Hoje sinto-me na idade dos porquês.
Porque? Porquê? Porquê?
Porque sim!
Porque sim não é resposta, dir-nos-à qualquer criança munida de mil perguntas difíceis para fazer.
Nesta edição é convidada a filósofa e perguntóloga Joana Rita Sousa.
Mestre na arte da pergunta e na missão de criar espaços onde as questões são a acendalha para o pensamento criativo.
Perguntar para saber.
Perguntar para ouvir.
Perguntar apenas para manter a conversa ao lume.
Das perguntas curiosas às mais abstratas.
Do rol de perguntas difíceis até às mais incómodas.
Das maiores, às mais pequenas.
Todas as perguntas são motores de conversa. São chispas de curiosidade.
Das muito difíceis de responder:
Quem sou eu?
De onde venho?
Para onde vou?
Qual o sentido da vida?
Das perguntas vitais, mais desafiadoras, feitas por crianças:
De onde vem os bebés?
Como se fazem os bebés?
Porque não me deixas comer todas a guloseimas?
Ou fazer tudo o que me apetece?
O pai natal existe?
E deus?
Vida, morte e sexo serão o topo das perguntas mais difíceis de responder às crianças.
E elas têm dezenas na ponta da língua.
Esta edição também tem espaço para adultos.
Dos que mantém à curiosidade fresca e imaculada às que mentem às crianças para sobreviver à pergunta certeira.
Em caso de emergência funciona quase sempre a fórmula: “pergunta à tua mãe, que ela sabe tudo”
Mas a receita pode ter retorno à casa de partida.
O melhor mesmo é tentar responder com honestidade.
E em caso de ignorância profunda, dizer que não sabemos e ir, juntos, à procura da resposta.
TÓPICOS DA CONVERSA:
[00:05:31] A autora encontrou um livro sobre a arte de fazer perguntas e começou a investigar o papel das perguntas e como elas podem trazer diferentes resultados. Também explora o papel das perguntas em processos e como elas podem levar a outras descobertas.
[00:08:37] Vários processos, receitas com variações individuais.
[00:15:01] Criar algo novo a partir da mistura.
[00:19:39] Filósofos resolvem problemas através de perguntas.
[00:22:04] Oficinas para diferentes públicos, principalmente famílias. Proposta de jogo para estimular o pensamento.
[00:24:51] Contemplar possibilidade de escolhas diferentes juntos.
[00:28:05] Linguagem acessa pensamento, mas pode desviar entendimento.
[00:30:49] “A importância das perguntas na infância.”
[00:34:07] Algumas pessoas são mais honestas e curiosas.
[00:38:28] Problemas com finitude e sede de mais.
[00:41:35] Diferentes ideias sobre escola e futuro. Cão como porteiro. Tecnologia e tempo livre.
[00:47:54] Escolher bem, energia pouca, redes sociais. Surpresa!
[00:49:08] Ser humano é falível, racionalidade é discutível, verdade é relativa.
[00:52:18] Pergunta simples, resposta simples, outras são difíceis.
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Jorge Correia [00:05:25]:
Joana Rita Sousa, filósofa de profissão, Perguntóloga.
JOANA RITA SOUSA [00:05:31]:
Carreia que é uma perguntóloga. Bom, a ideia não é minha, não é original, não foi o original meu, digamos assim, mas eu há uns tempos encontrei um livro que se chama Arte de Fazer Perguntas, do Warren Burger, um jornalista, não sei se tivesse a profissão que te diz alguma coisa, assim é onde levo, não é? Alguém que trabalha também com perguntas e que começou a fazer uma investigação sobre o papel da pergunta, começou a dedicar-se a perceber que tipo de pergunta, o que é que trazem determinado tipo de perguntas, como é que se pergunta, por exemplo, para inovar, como é que se pergunta. O fim ao cabo é contemplar a pergunta e perceber o que é que ela significa, o que é que ela traz. Como se fossem categorias? Sim, também, é possível fazer esse estudo das perguntas como se fossem categorias. Mas o interesse dele também era perceber qual era o papel da pergunta em processos. Antes de as categorizar vá a perceber, que é muito isso que eu faço em diálogo, não é? Que é perceber naquele diálogo o que é que cada pergunta provocou. Ou se eu fizer a pergunta X, o que é que ela pode provocar e começa a desenhar cenários de perguntas diferentes que me podem trazer outros tipos de coisas. Isso é um bocado maquiavélico. Não é uma questão de… Não é maquiavélico porque eu não quero conduzir
Jorge Correia [00:06:47]:
em excesso o processo, só quero é que o processo seja claro para todos. Portanto, há uma diferença entre o bem e o mal. Portanto, tu faz isso com o processo para atingir o bem, para atingir o melhor do processo. Para atingir uma clareza. Sim. É esse o meu foco. Sabes que eu confesso desde já, eu quando ouço falar de processos, fico os cabelos em pé. Então. Porque eu gosto muito de ouvir os nossos princípios, eu gosto muito, não é? A nossa visão, adoro. Os nossos processos, eu já me estou a imaginar na fábrica como a fábrica Taylor. Então, o teu papel é fazer este processo, que é pegar nesta porca, pôr neste parafuso e esta porca neste parafuso. E eu percebo que o mundo se move com processos,
JOANA RITA SOUSA [00:07:33]:
mas sou uma pouco criativo ou não. Mas não falam-se também de processos criativos, como é que encaixas esta expressão? Não sei, diz-me tu.
Jorge Correia [00:07:41]:
Parece uma contradição dos termos.
JOANA RITA SOUSA [00:07:45]:
Sim, é verdade, mas nós conseguimos reconhecer, sobretudo quando… Um pouco como o Warren Berger fez com as perguntas, não é? Que é olhar para elas à distância e perceber que efeito é que elas têm e qual é a diferença entre fazer uma pergunta que começa por porquê ou por porquê e uma que começa por será que? Qual é o efeito que isto te provoca num processo? Vou-te chamar aqui provisóriamente. Não, não, mas eu aceito, não tem problema. Eu compro o processo.
Jorge Correia [00:08:08]:
Eu quero que as palavras não te provoquem. Até porque é assim, eu sei que se eu for comer, se eu for fazer o meu almoço, o meu jantar, e eu sei que aquilo é um processo, eu tenho que ligar o fogão primeiro e depois pôr a panela e depois… Eu sei que isso é verdade, mas eu quase me apetece dizer assim ah, mas o que eu gosto mesmo é de pensar no bife com ovo a cavalo, quer dizer, quase no fim, pensar no desejo e não no caminho.
