existir. E a caneta pode ser um aviรฃo? Exatamente. Pode ser outra coisa qualquer? E hรก aรญ um grau de exploraรงรฃo, digamos que um limite ou um campo de exploraรงรฃo que nรณs temos, que depois vamos crescendo e vamos perdendo esse campo de exploraรงรฃo. Agora, se eu quiser treinar esse mรบsculo, eu digo, defendo, que nรณs nรฃo estamos condenados a… Ah, eu nรฃo sou uma pessoa criativa. Mas quer ser. Se quer ser, hรก possibilidades de vir a ser uma pessoa criativa. Entรฃo vai ser um Picasso, possivelmente. Atรฉ porque sรณ hรก um, nรฃo รฉ? Sรณ hรก um, nรฃo รฉ? Porque hรก esta ideia de que, ah, para ser criativo eu tenho que ter uma ideia 100% original, nunca antes vista. Nรฃo, nรฃo se inventa a roda. รs vezes cria-se uma roda de outra cor, ou conjuga-se
Jorge Correia [00:14:57]:
rodas. ร uma recomposiรงรฃo da realidade. ร uma espรฉcie
JOANA RITA SOUSA [00:15:01]:
de mescla ou de mistura, nรฃo รฉ? Que nos faz criar algo novo. Nem que seja novo para nรณs, porque nรณs nunca tรญnhamos criado nada assim. E essa novidade tambรฉm tem que ser enquadrada na pessoa que estรก a exercitar esse mรบsculo. ร um momento ahรก? Pode ser um momento ahรก, sim. Um momento ahรก ร s vezes รฉ que vem de coisas muito simples que as pessoas nunca tinham… Sei lรก, as pessoas nunca tinham… Vou dar um exemplo muito, muito, muito simples Eu precisava de uma trela grande para passear cรฃes. E o critรฉrio, agora aqui fazendo uma anรกlise filosรณfica, pesava desse objeto, mas tinha de ser um objeto bastante comprido, mais de 10 metros garantidamente, e resistente. Nรฃo vais passear o teu cรฃo na tua janela. Nรฃo vais soltar o cรฃo e ficas na janela. Nรฃo รฉ? E a senhora, a minha mรฃe, que รฉ uma pessoa, pronto, prevista, nรฃo รฉ? Foi a uma loja comprar parafusos, olhou e disse assim Ah, fita de estore. Isto se calhar… Se calhar dรก. Se calhar dรก, porque รฉ altamente resistente. O Stor รฉ uma coisa resistente. E entรฃo eu tenho hรก nรฃo sei quantos anos uma estrela gigante, deve ter para uns 16 metros, que entretanto jรก sofreu ali um acrescento, feita de fita de Stor, altamente resistente e que me permite fazer os meus passages de voluntariado, que tranquila, porque eu sei que aquilo suporta o cรฃes de porte grande e que me permite fazer aquele passeio dando-lhes… Aqui pode ser filosoficamente interessante analisar isto… Mas dรก-lhes alguma liberdade. Dรก-lhes estrela. Dรก-lhes estrela. E isto รฉ fazer algo novo, que รฉ… Eu nรฃo tinha contemplado a ideia de fita de histรณrico poder ser usada para um material, eu achava que a fita de histรณrico era para ser fita de histรณrico, nรฃo รฉ? E houve aqui uma ideia que รฉ, nรฃo, este material cumpre. Porque eu pego num rolo e corto ร medida que quero, nรฃo รฉ? Porque aquilo tem imensos metros.
Jorge Correia [00:16:48]:
E tenho a garantia que รฉ um material resistente. E que isso serve para o que serve. E que serve para aquilo que eu pretendo. A criatividade serve sempre para o que serve ou a criatividade pode incluir elementos de profunda inutilidade?
JOANA RITA SOUSA [00:17:00]:
Que por favor, que sim, que inclua. ร, nรฃo รฉ? Acho que รฉ muito importante tambรฉm isso. Tambรฉm isso. Acho que รฉ importante as duas coisas, nรฃo รฉ? Entรฃo, para que nos servem na utilidade? Para nos divertir, para brincar e para nos aborrecermos tambรฉm. Porque temos que nos aborrecer para podermos ser criativos. Ai, que um contributo mรบtuo. Quase um tรฉdio. ร importante o aborrecimento. ร importante nรณs… Eu quando digo aborrecimento estou a imaginar alguรฉm… A situaรงรฃo de alguรฉm que, por exemplo, tem tempo livre e em vez de encher esse tempo livre com coisas, estรก sรณ disponรญvel para estar ali. Ou para nรฃo ter assim nada. Isso รฉ fascinante ou
Jorge Correia [00:17:40]:
terrรญvel?
JOANA RITA SOUSA [00:17:42]:
Vai depender muito da tua aproximaรงรฃo, mas pode haver ali uma espรฉcie de vertigem para o vazio, nรฃo รฉ? Entรฃo e agora o que รฉ que eu faรงo? Nรฃo, porque jรก sabes que eu estou a ouvir-te e uma das coisas que…
Jorge Correia [00:17:54]:
Eu acho que foi o Stephen Gouveia que fez um evento no Porto, cuja temรกtica era tipo o que รฉ que nรณs fazemos se fรดssemos eternos? Ah, sim, sim. Tem a ver com a eternidade, รฉ verdade. E que รฉ, por um lado, o nosso confronto humano com a ideia da mortalidade, nรฃo รฉ? Portanto, com a ideia de finitude. Mas a ideia alternativa do tempo infinito tambรฉm nรฃo รฉ muito descansada, digo eu.
JOANA RITA SOUSA [00:18:20]:
Eu creio que nรณs terรญamos muita dificuldade em preencher esse tempo. Ou entรฃo tรญnhamos que ter… Imagino que tรญnhamos um tempo infinito, nรฃo รฉ? Para jรก A ideia de ter um tempo infinito รฉ uma coisa que eu nรฃo sei se consigo vislumbrar. Ter uma agenda infinita, nรฃo รฉ?
Jorge Correia [00:18:37]:
ร tรฃo absurdo o princรญpio do tempo infinito como da eternidade infinita, como da finitude.
JOANA RITA SOUSA [00:18:43]:
Sim, sรฃo ideias difรญceis de alcanรงar. O ser humano tem esta nossa relaรงรฃo com o trabalho, tem a ver, estรก muito ligada ร experiรชncia do tempo. Nรณs podemos dizer agora que trabalhamos, temos vรกrios motivos para trabalhar e para fazermos determinadas profissรตes, mas hรก tambรฉm uma relaรงรฃo com o tempo. O trabalho marca-nos o tempo. Marca a hora de inรญcio do dia, das rotinas, marca o final do dia. Isso รฉ uma escravatura? Marca… Bem-vindo ร humanidade.
Jorge Correia [00:19:17]:
Nรฃo รฉ? Entรฃo, espera lรก, eu defino-me em funรงรฃo do meu trabalho e eu digo nรฃo.
JOANA RITA SOUSA [00:19:26]:
Bom, eu estava a falar, atenรงรฃo, eu estava a falar da nossa experiรชncia e do tempo e da importรขncia que o trabalho tem para isso. E eu gosto muito de trabalhar, mas essa ideia… Tu agora estรกs-me a pรดr uma ideia muito
Jorge Correia [00:19:37]:
perturbadora.
JOANA RITA SOUSA [00:19:39]:
De nada, รฉ o que eu posso dizer. Porque a minha… E esse รฉ o trabalho dos filรณsofos. O meu trabalho รฉ esse. Toma lรก um problema. ร porque toma lรก um problema e agora diverte coisa. Que eu saiba os filรณsofos existem para resolver os problemas que nรณs nรฃo conseguimos resolver. Muitas vezes para identificรก-los ou tornรก-los claro, porque tu jรก tens o problema ou jรก tens uma intuiรงรฃo do problema. รs vezes, e voltando aqui ร questรฃo da perguntologia, รs vezes รฉ afinar a forma como nรณs nos posicionamos perante o problema e ร s vezes esse posicionamento รฉ sob a forma de uma pergunta. E perguntar melhor pode ajudar-nos tambรฉm a solucionar ou melhor ou mesmo a solucionar, nรฃo รฉ? Ou ter consciรชncia que ร s vezes nรฃo hรก soluรงรฃo. Tambรฉm pode ser.
Jorge Correia [00:20:18]:
Lamentamos, senhores ouvintes. Lamentamos informar.
JOANA RITA SOUSA [00:20:21]:
Mas nรฃo hรก uma
Jorge Correia [00:20:23]:
soluรงรฃo. Tu usaste a palavra intuiรงรฃo. Curioso. Nรฃo usaste pensamento, nรฃo usaste racionalizaรงรฃo. Nรฃo. Intuiรงรฃo. Isso รฉ quase um jogar, uma epifania, um espanto. O que รฉ que รฉ? O que รฉ que รฉ uma intuiรงรฃo?
JOANA RITA SOUSA [00:20:35]:
Pode ser assim uma espรฉcie de… Aquela coisa que os cรฃes fazem quando lhes cheira a qualquer coisa, nรฃo รฉ? Tipo, ai, isso calhar รฉ por ali. Os ingleses tรชm uma palavra que se chama insight, que รฉ muitas vezes traduzida por intuiรงรฃo e nรฃo sei se nรฃo dirรก melhor isto que eu estou aqui a dizer mas รฉ uma espรฉcie de vislumbre
Jorge Correia [00:20:52]:
Gosto da palavra
JOANA RITA SOUSA [00:20:54]:
que nรฃo รฉ isento de racionalidade mas por vezes รฉ sรณ uma ร como se fosse sรณ… Nรฃo vemos completamente. ร uma coisa meio opaca e nรณs vemos ali algo que nos diz que caminha por ali. Depois temos que o explorar. Mas nรฃo รฉ completamente claro. Nesta ideia de que รฉ algo, que eu intuo, que รฉ por ali. E como รฉ que a gente depois consegue descobrir entre
Jorge Correia [00:21:15]:
a intuiรงรฃo mais verdadeira ou a ideia profundamente parva a que podemos chamar um preconceito sobre a realidade? Temos que experimentar, temos que tirar as consequรชncias disso e pensar.
JOANA RITA SOUSA [00:21:27]:
Porque enquanto estamos a pensar numa espรฉcie de laboratรณrio, nรฃo รฉ? Estamos sรณ a pensar. ร partida nรฃo vamos… Ninguรฉm se vai magoar, nรฃo รฉ? Estamos sรณ a pensar. Ninguรฉm vai cair, nรฃo vamos provocar mal a ninguรฉm. Estamos sรณ a fazer uma espรฉcie de jogo. Eu acho que se encararmos isto como um jogo, que รฉ muita proposta que eu trago para as oficinas de perguntas, como aquelas que faรงo aqui neste sรญtio onde nรณs estamos, na Mala Aposta, รฉ convidar as pessoas para brincar com o pensamento. Vamos entrar nessas oficinas. O que รฉ que acontece?
Jorge Correia [00:21:57]:
Vamos lรก. Estamos teletransportados, nรฃo precisamos, estamos no centro da Mala Aposta. Quem รฉ que estรก lรก? Quem รฉ que estรก nessa sala?
JOANA RITA SOUSA [00:22:04]:
Bom, nestas que acontecem aqui eu faรงo oficinas para pรบblicos, para descendentรกrios diferentes, com descendentรกrios diferentes, mas aqui normalmente faรงo para famรญlias. Portanto, imagina, pais, filhos, mรฃes, filhos, avรณs. Vem uma pessoa adulta, ร s vezes vem um irmรฃo mais velho tambรฉm, mas a ideia รฉ que tragam uma crianรงa normalmente tรชm entre os seis e os dez. Que รฉ para salvar isto. Mas รฉ para manter o espanto ativo, mas รฉ invariavelmente aparecem para alguรฉm um bocadinho mais novo ou um bocadinho mais velho, portanto tambรฉm dรก aqui uma diversidade interessante e um olhar interessante. E a ideia รฉ… Eu trabalho muito com a proposta de jogo. Mesmo que nรฃo traga um jogo, o meu convite รฉ sempre que as pessoas se simulizem durante uma hora ou uma hora e meia, o tempo que for a brincar de uma forma sรฉria, mas a brincar com o pensamento. A partir de uma proposta de olhar para uma imagem e ver o que รฉ que aquela imagem me suscita ou mesmo, por exemplo, um jogo de escolhas em que nรณs temos de escolher entre uma coisa e outra, temos de justificar porque รฉ que escolhemos uma coisa e nรฃo a outra, e pensar e fazer este jogo, por exemplo, quando tu รฉs… Estรกs pronto, uma escolha รฉ natural que tenhas por um determinado motivo. Imagina que a escolha รฉ entre gelado de baunilha e sopa, sei lรก, sopa de beldruegas. Estรก resolvido o problema. Disse bem, beldruegas. Um beldruegas. Eu gosto tambรฉm de sopa de bel droegas. Porquรช que me surgiu esta palavra? Eu de vez em quando aprendo palavras novas e depois tenho que as usar no discurso.