JOANA RITA SOUSA [00:08:37]:
Compreenda a questão com o processo, mas podemos entendê-lo como que há vários tipos de processos e mesmo uma receita que pode ser uma coisa processual tem muitas maneiras de ser levada a cabo ou ser realizada, não é? Porque nós sabemos que há uma receita, por exemplo, para calhar obras, que é uma coisa, claro, suficientemente conhecida para as pessoas saberem do que é que eu estou a falar, mas nós sabemos que há ali elementos-chave, há até elementos do processo que são fundamentais, mas há outros que depois a pessoa dá o seu toque pessoal. As variações. Há as variações e as pessoas aí criam variações de processo ou criam o seu próprio processo e a sua própria maneira de fazer as coisas. Aquilo que nos faz dizer, é pá, este
Jorge Correia [00:09:22]:
bacalhau-abrax é mesmo extraordinário
JOANA RITA SOUSA [00:09:24]:
porque há ali um coisinho. Tem qualquer coisa. Eu julgo que na criatividade e nos processos criativos o que acontece é que há talvez uma dinâmica mais caótica, mas a dado momento é preciso parar para ter alguma estrutura e é aí que poderá entrar a questão do processo criativo, por isso é que se fala muito ou que se tenta perceber com as pessoas que são criativas. A grande pergunta é qual é o seu processo criativo? No fundo é como é que chega aqui? Eu até quero dar um passo atrás. Há uma diferença entre pessoas
Jorge Correia [00:09:55]:
criativas ou não criativas ou mais criativas e menos criativas?
JOANA RITA SOUSA [00:09:59]:
É uma diferença entre… Ou seja, há graus de criatividade nas pessoas? Sim.
Jorge Correia [00:10:03]:
Ou se o potencial é tudo o mesmo e depois alguns de nós exercitam melhor esse músculo e conseguem criar mais ou não. Ou o nosso hardware vem aqui equipado com uma quantidade limitada de criatividade para nós podermos exercer?
JOANA RITA SOUSA [00:10:20]:
Eu julgo que todos nós temos um potencial de criatividade, a questão é perceber se temos por um lado vontade e às vezes condições para poder exercitar. E eu vejo a criatividade como um músculo, exatamente, ou como algo que se pode trabalhar, não é? Como se estivéssemos a pensar no nosso corpo nós podemos trabalhar pernas, medir pernas é sempre difícil, mas pronto ou podemos trabalhar as costas, podemos… E depois sabemos Quanto mais consistência tem o nosso treino, quanto mais intensidade tem, se é acompanhado ou não, o resultado desse processo
Jorge Correia [00:10:59]:
é diferente. O que significa então que se nós, na nossa vida, e tu trabalhas com crianças e com adultos é minha sensação de que as crianças são infinitamente mais interessantes do que os adultos que parece que me erraram, em vez de ser ao contrário. Aqui que ninguém nos ouve, sim.
JOANA RITA SOUSA [00:11:18]:
Eu diria que sim.
Jorge Correia [00:11:20]:
Que estúpidos somos nós, adultos que aqui estamos, para que nos tornemos piores do que o que éramos, não é? Porque se nós aos quatro anos, aos cinco anos, somos surpreendentes, frescos, contraditórios, e depois aos 20 somos um bocadinho piores, aos 30, aos 40, insuportável. É quase que esta coisa do envelhecimento nos oferece umas ferramentas de experiência de já ter visto, mas se calhar um cansaço de um mundo que nos retire essa curiosidade infinita. A frescura, não é? A frescura de olhar para o mundo como se tivéssemos de olhar para ele pela primeira vez, não é?
JOANA RITA SOUSA [00:12:01]:
Isso é uma coisa que as crianças nos dão e o facto de eu trabalhar com crianças a mim é estar constantemente exposta a essa frescura, é só olhar para o mundo pela primeira vez e espantar-me com as coisas e nós vamos perdendo isso, Mas eu não sei se é possível não perder algo, não é? Não sei se é possível manter sempre esse espírito de olhar para as coisas pela primeira vez porque isso consome muita energia, muito tempo, muita desmoralidade e nós depois temos outras coisas que vamos fazendo à medida que vamos crescendo, vamos criando padrões apesar de já não perguntarmos tanta coisa, porque porque já temos informação que nos diz que a partir isto está relacionado com aquilo, ou isto se explica assim e vamos criando estas âncoras, ou estes hábits, ou estas referências que nos ajudam a viver, porque imaginam que a todo momento, e agora estou aqui a exagerar, nós olhamos para o mundo e dizemos, ah, isto, o que é isto? Quem é o objeto deste? Ah, que estranho. Ah, dá para escrever, claro. O que é isto? É uma caneta. E já é uma caneta e portanto já não te surpreende. A questão é perceber, se eu estiver num momento de aflição e se eu quiser ser, agora aqui a referência é um bocadinho geracional, perdoem-me, se eu quiser ser uma espécie de MacIvor e resolver problemas com coisas inesperadas, esta caneta pode não ser só uma caneta. Pode ser, sei lá, um objeto que me vai salvar a vida. E essa criatividade, lá está, há uns
Jorge Correia [00:13:24]:
adultos muito especiais que mantém essa capacidade. Ou então, deixamos desafiar-te, ou então, uns adultos muito velhinhos, conhecidos como avós, quando expostos a esse tónico chamado netos, parece que acontece qualquer coisa. Há ali um reviver. Há uma identificação.