Jorge Correia [00:23:27]:
Vai por associaรงรฃo livre, que canhute! Foste lรก ao Alentejo, voltaste de Alentejo e assim. Sopa, gelado ou sopa? Ora, quem
JOANA RITA SOUSA [00:23:35]:
nรฃo gosta de gelado, por algum motivo, porque hรก pessoas… Eu sei que isto pode parecer chocante, mas hรก pessoas que nรฃo gostam de gelado. Vai tendencialmente escolher a sopa. Depois poderรก nรฃo gostar daquela sopa particular, mas tem pelo menos ali uma questรฃo. Sou muito chatinho, diz, e quero uma sopa, mas na realidade um caldo verde รฉ que era melhor do que o de eltroegas. Entรฃo, a pessoa tem uma tendรชncia para escolher e vai justificar a sua escolha. E agora uma das coisas que eu posso propor รฉ, Agora imagina quais sรฃo as razรตes que leva alguรฉm a escolher aquilo que tu nรฃo escolheste. Para fazermos esse exercรญcio de pensarmos o que รฉ que leva alguรฉm a fazer diferente de nรณs, porque isso รฉ uma coisa que nรณs vamos encontrar durante… Na nossa vida encontramos muitas vezes, nรฃo รฉ? Tu crias uma contradiรงรฃo
Jorge Correia [00:24:16]:
dentro da escolha da pessoa?
JOANA RITA SOUSA [00:24:18]:
Nรฃo, nรฃo รฉ criar uma contradiรงรฃo, รฉ convidรก-la a pensar de outra maneira. Ou seja, รฉ convidรก-la a pensar o mesmo, tanto a mesma temรกtica das escolhas, mas de uma maneira que ela ainda nรฃo teria eventualmente imaginado. Suspeito que muitos de nรณs
Jorge Correia [00:24:31]:
passamos a nossa vida, quer pessoal, quer profissional, a ser muito, muito teimosos e a agarrar-nos como se nรฃo houver amanhรฃ no nosso ponto de vista, espancando e matando logo ร cabeรงa com uma paulada qualquer ponto de vista que seja, em princรญpio, diferente do nosso olhar.
JOANA RITA SOUSA [00:24:51]:
Eu nรฃo quero converter as pessoas a gostarem de gelado se gostam de sopa ou a gostarem de sopa se gostam… Nรฃo รฉ essa a ideia, mas รฉ contemplarem essa possibilidade para precisamente lhes dar uma espรฉcie de ferramenta ou para se muscularem, vรก, nessa ideia de que de facto eu posso estar a fazer uma escolha que me parece muito razoรกvel, que tem as minhas razรตes, mas hรก pessoas que escolhem diferente e se nรณs tivermos, por exemplo, que trabalhar juntos e se tivermos abordagens diferentes, vamos ter que encontrar aqui um patamar, uma espรฉcie de plataforma de entendimento. Ajuda, quanto a mim ajuda, se eu perceber as tuas razรตes, se tu percebes as minhas e se nรณs criarmos aqui uma ideia de, ok, nรฃo vamos conseguir fazer, ou entรฃo acordamos, Agora faรงo como tu queres, depois eu farei como eu quero, ou entรฃo arranjamos uma forma que pode ter um bocadinho dos dois mundos. ร uma negociaรงรฃo? Uma negociaรงรฃo, sim, mas รฉ uma negociaรงรฃo esclarecida e em que nรฃo hรก intenรงรฃo… Porque o meu foco ali nรฃo รฉ ganhar, nรฃo รฉ que a minha ideia venรงa, nรฃo รฉ que seja a minha ideia.
Jorge Correia [00:25:48]:
Mas tu estavas a dizer que trabalhas com famรญlias. Sim. E as famรญlias ร s vezes sรฃo muito competitivas atรฉ nisso, nรฃo รฉ? Hรก umas que รฉ ok, as crianรงas ganham sempre, nรฃo รฉ? Aquela coisa de num jogo de famรญlia de Natal, as crianรงas ganham. Depois aparece o tio-avรด que รฉ especialmente competitivo e diz Nรฃo, nรฃo, quem vai ganhar isto sou eu. Como รฉ que รฉ? Como รฉ que รฉ essa dinรขmica?
JOANA RITA SOUSA [00:26:12]:
As famรญlias que chegam aqui normalmente sรฃo famรญlias curiosas ou com alguma disponibilidade, porque tambรฉm nรฃo sabem…
Jorge Correia [00:26:18]:
Ou que vem. รs vezes nรฃo sabem muito bem o que รฉ isto numa oficina de filosofia. E as outras mandam-as para a terapia. Nรฃo, filosofia… Nรฃo, filosofia รฉ outra coisa.
JOANA RITA SOUSA [00:26:26]:
A porta estรก aberta para todas as pessoas. Lรก estรก, estรก aberta para todas as pessoas que estejam disponรญveis para pensar com os outros, nรฃo รฉ? E eu, para pensar com os outros, preciso de treinar este mรบsculo da escuta e de largar ร s vezes a minha ideia porque enquanto eu estiver muito obcecada com a minha ideia, eu nรฃo consigo ouvir sequer a tua. E esse รฉ um processo. ร um processo que se trabalha, ou รฉ uma atitude. Se calhar aqui a palavra correta รฉ atitude. Uma vontade. ร uma atitude que se trabalha, uma disposiรงรฃo para dizer assim, ok, eu Nunca tinha pensado nisto, nunca imaginei que esta ideia fosse vรกlida, mas estou disponรญvel para ouvir as tuas razรตes. E depois as tuas razรตes, repara o que รฉ que pode acontecer, as tuas razรตes podem fazer eco nas minhas e levar-me
Jorge Correia [00:27:13]:
a voltar a pensar nas minhas ideias. Mas lรก estรก, nรณs temos pessoas, conhecemos todas, que sรฃo mais construtivas nesse processo e portanto nรฃo sรณ absorvem como o integram, como fazem um movimento para o outro, mas por outro lado, e isso interessa-me ouvir a tua opiniรฃo, รฉ que nรณs, rei dos seres humanos, usamos uma coisinha para nos entendermos ou desentendermos uns aos outros chamada linguagem. Linguagem รฉ um cรณdigo. O verde que estรก aqui ร volta รฉ mais verde ou menos verde E essa perca quase da traduรงรฃo do conceito pode jogar esse papel nessa dinรขmica. Ora criativa, que รฉ se eu nรฃo entendo vou criar sobre isso, ora negativa, eu nรฃo entendo logo bloqueio-te.
JOANA RITA SOUSA [00:28:05]:
A linguagem รฉ realmente a nossa forma de aceder ao pensamento dos outros, enquanto os outros de alguma maneira, seja de forma escrita, oral, por desenho, o que seja, nรฃo manifestar qualquer coisa do seu pensamento, eu nรฃo sei o que รฉ que a pessoa pensa, eu nรฃo consigo entrar lรก dentro da cabeรงa para saber. Exato, aqueles que dizem direita pinta. Isso sรฃo pessoas que fazem uma leitura… Muito rรกpida. Tambรฉm essa leitura tem o seu cรณdigo, nรฃo รฉ? Digo eu, sem saber muito bem. Portanto, a linguagem รฉ que รฉ um ponto de encontro, quanto a mim, mas tambรฉm pode ser de facto um ponto de desencontro. Enquanto nรณs nรฃo esclarecermos o que รฉ que entendemos, e por vezes eu sei que Isto รฉ muito, muito, muito ร pessoa da filosofia que รฉ. Entรฃo, Joana, o que รฉ isto? Bom, primeiro vamos ver o que รฉ que tu entendes por isto. O conceito. Porque รฉ importante, senรฃo nรณs vamos estar a falar vamos estar a usar a mesma palavra para falar de coisas diferentes e nรฃo nos vamos estar a entender. Enquanto eu nรฃo te explicar que… Eu digo assim, imagina que eu diga o seguinte eu quando vou passear os meus cรฃes, passeio-os ร trela, eles tรชm muita liberdade e na tua cabeรงa tu vรชs uma trela de metro e meio e dizes como รฉ que รฉ possรญvel ter liberdade? Nรฃo, eu digo nรฃo รฉ impossรญvel, tu dizes nรฃo, nรฃo, รฉ impossรญvel nunca passear ร trela e ter liberdade Liberdade e prisรฃo, no fundo aqui, sรฃo dois conceitos que… Nรฃo, porque tu estรกs a visualizar uma coisa, nรฃo รฉ? Para ti, eu digo, nรฃo, mas eu vou-te explicar como รฉ que acontece esta liberdade. E eu posso estar aberto a ouvir essa explicaรงรฃo ou pelo contrรกrio dizer assim Ixi, รฉ uma mentirosa. Ou nรฃo. Logo ร cabeรงa. E portanto, bloqueio logo
Jorge Correia [00:29:34]:
esta nossa conversa?
JOANA RITA SOUSA [00:29:36]:
Pois, hรก um conjunto de conversas realizadas por quem? Agora nรฃo sei se consigo aceder ร minha memรณria, mas no YouTube encontra-se por como dialogar com quem nรฃo quer ouvir. Um dos intervenientes que eu sei que ouvi lรก foi o Carlos Fiolhais, David Marรงal, espero estar a dizer bem os nomes, porque era um conjunto de conversas que tinha este tรญtulo, que eu acho que รฉ provocador, mas que รฉ de facto a grande dificuldade. Nรณs muitas vezes somos confrontados em termos de dialogar ou comunicar com pessoas que nรฃo querem ouvir ou que nรฃo estรฃo disponรญveis ou que nรฃo estรฃo treinadas para a escuta. Nunca ninguรฉm disse assim, olha, รฉ muito importante num processo de comunicaรงรฃo, รฉ importante que escutes o outro. E aquilo, lรก estรก, o que uma pessoa nรฃo escuta, passou-lhe a 100 ou a 1000 e nunca praticou isso. Todavia, as crianรงas, no seu fernezinho,
Jorge Correia [00:30:26]:
tambรฉm nรฃo parecem estar muito disponรญveis ou com muito tempo para ouvir, porque elas estรฃo em movimento efavorecente, mas trazem-nos outras coisas. O que nos oferecem as crianรงas? O que รฉ que nos podem reensinar para todos reaprendermos? Nรณs, quem estรก no Tecano estรก a ouvir, quem estรก connosco agora, para aprender com as crianรงas. O que รฉ que elas trazem? Olha,
JOANA RITA SOUSA [00:30:49]:
eu hรก pouco usei a palavra frescura e eu acho que essa รฉ uma boa palavra. Elas trazem uma frescura de viver, de se aproximarem ร realidade, nรฃo รฉ? Olham para a realidade de uma forma muito curiosa, regra geral, e querem saber as razรตes pelas quais as coisas sรฃo assim ou porquรช que isto รฉ assim e nรฃo รฉ assado, e porque รฉ uma idade muito, como dizer, muito rica. Hรก idades porquรชs, nรฃo รฉ? Exatamente, da qual as pessoas por vezes fogem, ou acham… รs vezes eu digo ai, ainda bem que o meu filho jรก nรฃo estรก na idade dos porquรชs. Porque hรก perguntas muito difรญceis. Ah, mas vai haver sempre. E voltamos ร perguntologia, nรฃo รฉ? Vai haver sempre perguntas difรญceis. De onde vรชm os bebรฉs? Pergunta ร tua mรฃe. Vamos empurrando, Vamos empurrando atรฉ ver se alguรฉm se chega ร frente com uma explicaรงรฃo. Hรก perguntas difรญceis e eu julgo que a mais vรกlida de trabalhar com crianรงas รฉ perceber que essa pergunta, qual a importรขncia que ela tem para a pessoa que a faz e perceber como รฉ que eu a recebo, porque uma coisa รฉ eu perguntar uma pergunta difรญcil e dizer olha, vai perguntar a outra pessoa. ร como se estivesse a desvalorizar ou a dizer que isso nรฃo รฉ importante para mim Ou se eu disser, olha, eu por acaso nรฃo sei. Nรฃo sei. Nรฃo sei mesmo. E se calhar nem รฉ por acaso, รฉ mesmo uma coisa que eu nรฃo sei. Mas atรฉ estou disponรญvel para investigar contigo. Mas dizemos muito pouco o nรฃo sei. Sim. Creio que sim. Tentamos qualquer coisa.
Jorge Correia [00:32:18]:
Isso tem a ver com a expectativa? Tem a ver com a expectativa que nรณs achamos que os outros tรชm sobre nรณs e de ficarmos quase no vazio, nรฃo รฉ?
JOANA RITA SOUSA [00:32:28]:
Tem a ver com Falta de humildade, por exemplo, tem a ver com a necessidade de preencher espaรงos vazios e nรฃo deixar ficar ali silรชncio, nรฃo รฉ? E entรฃo diz, preenche-se aquele espaรงo com qualquer coisa, em vez de dizer, ah eu nรฃo sei, porque estamos talvez ร procura de qualquer coisa que possa trazer alguma luz. Tanto falei de humildade, falei dessa necessidade de preencher os espaรงos e falei talvez dessa questรฃo das expectativas, de que achamos que, lรก estรก, achamos que ร medida que crescemos o nosso foco รฉ muito mais dar resposta ou responder ร medida, ร luz daquilo que รฉ expectรกvel, que a sociedade espera.