JOANA RITA SOUSA [00:13:49]:
Desse estadio de criatividade, não é? Há uma outra disponibilidade também. Eu acho que é uma disponibilidade mental e de tempo para viver de outra maneira. Porque enquanto nós não temos responsabilidades e não temos também uma sociedade a pressionar-nos com uma série de expectativas, a vida é uma coisa muito divertida, não é? A maltratação a existir. E a caneta pode ser um avião? Exatamente. Pode ser outra coisa qualquer? E há aí um grau de exploração, digamos que um limite ou um campo de exploração que nós temos, que depois vamos crescendo e vamos perdendo esse campo de exploração. Agora, se eu quiser treinar esse músculo, eu digo, defendo, que nós não estamos condenados a… Ah, eu não sou uma pessoa criativa. Mas quer ser. Se quer ser, há possibilidades de vir a ser uma pessoa criativa. Então vai ser um Picasso, possivelmente. Até porque só há um, não é? Só há um, não é? Porque há esta ideia de que, ah, para ser criativo eu tenho que ter uma ideia 100% original, nunca antes vista. Não, não se inventa a roda. Às vezes cria-se uma roda de outra cor, ou conjuga-se
Jorge Correia [00:14:57]:
rodas. É uma recomposição da realidade. É uma espécie
JOANA RITA SOUSA [00:15:01]:
de mescla ou de mistura, não é? Que nos faz criar algo novo. Nem que seja novo para nós, porque nós nunca tínhamos criado nada assim. E essa novidade também tem que ser enquadrada na pessoa que está a exercitar esse músculo. É um momento ahá? Pode ser um momento ahá, sim. Um momento ahá às vezes é que vem de coisas muito simples que as pessoas nunca tinham… Sei lá, as pessoas nunca tinham… Vou dar um exemplo muito, muito, muito simples Eu precisava de uma trela grande para passear cães. E o critério, agora aqui fazendo uma análise filosófica, pesava desse objeto, mas tinha de ser um objeto bastante comprido, mais de 10 metros garantidamente, e resistente. Não vais passear o teu cão na tua janela. Não vais soltar o cão e ficas na janela. Não é? E a senhora, a minha mãe, que é uma pessoa, pronto, prevista, não é? Foi a uma loja comprar parafusos, olhou e disse assim Ah, fita de estore. Isto se calhar… Se calhar dá. Se calhar dá, porque é altamente resistente. O Stor é uma coisa resistente. E então eu tenho há não sei quantos anos uma estrela gigante, deve ter para uns 16 metros, que entretanto já sofreu ali um acrescento, feita de fita de Stor, altamente resistente e que me permite fazer os meus passages de voluntariado, que tranquila, porque eu sei que aquilo suporta o cães de porte grande e que me permite fazer aquele passeio dando-lhes… Aqui pode ser filosoficamente interessante analisar isto… Mas dá-lhes alguma liberdade. Dá-lhes estrela. Dá-lhes estrela. E isto é fazer algo novo, que é… Eu não tinha contemplado a ideia de fita de histórico poder ser usada para um material, eu achava que a fita de histórico era para ser fita de histórico, não é? E houve aqui uma ideia que é, não, este material cumpre. Porque eu pego num rolo e corto à medida que quero, não é? Porque aquilo tem imensos metros.
Jorge Correia [00:16:48]:
E tenho a garantia que é um material resistente. E que isso serve para o que serve. E que serve para aquilo que eu pretendo. A criatividade serve sempre para o que serve ou a criatividade pode incluir elementos de profunda inutilidade?
JOANA RITA SOUSA [00:17:00]:
Que por favor, que sim, que inclua. É, não é? Acho que é muito importante também isso. Também isso. Acho que é importante as duas coisas, não é? Então, para que nos servem na utilidade? Para nos divertir, para brincar e para nos aborrecermos também. Porque temos que nos aborrecer para podermos ser criativos. Ai, que um contributo mútuo. Quase um tédio. É importante o aborrecimento. É importante nós… Eu quando digo aborrecimento estou a imaginar alguém… A situação de alguém que, por exemplo, tem tempo livre e em vez de encher esse tempo livre com coisas, está só disponível para estar ali. Ou para não ter assim nada. Isso é fascinante ou
Jorge Correia [00:17:40]:
terrível?
JOANA RITA SOUSA [00:17:42]:
Vai depender muito da tua aproximação, mas pode haver ali uma espécie de vertigem para o vazio, não é? Então e agora o que é que eu faço? Não, porque já sabes que eu estou a ouvir-te e uma das coisas que…
Jorge Correia [00:17:54]:
Eu acho que foi o Stephen Gouveia que fez um evento no Porto, cuja temática era tipo o que é que nós fazemos se fôssemos eternos? Ah, sim, sim. Tem a ver com a eternidade, é verdade. E que é, por um lado, o nosso confronto humano com a ideia da mortalidade, não é? Portanto, com a ideia de finitude. Mas a ideia alternativa do tempo infinito também não é muito descansada, digo eu.
JOANA RITA SOUSA [00:18:20]:
Eu creio que nós teríamos muita dificuldade em preencher esse tempo. Ou então tínhamos que ter… Imagino que tínhamos um tempo infinito, não é? Para já A ideia de ter um tempo infinito é uma coisa que eu não sei se consigo vislumbrar. Ter uma agenda infinita, não é?
Jorge Correia [00:18:37]:
É tão absurdo o princípio do tempo infinito como da eternidade infinita, como da finitude.
JOANA RITA SOUSA [00:18:43]:
Sim, são ideias difíceis de alcançar. O ser humano tem esta nossa relação com o trabalho, tem a ver, está muito ligada à experiência do tempo. Nós podemos dizer agora que trabalhamos, temos vários motivos para trabalhar e para fazermos determinadas profissões, mas há também uma relação com o tempo. O trabalho marca-nos o tempo. Marca a hora de início do dia, das rotinas, marca o final do dia. Isso é uma escravatura? Marca… Bem-vindo à humanidade.
Jorge Correia [00:19:17]:
Não é? Então, espera lá, eu defino-me em função do meu trabalho e eu digo não.
JOANA RITA SOUSA [00:19:26]:
Bom, eu estava a falar, atenção, eu estava a falar da nossa experiência e do tempo e da importância que o trabalho tem para isso. E eu gosto muito de trabalhar, mas essa ideia… Tu agora estás-me a pôr uma ideia muito
Jorge Correia [00:19:37]:
perturbadora.
JOANA RITA SOUSA [00:19:39]:
De nada, é o que eu posso dizer. Porque a minha… E esse é o trabalho dos filósofos. O meu trabalho é esse. Toma lá um problema. É porque toma lá um problema e agora diverte coisa. Que eu saiba os filósofos existem para resolver os problemas que nós não conseguimos resolver. Muitas vezes para identificá-los ou torná-los claro, porque tu já tens o problema ou já tens uma intuição do problema. Às vezes, e voltando aqui à questão da perguntologia, Às vezes é afinar a forma como nós nos posicionamos perante o problema e às vezes esse posicionamento é sob a forma de uma pergunta. E perguntar melhor pode ajudar-nos também a solucionar ou melhor ou mesmo a solucionar, não é? Ou ter consciência que às vezes não há solução. Também pode ser.
Jorge Correia [00:20:18]:
Lamentamos, senhores ouvintes. Lamentamos informar.
JOANA RITA SOUSA [00:20:21]:
Mas não há uma
Jorge Correia [00:20:23]:
solução. Tu usaste a palavra intuição. Curioso. Não usaste pensamento, não usaste racionalização. Não. Intuição. Isso é quase um jogar, uma epifania, um espanto. O que é que é? O que é que é uma intuição?