Jorge Correia [00:33:07]:
Que gostem menos de nรณs, que nos achem menos competentes para
JOANA RITA SOUSA [00:33:11]:
a arte da vida. Eu posso dar um exemplo concreto de um pai que dizia, jรก foi hรก uns anos, mas dizia que o grande receio que ele tinha de trabalhar perguntas com o seu filho tinha a ver com o facto de nรฃo saber as respostas para as perguntas que ele fazia. E eu disse, mas isso รฉ maravilhoso. Ele disse, sim, como รฉ maravilhoso? Eu sou o adulto. ร suposto que eu saiba. Eu disse, nรฃo, eu conheรงo muitos adultos que nรฃo sabem muitas coisas. E nรณs, enquanto pessoas adultas, nรฃo sabemos tudo.
Jorge Correia [00:33:38]:
Felizmente, porque nรณs tambรฉm nรฃo terรญamos capacidade para saber tudo. Entรฃo e os casos extremos daqueles que, na realidade, nรฃo sabem Mas vรฃo fingindo, disfarรงando, quase mentindo e inventando uma opรงรฃo de resposta que sabem que nรฃo รฉ verdadeira mas que รฉ para tapar esse silรชncio. Isso รฉ falta de honestidade intelectual. Mas as crianรงas tรชm um detector, nรฃo tรชm? Tem ali um besourinho, nรฃo รฉ? ร possรญvel.
JOANA RITA SOUSA [00:34:07]:
Sim, tรชm essa leitura, nรฃo sei como รฉ que elas a fazem e tambรฉm tรชm uma tendรชncia maior para ser mais honestas, nesse sentido em que se nรฃo sabem, nรฃo sabem, nรฃo รฉ? E ร s vezes ainda sรฃo mais honestas pessoas a dizer assim, olha nรฃo sei e tambรฉm nรฃo quer saber. Isso, estรก resolvido. Porque nรณs tambรฉm nรฃo temos eu sei que isso pode parecer um bocado estranho a dizer isto, mas nรณs tambรฉm nรฃo… Hรก perguntas que eu posso… Hรก uma pergunta que eu posso achar que รฉ… Sei lรก, que me fascina imenso e que me incomoda hรก muito tempo e eu quero muito saber a resposta. Mas para outra pessoa aquilo pode nรฃo lhe dizer absolutamente nada. Eu tenho que compre… Tenho que estar… Tenho que aprender a lidar com essa possibilidade de haver perguntas fascinantes que nรฃo interessam a outras pessoas. E ร s vezes tambรฉm nรฃo interessam as pessoas de quem eu gosto. Isso pode ser assim um bocadinho… As pessoas nรฃo se interessam por isso. E รฉs panflutรกria.
Jorge Correia [00:34:57]:
Aรญ ร tua tribo tu vais lรก de cartaz a dizer Vocรชs tรชm que pensar sobre isto. Pensa, pensa. Eu convido. Eu faรงo vรกrios convites.
JOANA RITA SOUSA [00:35:06]:
E ร s vezes aproveito oportunidades para dizer, lรก estรก, se pensarmos um bocadinho mais sobre isto ou se contemplรกssemos, sei lรก, se deicassemos aqui um bocadinho mais tempo a analisar cenรกrios. Se em vez de falarmos mais, suspendรชssemos mais o nosso juรญzo. Atรฉ termos… Nรฃo julgar o outro? Sim, suspender… Exatamente. Nรฃo julgar o outro e julgar situaรงรตes. Antes de saltarmos para uma interpretaรงรฃo muito… Assim, quase de segundos, dizer nรฃo, calma, deixa cรก ganhar distรขncia e ver o que รฉ que eu tenho a dizer sobre isto. E ร s vezes eu olho e sim, nรฃo tenho a dizer nada, absolutamente. Nรฃo tenho a dizer nada que vai acrescentar.
Jorge Correia [00:35:39]:
Entรฃo cala-te. Mais vale estar calado, nรฃo รฉ? Mais vale estar em silรชncio. Mas o primeiro impulso รฉ esse, รฉ o que parece. ร, รฉ o de… Temos…
JOANA RITA SOUSA [00:35:46]:
Temos muito… Somos muito Empurrados para ter opiniรตes. Sobretudo. E depois temos os teodรณlogos, nรฃo รฉ? Ah,
Jorge Correia [00:35:56]:
espรฉcie fascinante.
JOANA RITA SOUSA [00:35:58]:
E ร s vezes hรก um pouco a ideia de que… Quem estuda Filosofia sabe de tudo, nรฃo รฉ? Um bocadinho esta ideia. Entรฃo as pessoas dizem-me, ah Joana, tu que รฉs Filosofia, sabes de certeza… Qual รฉ a tua opiniรฃo sobre isto? Nรฃo tenho. Nรฃo tenho. Nรฃo tenho. Portraรงรฃo. Jรก agora como รฉ… Acho que nรฃo vou ter.
Jorge Correia [00:36:15]:
Olha, E como รฉ que รฉ o encontro anual dos filรณsofos? Nรฃo sei se hรก encontros anuais de filรณsofos. Como รฉ que vocรชs se comportam na colmeia? Sรฃo maravilhosos ou insuportรกveis? Na colmeia? Nunca tinha pensado assim. Nรฃo รฉ? Quero dizer… Ok, vamos aqui a encontrar-nos. E tu O que รฉ que isto รฉ? Isto รฉ um encontro de filรณsofos num estรกdio de futebol?
JOANA RITA SOUSA [00:36:35]:
Ah, isso รฉ maravilhoso. Olha, eu tive recentemente um encontro de filรณsofos num sรญtio chamado Alba Racine, onde nasce o Rรญo Tejo, em Espanha, e onde nรณs passรกmos trรชs dias a fazer perguntas, a investigar perguntas, a investigar respostas numa fundaรงรฃo que era uma espรฉcie de… Tinha… Estรก ali… Assim um espaรงo que parecia uma espรฉcie de castelo de igreja, de palรกcio, nรฃo sei, assim uma coisa antiga, o lugar รฉ todo ele muito antigo e nรณs o que fazemos รฉ contemplar as perguntas e perceber o que รฉ que elas provocam em nรณs e explorar possibilidades de respostas, explorar as possibilidades de perguntas Esse รฉ a vivรชncia da filosofia aplicada e sobretudo, que รฉ um ramo da filosofia, e sobretudo da filosofia para ou com crianรงas, que รฉ esta disponibilidade para pensarmos as coisas, que atรฉ jรก fazemos todos os dias, mas como se fosse a primeira vez. E amam-se ou odeiam-se? Respeitamos-nos.
Jorge Correia [00:37:34]:
E essa รฉ a fronteira?