JOANA RITA SOUSA [00:20:35]:
Pode ser assim uma espécie de… Aquela coisa que os cães fazem quando lhes cheira a qualquer coisa, não é? Tipo, ai, isso calhar é por ali. Os ingleses têm uma palavra que se chama insight, que é muitas vezes traduzida por intuição e não sei se não dirá melhor isto que eu estou aqui a dizer mas é uma espécie de vislumbre
Jorge Correia [00:20:52]:
Gosto da palavra
JOANA RITA SOUSA [00:20:54]:
que não é isento de racionalidade mas por vezes é só uma É como se fosse só… Não vemos completamente. É uma coisa meio opaca e nós vemos ali algo que nos diz que caminha por ali. Depois temos que o explorar. Mas não é completamente claro. Nesta ideia de que é algo, que eu intuo, que é por ali. E como é que a gente depois consegue descobrir entre
Jorge Correia [00:21:15]:
a intuição mais verdadeira ou a ideia profundamente parva a que podemos chamar um preconceito sobre a realidade? Temos que experimentar, temos que tirar as consequências disso e pensar.
JOANA RITA SOUSA [00:21:27]:
Porque enquanto estamos a pensar numa espécie de laboratório, não é? Estamos só a pensar. À partida não vamos… Ninguém se vai magoar, não é? Estamos só a pensar. Ninguém vai cair, não vamos provocar mal a ninguém. Estamos só a fazer uma espécie de jogo. Eu acho que se encararmos isto como um jogo, que é muita proposta que eu trago para as oficinas de perguntas, como aquelas que faço aqui neste sítio onde nós estamos, na Mala Aposta, é convidar as pessoas para brincar com o pensamento. Vamos entrar nessas oficinas. O que é que acontece?
Jorge Correia [00:21:57]:
Vamos lá. Estamos teletransportados, não precisamos, estamos no centro da Mala Aposta. Quem é que está lá? Quem é que está nessa sala?
JOANA RITA SOUSA [00:22:04]:
Bom, nestas que acontecem aqui eu faço oficinas para públicos, para descendentários diferentes, com descendentários diferentes, mas aqui normalmente faço para famílias. Portanto, imagina, pais, filhos, mães, filhos, avós. Vem uma pessoa adulta, às vezes vem um irmão mais velho também, mas a ideia é que tragam uma criança normalmente têm entre os seis e os dez. Que é para salvar isto. Mas é para manter o espanto ativo, mas é invariavelmente aparecem para alguém um bocadinho mais novo ou um bocadinho mais velho, portanto também dá aqui uma diversidade interessante e um olhar interessante. E a ideia é… Eu trabalho muito com a proposta de jogo. Mesmo que não traga um jogo, o meu convite é sempre que as pessoas se simulizem durante uma hora ou uma hora e meia, o tempo que for a brincar de uma forma séria, mas a brincar com o pensamento. A partir de uma proposta de olhar para uma imagem e ver o que é que aquela imagem me suscita ou mesmo, por exemplo, um jogo de escolhas em que nós temos de escolher entre uma coisa e outra, temos de justificar porque é que escolhemos uma coisa e não a outra, e pensar e fazer este jogo, por exemplo, quando tu és… Estás pronto, uma escolha é natural que tenhas por um determinado motivo. Imagina que a escolha é entre gelado de baunilha e sopa, sei lá, sopa de beldruegas. Está resolvido o problema. Disse bem, beldruegas. Um beldruegas. Eu gosto também de sopa de bel droegas. Porquê que me surgiu esta palavra? Eu de vez em quando aprendo palavras novas e depois tenho que as usar no discurso.
Jorge Correia [00:23:27]:
Vai por associação livre, que canhute! Foste lá ao Alentejo, voltaste de Alentejo e assim. Sopa, gelado ou sopa? Ora, quem
JOANA RITA SOUSA [00:23:35]:
não gosta de gelado, por algum motivo, porque há pessoas… Eu sei que isto pode parecer chocante, mas há pessoas que não gostam de gelado. Vai tendencialmente escolher a sopa. Depois poderá não gostar daquela sopa particular, mas tem pelo menos ali uma questão. Sou muito chatinho, diz, e quero uma sopa, mas na realidade um caldo verde é que era melhor do que o de eltroegas. Então, a pessoa tem uma tendência para escolher e vai justificar a sua escolha. E agora uma das coisas que eu posso propor é, Agora imagina quais são as razões que leva alguém a escolher aquilo que tu não escolheste. Para fazermos esse exercício de pensarmos o que é que leva alguém a fazer diferente de nós, porque isso é uma coisa que nós vamos encontrar durante… Na nossa vida encontramos muitas vezes, não é? Tu crias uma contradição
Jorge Correia [00:24:16]:
dentro da escolha da pessoa?
JOANA RITA SOUSA [00:24:18]:
Não, não é criar uma contradição, é convidá-la a pensar de outra maneira. Ou seja, é convidá-la a pensar o mesmo, tanto a mesma temática das escolhas, mas de uma maneira que ela ainda não teria eventualmente imaginado. Suspeito que muitos de nós
Jorge Correia [00:24:31]:
passamos a nossa vida, quer pessoal, quer profissional, a ser muito, muito teimosos e a agarrar-nos como se não houver amanhã no nosso ponto de vista, espancando e matando logo à cabeça com uma paulada qualquer ponto de vista que seja, em princípio, diferente do nosso olhar.
JOANA RITA SOUSA [00:24:51]:
Eu não quero converter as pessoas a gostarem de gelado se gostam de sopa ou a gostarem de sopa se gostam… Não é essa a ideia, mas é contemplarem essa possibilidade para precisamente lhes dar uma espécie de ferramenta ou para se muscularem, vá, nessa ideia de que de facto eu posso estar a fazer uma escolha que me parece muito razoável, que tem as minhas razões, mas há pessoas que escolhem diferente e se nós tivermos, por exemplo, que trabalhar juntos e se tivermos abordagens diferentes, vamos ter que encontrar aqui um patamar, uma espécie de plataforma de entendimento. Ajuda, quanto a mim ajuda, se eu perceber as tuas razões, se tu percebes as minhas e se nós criarmos aqui uma ideia de, ok, não vamos conseguir fazer, ou então acordamos, Agora faço como tu queres, depois eu farei como eu quero, ou então arranjamos uma forma que pode ter um bocadinho dos dois mundos. É uma negociação? Uma negociação, sim, mas é uma negociação esclarecida e em que não há intenção… Porque o meu foco ali não é ganhar, não é que a minha ideia vença, não é que seja a minha ideia.
Jorge Correia [00:25:48]:
Mas tu estavas a dizer que trabalhas com famílias. Sim. E as famílias às vezes são muito competitivas até nisso, não é? Há umas que é ok, as crianças ganham sempre, não é? Aquela coisa de num jogo de família de Natal, as crianças ganham. Depois aparece o tio-avô que é especialmente competitivo e diz Não, não, quem vai ganhar isto sou eu. Como é que é? Como é que é essa dinâmica?
JOANA RITA SOUSA [00:26:12]:
As famílias que chegam aqui normalmente são famílias curiosas ou com alguma disponibilidade, porque também não sabem…
Jorge Correia [00:26:18]:
Ou que vem. Às vezes não sabem muito bem o que é isto numa oficina de filosofia. E as outras mandam-as para a terapia. Não, filosofia… Não, filosofia é outra coisa.
JOANA RITA SOUSA [00:26:26]:
A porta está aberta para todas as pessoas. Lá está, está aberta para todas as pessoas que estejam disponíveis para pensar com os outros, não é? E eu, para pensar com os outros, preciso de treinar este músculo da escuta e de largar às vezes a minha ideia porque enquanto eu estiver muito obcecada com a minha ideia, eu não consigo ouvir sequer a tua. E esse é um processo. É um processo que se trabalha, ou é uma atitude. Se calhar aqui a palavra correta é atitude. Uma vontade. É uma atitude que se trabalha, uma disposição para dizer assim, ok, eu Nunca tinha pensado nisto, nunca imaginei que esta ideia fosse válida, mas estou disponível para ouvir as tuas razões. E depois as tuas razões, repara o que é que pode acontecer, as tuas razões podem fazer eco nas minhas e levar-me
Jorge Correia [00:27:13]:
a voltar a pensar nas minhas ideias. Mas lá está, nós temos pessoas, conhecemos todas, que são mais construtivas nesse processo e portanto não só absorvem como o integram, como fazem um movimento para o outro, mas por outro lado, e isso interessa-me ouvir a tua opinião, é que nós, rei dos seres humanos, usamos uma coisinha para nos entendermos ou desentendermos uns aos outros chamada linguagem. Linguagem é um código. O verde que está aqui à volta é mais verde ou menos verde E essa perca quase da tradução do conceito pode jogar esse papel nessa dinâmica. Ora criativa, que é se eu não entendo vou criar sobre isso, ora negativa, eu não entendo logo bloqueio-te.
JOANA RITA SOUSA [00:28:05]:
A linguagem é realmente a nossa forma de aceder ao pensamento dos outros, enquanto os outros de alguma maneira, seja de forma escrita, oral, por desenho, o que seja, não manifestar qualquer coisa do seu pensamento, eu não sei o que é que a pessoa pensa, eu não consigo entrar lá dentro da cabeça para saber. Exato, aqueles que dizem direita pinta. Isso são pessoas que fazem uma leitura… Muito rápida. Também essa leitura tem o seu código, não é? Digo eu, sem saber muito bem. Portanto, a linguagem é que é um ponto de encontro, quanto a mim, mas também pode ser de facto um ponto de desencontro. Enquanto nós não esclarecermos o que é que entendemos, e por vezes eu sei que Isto é muito, muito, muito à pessoa da filosofia que é. Então, Joana, o que é isto? Bom, primeiro vamos ver o que é que tu entendes por isto. O conceito. Porque é importante, senão nós vamos estar a falar vamos estar a usar a mesma palavra para falar de coisas diferentes e não nos vamos estar a entender. Enquanto eu não te explicar que… Eu digo assim, imagina que eu diga o seguinte eu quando vou passear os meus cães, passeio-os à trela, eles têm muita liberdade e na tua cabeça tu vês uma trela de metro e meio e dizes como é que é possível ter liberdade? Não, eu digo não é impossível, tu dizes não, não, é impossível nunca passear à trela e ter liberdade Liberdade e prisão, no fundo aqui, são dois conceitos que… Não, porque tu estás a visualizar uma coisa, não é? Para ti, eu digo, não, mas eu vou-te explicar como é que acontece esta liberdade. E eu posso estar aberto a ouvir essa explicação ou pelo contrário dizer assim Ixi, é uma mentirosa. Ou não. Logo à cabeça. E portanto, bloqueio logo
Jorge Correia [00:29:34]:
esta nossa conversa?
JOANA RITA SOUSA [00:29:36]:
Pois, há um conjunto de conversas realizadas por quem? Agora não sei se consigo aceder à minha memória, mas no YouTube encontra-se por como dialogar com quem não quer ouvir. Um dos intervenientes que eu sei que ouvi lá foi o Carlos Fiolhais, David Marçal, espero estar a dizer bem os nomes, porque era um conjunto de conversas que tinha este título, que eu acho que é provocador, mas que é de facto a grande dificuldade. Nós muitas vezes somos confrontados em termos de dialogar ou comunicar com pessoas que não querem ouvir ou que não estão disponíveis ou que não estão treinadas para a escuta. Nunca ninguém disse assim, olha, é muito importante num processo de comunicação, é importante que escutes o outro. E aquilo, lá está, o que uma pessoa não escuta, passou-lhe a 100 ou a 1000 e nunca praticou isso. Todavia, as crianças, no seu fernezinho,
Jorge Correia [00:30:26]:
também não parecem estar muito disponíveis ou com muito tempo para ouvir, porque elas estão em movimento efavorecente, mas trazem-nos outras coisas. O que nos oferecem as crianças? O que é que nos podem reensinar para todos reaprendermos? Nós, quem está no Tecano está a ouvir, quem está connosco agora, para aprender com as crianças. O que é que elas trazem? Olha,
JOANA RITA SOUSA [00:30:49]:
eu há pouco usei a palavra frescura e eu acho que essa é uma boa palavra. Elas trazem uma frescura de viver, de se aproximarem à realidade, não é? Olham para a realidade de uma forma muito curiosa, regra geral, e querem saber as razões pelas quais as coisas são assim ou porquê que isto é assim e não é assado, e porque é uma idade muito, como dizer, muito rica. Há idades porquês, não é? Exatamente, da qual as pessoas por vezes fogem, ou acham… Às vezes eu digo ai, ainda bem que o meu filho já não está na idade dos porquês. Porque há perguntas muito difíceis. Ah, mas vai haver sempre. E voltamos à perguntologia, não é? Vai haver sempre perguntas difíceis. De onde vêm os bebés? Pergunta à tua mãe. Vamos empurrando, Vamos empurrando até ver se alguém se chega à frente com uma explicação. Há perguntas difíceis e eu julgo que a mais válida de trabalhar com crianças é perceber que essa pergunta, qual a importância que ela tem para a pessoa que a faz e perceber como é que eu a recebo, porque uma coisa é eu perguntar uma pergunta difícil e dizer olha, vai perguntar a outra pessoa. É como se estivesse a desvalorizar ou a dizer que isso não é importante para mim Ou se eu disser, olha, eu por acaso não sei. Não sei. Não sei mesmo. E se calhar nem é por acaso, é mesmo uma coisa que eu não sei. Mas até estou disponível para investigar contigo. Mas dizemos muito pouco o não sei. Sim. Creio que sim. Tentamos qualquer coisa.