JOANA RITA SOUSA [00:37:36]:
Repare, eu nรฃo tenho que… Porque รฉ esta a ideia, eu nรฃo tenho que amar, neste sentido, todas as tuas ideias, mas vou respeitรก-las e vou acolhรช-las para se perceber. Se calhar aqui hรก alguma coisa que atรฉ me ajuda, nรฃo รฉ? Hรก outras ideias que nรฃo me agradam nada. E a Malta รฉ mais competitiva ou mais contemplativa? Nรฃo sei se eu posso fazer esta dicotomia. Isso depende do ser humano em si. Hรก sempre pessoas competitivas em todo o lado. Na filosofia nรฃo hรก uma garantia. Sanidade. Hรก em todo o lado, mas pelo menos nos espaรงos onde eu movo e, repara, nos espaรงos onde eu quero voltar, nรฃo รฉ? Porque acho que isso tambรฉm diz muito. Somos mais contemplativos e pelo menos hรก esta disponibilidade para escutar as ideias. Eu acho que isso รฉ importante. Acho que se jรก fizermos isso jรก estamos a fazer muito. Olha, quais sรฃo os problemas que te apoquentam, que te assaltam
Jorge Correia [00:38:26]:
a mente?
JOANA RITA SOUSA [00:38:28]:
Olha, eu tenho um problema… Agora vou dizer aqui e linkar todos os meus problemas por ordem alfabรฉtica. Tens tempo? Nรฃo? A questรฃo da finitude รฉ uma coisa que me atropela vรกrias vezes. ร um problema que eu acho que o ser humano tem, no geral, tem dificuldades em lidar. ร na tua relaรงรฃo com o tempo ou na tua relaรงรฃo com o abstrato da ideia? Com a ideia das pessoas desaparecerem รฉ uma coisa que me agasta. E que em princรญpio nรณs nรฃo acreditamos, nรฃo รฉ? Porque… ร, nรณs achamos sempre que as pessoas estรฃo lรก, depois hรก um dia em que elas deixam de estar e essa ausรชncia รฉ uma coisa perturbadora, nรฃo รฉ? Nรฃo que eu queira que as pessoas vivam para sempre mas parece que nunca รฉ sempre tempo suficiente, nรฃo รฉ? Queremos sempre mais um bocadinho. Esta รฉ a relaรงรฃo com o tempo, nรฃo รฉ? Queremos sempre mais um bocadinho. Portanto, a finitude รฉ uma coisa que me apoquenta, assim mais em termos de… Mais, se calhar nรฃo… Bem, isto tambรฉm รฉ pessoal e nรฃo รฉ pessoal tambรฉm, acredito que muitas pessoas se identifiquem com esta questรฃo, mas mais a nรญvel da nossa sociedade, uma coisa que me apoquenta tambรฉm รฉ esta sede do ser humano em fazer mais, procurar sempre mais e sรณ depois de fazer รฉ que percebe, ah, espera, entรฃo vamos lรก, temos que regular isto, hรก um limite estamos a fazer isto por aqui, queremos sempre mais, estamos a falar Ou de tecnologia, enfim, do que seja. Mas temos sempre esta tendรชncia para fazer, um bocado por fazer, sobretudo por uma questรฃo de quantidade, hรก uma espรฉcie de ilusรฃo de quantidade e do que vem aรญ รฉ sempre melhor do que jรก temos. ร o ter, ter, ter. E nรฃo contemplamos que aquilo se calhar que temos…
Jorge Correia [00:40:10]:
Jรก รฉ bom. Jรก รฉ bom. Mas por outro lado, isso imporra a fronteira, nรฃo รฉ? Faz-nos… Chegamos ร Lua, queremos ir a Marte, chegamos a Marte queremos ir a outro lado de qualquer. Hรก uma insatisfaรงรฃo
JOANA RITA SOUSA [00:40:21]:
muito… E hรก pouco tempo eu acho que hรก pouco tempo para contemplar esse… Quero estar onde nรฃo estou. E hรก pouco tempo para… Nรฃo sofrimos do tempo para contemplar aquilo que jรก conseguimos, nรฃo รฉ? E ter a partir, se vamos pensar numa questรฃo de quantidade, entรฃo ter a partir para mais pessoas, que mais pessoas possam ter essa possibilidade de pensar de outra maneira ou de aceder a um aparelho qualquer tecnolรณgico. รs vezes nem รฉ preciso ter aparelhos tecnolรณgicos, รs vezes o que รฉ preciso รฉ largar tambรฉm alguma tecnologia e nรฃo queremos estar sempre… Esta ideia, ainda nรฃo hรก muito tempo falava nisso numa oficina com a crianรงada, que era… Para eles a escola ideal era uma escola, eu fiquei surpreendida, nรฃo tinha pensado assim que fosse uma coisa que eles nรฃo me jassem, que รฉ… Era a escola em que acontecia dentro de casa, portanto eles nรฃo saiam de casa. Tinham computador, ficavam em casa, tinham as aulas, inclusivamente, e perguntei, entรฃo e a educaรงรฃo fรญsica? Porque รฉ uma coisa que me empolguei, me lembro. Fazemos estudo tambรฉm em casa, temos uma passadeira. Isso รฉ uma doenรงa que apanharam na pandemia? Pois, eu pensei sim, mas isso faz-me lembrar o confinamento, nรฃo รฉ? Aquela ambiente de confinamento. Sim, porque eles na
Jorge Correia [00:41:27]:
realidade tiveram uma parte muito substantiva das suas vidas de desenvolvimento metidas dentro de casa e isso bem nรฃo fez, seguramente.
JOANA RITA SOUSA [00:41:35]:
O que eu achei curioso foi aquele grupo, e havia vรกrias pessoas naquele grupo, crianรงas, que achavam que isso era a escola do futuro. Que era a escola que eles queriam no futuro, que era a ideia de escola que tinham no futuro. Por outro lado, tambรฉm tive oficinas com crianรงas que achavam que a escola do futuro era uma coisa que nรฃo tinha nรฃo tinha muros. Interessante. Era muito na natureza, portanto tinha que haver um cรฃo como porteiro. Foi engraรงado, essa parte eu, como gosto de cรฃes, fiquei pronto, nรฃo รฉ agradรกvel, nรฃo รฉ? Aprovaste logo a ideia. Aprovei logo a ideia, nรฃo รฉ? Tinha que ter um cรฃo como porteiro. E eu achei muito interessante como miรบdos mais ou menos da mesma idade tรชm ideias tรฃo diferentes do futuro e do que รฉ que se quer ter. E รฉ esta ideia do tecnolรณgico, de termos mais e, por exemplo, passamos a nรฃo ter alimentos mas temos uma espรฉcie de comprimido, atรฉ para isso jรก nรฃo precisamos de cozinhar, nรฃo รฉ? Para resolver o problema e nรฃo para ter quase uma criatividade sobre aquilo. Exato, e eu penso, e depois o que รฉ que nรณs fazemos com tanto tempo? Se tivemos tanta tecnologia a ajudar-nos a fazer coisas, o que รฉ que fazemos depois com o resto do tempo? Ok, podemos nos aborrecer, eu atรฉ acho interessante isso do aborrecimento. Mas serรก que conseguimos colaria com esse aborrecimento?