Jorge Correia [00:32:18]:
Isso tem a ver com a expectativa? Tem a ver com a expectativa que nós achamos que os outros têm sobre nós e de ficarmos quase no vazio, não é?
JOANA RITA SOUSA [00:32:28]:
Tem a ver com Falta de humildade, por exemplo, tem a ver com a necessidade de preencher espaços vazios e não deixar ficar ali silêncio, não é? E então diz, preenche-se aquele espaço com qualquer coisa, em vez de dizer, ah eu não sei, porque estamos talvez à procura de qualquer coisa que possa trazer alguma luz. Tanto falei de humildade, falei dessa necessidade de preencher os espaços e falei talvez dessa questão das expectativas, de que achamos que, lá está, achamos que à medida que crescemos o nosso foco é muito mais dar resposta ou responder à medida, à luz daquilo que é expectável, que a sociedade espera.
Jorge Correia [00:33:07]:
Que gostem menos de nós, que nos achem menos competentes para
JOANA RITA SOUSA [00:33:11]:
a arte da vida. Eu posso dar um exemplo concreto de um pai que dizia, já foi há uns anos, mas dizia que o grande receio que ele tinha de trabalhar perguntas com o seu filho tinha a ver com o facto de não saber as respostas para as perguntas que ele fazia. E eu disse, mas isso é maravilhoso. Ele disse, sim, como é maravilhoso? Eu sou o adulto. É suposto que eu saiba. Eu disse, não, eu conheço muitos adultos que não sabem muitas coisas. E nós, enquanto pessoas adultas, não sabemos tudo.
Jorge Correia [00:33:38]:
Felizmente, porque nós também não teríamos capacidade para saber tudo. Então e os casos extremos daqueles que, na realidade, não sabem Mas vão fingindo, disfarçando, quase mentindo e inventando uma opção de resposta que sabem que não é verdadeira mas que é para tapar esse silêncio. Isso é falta de honestidade intelectual. Mas as crianças têm um detector, não têm? Tem ali um besourinho, não é? É possível.
JOANA RITA SOUSA [00:34:07]:
Sim, têm essa leitura, não sei como é que elas a fazem e também têm uma tendência maior para ser mais honestas, nesse sentido em que se não sabem, não sabem, não é? E às vezes ainda são mais honestas pessoas a dizer assim, olha não sei e também não quer saber. Isso, está resolvido. Porque nós também não temos eu sei que isso pode parecer um bocado estranho a dizer isto, mas nós também não… Há perguntas que eu posso… Há uma pergunta que eu posso achar que é… Sei lá, que me fascina imenso e que me incomoda há muito tempo e eu quero muito saber a resposta. Mas para outra pessoa aquilo pode não lhe dizer absolutamente nada. Eu tenho que compre… Tenho que estar… Tenho que aprender a lidar com essa possibilidade de haver perguntas fascinantes que não interessam a outras pessoas. E às vezes também não interessam as pessoas de quem eu gosto. Isso pode ser assim um bocadinho… As pessoas não se interessam por isso. E és panflutária.
Jorge Correia [00:34:57]:
Aí à tua tribo tu vais lá de cartaz a dizer Vocês têm que pensar sobre isto. Pensa, pensa. Eu convido. Eu faço vários convites.
JOANA RITA SOUSA [00:35:06]:
E às vezes aproveito oportunidades para dizer, lá está, se pensarmos um bocadinho mais sobre isto ou se contemplássemos, sei lá, se deicassemos aqui um bocadinho mais tempo a analisar cenários. Se em vez de falarmos mais, suspendêssemos mais o nosso juízo. Até termos… Não julgar o outro? Sim, suspender… Exatamente. Não julgar o outro e julgar situações. Antes de saltarmos para uma interpretação muito… Assim, quase de segundos, dizer não, calma, deixa cá ganhar distância e ver o que é que eu tenho a dizer sobre isto. E às vezes eu olho e sim, não tenho a dizer nada, absolutamente. Não tenho a dizer nada que vai acrescentar.
Jorge Correia [00:35:39]:
Então cala-te. Mais vale estar calado, não é? Mais vale estar em silêncio. Mas o primeiro impulso é esse, é o que parece. É, é o de… Temos…
JOANA RITA SOUSA [00:35:46]:
Temos muito… Somos muito Empurrados para ter opiniões. Sobretudo. E depois temos os teodólogos, não é? Ah,
Jorge Correia [00:35:56]:
espécie fascinante.
JOANA RITA SOUSA [00:35:58]:
E às vezes há um pouco a ideia de que… Quem estuda Filosofia sabe de tudo, não é? Um bocadinho esta ideia. Então as pessoas dizem-me, ah Joana, tu que és Filosofia, sabes de certeza… Qual é a tua opinião sobre isto? Não tenho. Não tenho. Não tenho. Portração. Já agora como é… Acho que não vou ter.
Jorge Correia [00:36:15]:
Olha, E como é que é o encontro anual dos filósofos? Não sei se há encontros anuais de filósofos. Como é que vocês se comportam na colmeia? São maravilhosos ou insuportáveis? Na colmeia? Nunca tinha pensado assim. Não é? Quero dizer… Ok, vamos aqui a encontrar-nos. E tu O que é que isto é? Isto é um encontro de filósofos num estádio de futebol?
JOANA RITA SOUSA [00:36:35]:
Ah, isso é maravilhoso. Olha, eu tive recentemente um encontro de filósofos num sítio chamado Alba Racine, onde nasce o Río Tejo, em Espanha, e onde nós passámos três dias a fazer perguntas, a investigar perguntas, a investigar respostas numa fundação que era uma espécie de… Tinha… Está ali… Assim um espaço que parecia uma espécie de castelo de igreja, de palácio, não sei, assim uma coisa antiga, o lugar é todo ele muito antigo e nós o que fazemos é contemplar as perguntas e perceber o que é que elas provocam em nós e explorar possibilidades de respostas, explorar as possibilidades de perguntas Esse é a vivência da filosofia aplicada e sobretudo, que é um ramo da filosofia, e sobretudo da filosofia para ou com crianças, que é esta disponibilidade para pensarmos as coisas, que até já fazemos todos os dias, mas como se fosse a primeira vez. E amam-se ou odeiam-se? Respeitamos-nos.
Jorge Correia [00:37:34]:
E essa é a fronteira?
JOANA RITA SOUSA [00:37:36]:
Repare, eu não tenho que… Porque é esta a ideia, eu não tenho que amar, neste sentido, todas as tuas ideias, mas vou respeitá-las e vou acolhê-las para se perceber. Se calhar aqui há alguma coisa que até me ajuda, não é? Há outras ideias que não me agradam nada. E a Malta é mais competitiva ou mais contemplativa? Não sei se eu posso fazer esta dicotomia. Isso depende do ser humano em si. Há sempre pessoas competitivas em todo o lado. Na filosofia não há uma garantia. Sanidade. Há em todo o lado, mas pelo menos nos espaços onde eu movo e, repara, nos espaços onde eu quero voltar, não é? Porque acho que isso também diz muito. Somos mais contemplativos e pelo menos há esta disponibilidade para escutar as ideias. Eu acho que isso é importante. Acho que se já fizermos isso já estamos a fazer muito. Olha, quais são os problemas que te apoquentam, que te assaltam
Jorge Correia [00:38:26]:
a mente?
JOANA RITA SOUSA [00:38:28]:
Olha, eu tenho um problema… Agora vou dizer aqui e linkar todos os meus problemas por ordem alfabética. Tens tempo? Não? A questão da finitude é uma coisa que me atropela várias vezes. É um problema que eu acho que o ser humano tem, no geral, tem dificuldades em lidar. É na tua relação com o tempo ou na tua relação com o abstrato da ideia? Com a ideia das pessoas desaparecerem é uma coisa que me agasta. E que em princípio nós não acreditamos, não é? Porque… É, nós achamos sempre que as pessoas estão lá, depois há um dia em que elas deixam de estar e essa ausência é uma coisa perturbadora, não é? Não que eu queira que as pessoas vivam para sempre mas parece que nunca é sempre tempo suficiente, não é? Queremos sempre mais um bocadinho. Esta é a relação com o tempo, não é? Queremos sempre mais um bocadinho. Portanto, a finitude é uma coisa que me apoquenta, assim mais em termos de… Mais, se calhar não… Bem, isto também é pessoal e não é pessoal também, acredito que muitas pessoas se identifiquem com esta questão, mas mais a nível da nossa sociedade, uma coisa que me apoquenta também é esta sede do ser humano em fazer mais, procurar sempre mais e só depois de fazer é que percebe, ah, espera, então vamos lá, temos que regular isto, há um limite estamos a fazer isto por aqui, queremos sempre mais, estamos a falar Ou de tecnologia, enfim, do que seja. Mas temos sempre esta tendência para fazer, um bocado por fazer, sobretudo por uma questão de quantidade, há uma espécie de ilusão de quantidade e do que vem aí é sempre melhor do que já temos. É o ter, ter, ter. E não contemplamos que aquilo se calhar que temos…
Jorge Correia [00:40:10]:
Já é bom. Já é bom. Mas por outro lado, isso imporra a fronteira, não é? Faz-nos… Chegamos à Lua, queremos ir a Marte, chegamos a Marte queremos ir a outro lado de qualquer. Há uma insatisfação
JOANA RITA SOUSA [00:40:21]:
muito… E há pouco tempo eu acho que há pouco tempo para contemplar esse… Quero estar onde não estou. E há pouco tempo para… Não sofrimos do tempo para contemplar aquilo que já conseguimos, não é? E ter a partir, se vamos pensar numa questão de quantidade, então ter a partir para mais pessoas, que mais pessoas possam ter essa possibilidade de pensar de outra maneira ou de aceder a um aparelho qualquer tecnológico. Às vezes nem é preciso ter aparelhos tecnológicos, Às vezes o que é preciso é largar também alguma tecnologia e não queremos estar sempre… Esta ideia, ainda não há muito tempo falava nisso numa oficina com a criançada, que era… Para eles a escola ideal era uma escola, eu fiquei surpreendida, não tinha pensado assim que fosse uma coisa que eles não me jassem, que é… Era a escola em que acontecia dentro de casa, portanto eles não saiam de casa. Tinham computador, ficavam em casa, tinham as aulas, inclusivamente, e perguntei, então e a educação física? Porque é uma coisa que me empolguei, me lembro. Fazemos estudo também em casa, temos uma passadeira. Isso é uma doença que apanharam na pandemia? Pois, eu pensei sim, mas isso faz-me lembrar o confinamento, não é? Aquela ambiente de confinamento. Sim, porque eles na
Jorge Correia [00:41:27]:
realidade tiveram uma parte muito substantiva das suas vidas de desenvolvimento metidas dentro de casa e isso bem não fez, seguramente.
JOANA RITA SOUSA [00:41:35]:
O que eu achei curioso foi aquele grupo, e havia várias pessoas naquele grupo, crianças, que achavam que isso era a escola do futuro. Que era a escola que eles queriam no futuro, que era a ideia de escola que tinham no futuro. Por outro lado, também tive oficinas com crianças que achavam que a escola do futuro era uma coisa que não tinha não tinha muros. Interessante. Era muito na natureza, portanto tinha que haver um cão como porteiro. Foi engraçado, essa parte eu, como gosto de cães, fiquei pronto, não é agradável, não é? Aprovaste logo a ideia. Aprovei logo a ideia, não é? Tinha que ter um cão como porteiro. E eu achei muito interessante como miúdos mais ou menos da mesma idade têm ideias tão diferentes do futuro e do que é que se quer ter. E é esta ideia do tecnológico, de termos mais e, por exemplo, passamos a não ter alimentos mas temos uma espécie de comprimido, até para isso já não precisamos de cozinhar, não é? Para resolver o problema e não para ter quase uma criatividade sobre aquilo. Exato, e eu penso, e depois o que é que nós fazemos com tanto tempo? Se tivemos tanta tecnologia a ajudar-nos a fazer coisas, o que é que fazemos depois com o resto do tempo? Ok, podemos nos aborrecer, eu até acho interessante isso do aborrecimento. Mas será que conseguimos colaria com esse aborrecimento?
Jorge Correia [00:42:50]:
E essa ideia de viver num sítio não gregário, viver em casa, eu o meu ecrã quase de 1984
JOANA RITA SOUSA [00:43:00]:
um bocado assustador, não é? Mas são pensamentos que as pessoas têm e é importante, acima de tudo, independentemente das minhas preferências, sim, eu prefiro muito mais a escola com rélvis e sem muros e com cão como porteiro, então eu prefiro mesmo, independente das minhas preferências, criar um espaço, que é isso que eu pretendo numa oficina de filosofia, criar um espaço onde eles podem pensar isto. E dizê-lo. E dizê-lo. Isso interessa-me porque esta questão da liberdade do pensamento
Jorge Correia [00:43:28]:
e da liberdade de expressão, Como estamos? O teu termómetro… Ainda por cima tu és fã do Twitter e o vejo muitas vezes e aquilo é uma grande pancadaria. Como é que está a nossa capacidade e a nossa liberdade de pensar e de exercer essa liberdade de expressão, por exemplo.