Jorge Correia [00:42:50]:
E essa ideia de viver num sรญtio nรฃo gregรกrio, viver em casa, eu o meu ecrรฃ quase de 1984
JOANA RITA SOUSA [00:43:00]:
um bocado assustador, nรฃo รฉ? Mas sรฃo pensamentos que as pessoas tรชm e รฉ importante, acima de tudo, independentemente das minhas preferรชncias, sim, eu prefiro muito mais a escola com rรฉlvis e sem muros e com cรฃo como porteiro, entรฃo eu prefiro mesmo, independente das minhas preferรชncias, criar um espaรงo, que รฉ isso que eu pretendo numa oficina de filosofia, criar um espaรงo onde eles podem pensar isto. E dizรช-lo. E dizรช-lo. Isso interessa-me porque esta questรฃo da liberdade do pensamento
Jorge Correia [00:43:28]:
e da liberdade de expressรฃo, Como estamos? O teu termรณmetro… Ainda por cima tu รฉs fรฃ do Twitter e o vejo muitas vezes e aquilo รฉ uma grande pancadaria. Como รฉ que estรก a nossa capacidade e a nossa liberdade de pensar e de exercer essa liberdade de expressรฃo, por exemplo.
JOANA RITA SOUSA [00:43:50]:
Eu, voltando um pouco ao que jรก disse atrรกs, voltando ali a uma parte em que eu falei das opiniรตes, eu julgo que se levou esta ideia da liberdade de expressรฃo para quase para um campo sem qualquer tipo de limite e de regras. As pessoas jรก se ofendem, quer dizer, as pessoas dizem olรก e dizemos porque รฉ que estรฃo a dizer olรก? Nรฃo tens nada a dizer olรก? Jรก chega quase a este ponto. Estรฃo a respirar porquรช?
Jorge Correia [00:44:21]:
E se pensares diferente de mim, posso cancelar-te, que รฉ uma coisa que me perturba muito.
JOANA RITA SOUSA [00:44:28]:
Tambรฉm temos acesso a plataformas que dรฃo megafones gigantes ร s pessoas. Hรก uns anos o que nรณs fazรญamos era fazรญamos isto, mas nunca foi. E tรญnhamos o quรช? Duas ou trรชs pessoas numa mesa a ouvir-nos e a coisa… Nรฃo era um contรกgio, nรฃo รฉ? Aquilo caรญa por ali abaixo, a pessoa ouvia e pronto. E podia haver uma conversa mais animada, mas o pรบblico era sempre
Jorge Correia [00:44:50]:
reduzido.
JOANA RITA SOUSA [00:44:52]:
Agora as pessoas tรชm um megafone tremendo e isto, para quem gosta de falar alto, que รฉ uma coisa que as pessoas… Hรก pessoas que gostam muito de falar alto, gostam de falar muito e alto. Nรฃo quer dizer que digam alguma coisa com sentido. Mas fazem muito barulho, ocupam muito espaรงo. E ganharam ali um megafone
Jorge Correia [00:45:11]:
que quanto a mim provoca um exercรญcio um pouco saudรกvel desta liberdade de pensamento. Mas o que รฉ curioso รฉ que tu podias atรฉ ter esse alguรฉm que abusa do tempo e do espaรงo, se quisermos, dizendo coisas que em boa rigor nรฃo tรชm interesse nenhum e, portanto… E aquilo podia ser na mesma um fenรณmeno autocontido, nรฃo รฉ? O seu cรญrculo do Twitter, o seu cรญrculo do Facebook. O que me dรก a ideia รฉ que, se calhar o algoritmo resolve esse problema, nรฃo รฉ? Parece que o algoritmo potencia a gritaria.
JOANA RITA SOUSA [00:45:45]:
E potencia eu encontraram com pessoas que gritam mesmo que eu. Dรก-nos pouco contraditรณrio. O algoritmo tem tendรชncia a mostrar… Se eu estou sempre a fazer like em fotografias de cรฃezinhos, e estou, o que รฉ que o algoritmo vai dar? Cรฃes. Nunca te darรก gatos, nem papagaios, nem perus, nem outra. Mas jรก se tenta, mas eu como nรฃo deixo lรก o like, ele tenta, mas depois percebo que aquilo
Jorge Correia [00:46:09]:
nรฃo ganha efeito e desvaria. Mas isso รฉ muito monocรณrdico, nรฃo รฉ? Porque significa que lรก estรก, tu olha, sรฃo as crianรงas dentro do quarto a ver sรณ, em vez de ver os pรกssaros e a rua, as รกrvores e o cรฃo que estรก na porta, a ver mais do mesmo? A juntar-me a pessoas que dizem a mesma coisa que eu, que pensam a mesma coisa que eu? Mas eu tenho uma sugestรฃo para isso, mas exige algum trabalho.
JOANA RITA SOUSA [00:46:35]:
Isto de pensar, ou seja, a liberdade de pensamento, voltando ร tua pergunta, nรฃo รฉ sรณ pensar, รฉ pensar tambรฉm naquilo que estamos a pensar ou naquilo que estamos a dizer. Eu se noto, e eu faรงo esse exercรญcio nas redes sociais, eu sigo pessoas deliberadamente…
Jorge Correia [00:46:49]:
Para te irritares?
JOANA RITA SOUSA [00:46:50]:
Nรฃo, nรฃo. Isso รฉ outro patamar. Sigo pessoas com as quais eu nรฃo concordo.
Jorge Correia [00:46:55]:
Ok, mas isso รฉ interessante. Sigo pessoas que sรฃo… Que dizem coisas que eu se calhar nunca pensaria ou que estรฃo… Que tรชm pontos de vista diferentes dos teus, mas que tem uma racionalidade
JOANA RITA SOUSA [00:47:05]:
ali ร volta. Nem sempre tem, mas pronto. Mas รฉ importante, repara, รฉ importante seguir essas pessoas, citando aqui um amigo, porque temos que saber, primeiro que as bestas existem, e segundo o que รฉ que elas dizem? Que รฉ para estarmos preparados para as enfrentar, se formos necessรกrios. Mas isso, lรก estรก, entรฃo tu pรตes a tua armadura e dizes, ai รฉ! Eu de quando em vez, muito pontualmente, eu intervenho em algumas discussรตes mais acesas para trazer um bocadinho de razรฃo, nรฃo se diz assim calma, vamos lรก ver isso. E vais conter ou de vez em quando tens a tentaรงรฃo de incendiar? Eu tenho, tento ser sempre mais contida, nรฃo quer dizer que nรฃo me tenha em alguns momentos, nรฃo haja, mas eu fujo muito, suspendo muito o juรญzo e escolho muito bem as batalhas onde me vou envolver. Porquรช? Porque isso implica
Jorge Correia [00:47:54]:
gastar energia e eu tenho pouca. Portanto, eu tenho que escolher muito bem… Hรก pouco tempo e pouco de energia. Nรฃo, porque… Eu estou a perguntar-te isto porque eu vejo, e esse รฉ um estranhรญssimo fenรณmeno das redes sociais e por isso รฉ que eu estou a dizer que isto de alguma maneira hรก de se alimentar do algoritmo. Que รฉ encontrar pessoas que eu conheรงo e que sรฃo inteligentes, e muitas do meu cรญrculo de amigos que sรฃo inteligentes, que refletem, que conseguem ter uma conversa normal vamos beber um cafรฉ, conversar, pensar, almoรงar. E transfiguram-se de uma forma completamente louca. รs vezes, eu acho que ร s vezes defendendo pontos de vista com muito sal e pimenta, para radicalizar esse discurso e jรก nรฃo vou depois ao outro limite dos populistas, negacionistas e afins, porque o que me surpreende รฉ eu encontrar pessoas que leram os mesmos livros do que eu e que estรฃo a defender pontos de vista… A ideia de que hรก uma suspensรฃo, uma suspensรฃo qualquer. Conspiraรงรฃo. Uma conspiraรงรฃo. E assim, nรฃo, mas isto nรฃo tem uma racionalidade. Nรฃo, ah, tu รฉ que nรฃo estรกs a ver. E eu digo, uou!
JOANA RITA SOUSA [00:49:08]:
Nรณs temos que nos lembrar que o ser humano รฉ falรญvel, tem de facto um instrumento maravilhoso a funcionar, que รฉ o nosso cรฉrebro, รฉ a nossa racionalidade, somos o ser, como se diz, somos o ser racional. Alegadamente. Mas somos previsivelmente irracionais e a grande maioria das nossas decisรตes nem todas elas sรฃo estruturadas de uma forma limpa, dizer nรฃo, vou fazer isto, vou tomar… Eu sei que comer pรฃo รฉ uma coisa que se aloja no meu ser profundamente, nรฃo รฉ? Portanto, fica aqui alojado no meu ser mais fรญsico e eu continuo a comer pรฃo. Porque te dรก prazer. Me dรก gozo, nรฃo รฉ? E hรก pessoas que nรฃo veem… Nรณs estamos a tentar criar uma linha de raciocรญnio, estamos a tentar ser claros e mostrar-lhes os pontos de vista e perceber que B nรฃo deriva de A, porque nรฃo tem sentido absolutamente nenhum e a pessoa continua a nรฃo ver aquilo. Como รฉ que se lida com essas pessoas? Eu nรฃo tenho receita. A nรฃo ser uma certa paciรชncia, num determinado momento e depois chega uma altura em que รฉ um pouco como aquele… Como รฉ que dialogamos com quem nรฃo quer ouvir? Diz-se que nรฃo conseguimos, nรฃo รฉ? Porque de facto hรก um momento em que se a pessoa nรฃo tem disponibilidade para se distanciar do seu pensamento e olhar como se fosse… Como se tivesse uma espรฉcie de helicรณptero, nรฃo รฉ? E estรก a ver o seu pensamento lรก. Olha, estรกs a ver, estรกs a pensar assim. Mas isto nรฃo liga com aquilo. Daqui nรฃo deriva ร quilo. ร uma autoconsciรชncia crรญtica, no fundo. E se a pessoa estรก muito agarrada a uma coisa que lhe confirma, lรก estรก. Nรณs temos uma coisa tremenda que รฉ o viรฉs de confirmaรงรฃo, nรฃo รฉ? Se eu tenho uma suspeita que aquilo รฉ uma conspiraรงรฃo nรฃo sei do quรช se eu leio qualquer coisa que indicie isso Claro que รฉ verdade! Se eu penso assim, Logo รฉ verdade. E depois comeรงa a vir aรญ uma expressรฃo que agora tem sido muito comum, que eu acho que รฉ um bocadinho perigosa, que รฉ da minha verdade. Ah, eu tenho a minha verdade, tu tens a tua. Nรฃo รฉ opiniรฃo. Jรก รฉ, exato. ร a verdade. Ah, tรก bem, entรฃo tu ficas com a tua verdade, eu fico com a minha. E eu tento… Vamos lรก, parar sรณ um bocadinho. Sรณ para pensar o que รฉ que estamos a dizer. Porque se eu tiver numa… Nรณs temos uma rua, que รฉ inclinada. E se eu estiver no cimo dessa rua e tu, Jorge, estรกs lรก embaixo, A minha verdade รฉ que a rua desce e a tua verdade รฉ que a rua sobe. E รฉ a mesma rua. Enquanto nรณs nรฃo tomarmos consciรชncia que a rua รฉ inclinada, logo se tiveres em pontos diferentes da rua vais ter verdades, com muitas aspas aqui, diferentes, nรณs nรฃo nos vamos entender. E hรก pessoas que sรณ veem o descer e o subir e nรฃo veem a inclinaรงรฃo. Olha, vamos fechar. Tem-se alguma pergunta favorita? Hum… Porquรช que existe algo e nรฃo nada?
Jorge Correia [00:52:01]:
E pronto. Agora tens 3, 15 dias para tentar resolver essa pergunta. No mรญnimo 3, 15 dias. Eu jรก espero que as pessoas que nos ouviram tambรฉm respondam ร pergunta porquรช existe o ser e nรฃo o nada, entre o vazio e o cheio.
JOANA RITA SOUSA [00:52:15]:
ร uma pergunta simples.
Jorge Correia [00:52:18]:
ร uma pergunta simples, nรฃo รฉ? ร uma pergunta simples, รฉ uma falรกcia, nรฃo รฉ? Ah, รฉ uma pergunta fรกcil. Simples รฉ a minha resposta. Essas รฉ que sรฃo mais difรญceis.
JOANA RITA SOUSA [00:52:25]:
Obrigada. Obrigado, Joana. Fica bem.
Jorge Correia [00:52:29]:
Pouco simples, nรฃo? Eu acho que fiz uma vez mas nรฃo sei. Agora.