JOANA RITA SOUSA [00:43:50]:
Eu, voltando um pouco ao que já disse atrás, voltando ali a uma parte em que eu falei das opiniões, eu julgo que se levou esta ideia da liberdade de expressão para quase para um campo sem qualquer tipo de limite e de regras. As pessoas já se ofendem, quer dizer, as pessoas dizem olá e dizemos porque é que estão a dizer olá? Não tens nada a dizer olá? Já chega quase a este ponto. Estão a respirar porquê?
Jorge Correia [00:44:21]:
E se pensares diferente de mim, posso cancelar-te, que é uma coisa que me perturba muito.
JOANA RITA SOUSA [00:44:28]:
Também temos acesso a plataformas que dão megafones gigantes às pessoas. Há uns anos o que nós fazíamos era fazíamos isto, mas nunca foi. E tínhamos o quê? Duas ou três pessoas numa mesa a ouvir-nos e a coisa… Não era um contágio, não é? Aquilo caía por ali abaixo, a pessoa ouvia e pronto. E podia haver uma conversa mais animada, mas o público era sempre
Jorge Correia [00:44:50]:
reduzido.
JOANA RITA SOUSA [00:44:52]:
Agora as pessoas têm um megafone tremendo e isto, para quem gosta de falar alto, que é uma coisa que as pessoas… Há pessoas que gostam muito de falar alto, gostam de falar muito e alto. Não quer dizer que digam alguma coisa com sentido. Mas fazem muito barulho, ocupam muito espaço. E ganharam ali um megafone
Jorge Correia [00:45:11]:
que quanto a mim provoca um exercício um pouco saudável desta liberdade de pensamento. Mas o que é curioso é que tu podias até ter esse alguém que abusa do tempo e do espaço, se quisermos, dizendo coisas que em boa rigor não têm interesse nenhum e, portanto… E aquilo podia ser na mesma um fenómeno autocontido, não é? O seu círculo do Twitter, o seu círculo do Facebook. O que me dá a ideia é que, se calhar o algoritmo resolve esse problema, não é? Parece que o algoritmo potencia a gritaria.
JOANA RITA SOUSA [00:45:45]:
E potencia eu encontraram com pessoas que gritam mesmo que eu. Dá-nos pouco contraditório. O algoritmo tem tendência a mostrar… Se eu estou sempre a fazer like em fotografias de cãezinhos, e estou, o que é que o algoritmo vai dar? Cães. Nunca te dará gatos, nem papagaios, nem perus, nem outra. Mas já se tenta, mas eu como não deixo lá o like, ele tenta, mas depois percebo que aquilo
Jorge Correia [00:46:09]:
não ganha efeito e desvaria. Mas isso é muito monocórdico, não é? Porque significa que lá está, tu olha, são as crianças dentro do quarto a ver só, em vez de ver os pássaros e a rua, as árvores e o cão que está na porta, a ver mais do mesmo? A juntar-me a pessoas que dizem a mesma coisa que eu, que pensam a mesma coisa que eu? Mas eu tenho uma sugestão para isso, mas exige algum trabalho.
JOANA RITA SOUSA [00:46:35]:
Isto de pensar, ou seja, a liberdade de pensamento, voltando à tua pergunta, não é só pensar, é pensar também naquilo que estamos a pensar ou naquilo que estamos a dizer. Eu se noto, e eu faço esse exercício nas redes sociais, eu sigo pessoas deliberadamente…
Jorge Correia [00:46:49]:
Para te irritares?
JOANA RITA SOUSA [00:46:50]:
Não, não. Isso é outro patamar. Sigo pessoas com as quais eu não concordo.
Jorge Correia [00:46:55]:
Ok, mas isso é interessante. Sigo pessoas que são… Que dizem coisas que eu se calhar nunca pensaria ou que estão… Que têm pontos de vista diferentes dos teus, mas que tem uma racionalidade
JOANA RITA SOUSA [00:47:05]:
ali à volta. Nem sempre tem, mas pronto. Mas é importante, repara, é importante seguir essas pessoas, citando aqui um amigo, porque temos que saber, primeiro que as bestas existem, e segundo o que é que elas dizem? Que é para estarmos preparados para as enfrentar, se formos necessários. Mas isso, lá está, então tu pões a tua armadura e dizes, ai é! Eu de quando em vez, muito pontualmente, eu intervenho em algumas discussões mais acesas para trazer um bocadinho de razão, não se diz assim calma, vamos lá ver isso. E vais conter ou de vez em quando tens a tentação de incendiar? Eu tenho, tento ser sempre mais contida, não quer dizer que não me tenha em alguns momentos, não haja, mas eu fujo muito, suspendo muito o juízo e escolho muito bem as batalhas onde me vou envolver. Porquê? Porque isso implica
Jorge Correia [00:47:54]:
gastar energia e eu tenho pouca. Portanto, eu tenho que escolher muito bem… Há pouco tempo e pouco de energia. Não, porque… Eu estou a perguntar-te isto porque eu vejo, e esse é um estranhíssimo fenómeno das redes sociais e por isso é que eu estou a dizer que isto de alguma maneira há de se alimentar do algoritmo. Que é encontrar pessoas que eu conheço e que são inteligentes, e muitas do meu círculo de amigos que são inteligentes, que refletem, que conseguem ter uma conversa normal vamos beber um café, conversar, pensar, almoçar. E transfiguram-se de uma forma completamente louca. Às vezes, eu acho que às vezes defendendo pontos de vista com muito sal e pimenta, para radicalizar esse discurso e já não vou depois ao outro limite dos populistas, negacionistas e afins, porque o que me surpreende é eu encontrar pessoas que leram os mesmos livros do que eu e que estão a defender pontos de vista… A ideia de que há uma suspensão, uma suspensão qualquer. Conspiração. Uma conspiração. E assim, não, mas isto não tem uma racionalidade. Não, ah, tu é que não estás a ver. E eu digo, uou!
JOANA RITA SOUSA [00:49:08]:
Nós temos que nos lembrar que o ser humano é falível, tem de facto um instrumento maravilhoso a funcionar, que é o nosso cérebro, é a nossa racionalidade, somos o ser, como se diz, somos o ser racional. Alegadamente. Mas somos previsivelmente irracionais e a grande maioria das nossas decisões nem todas elas são estruturadas de uma forma limpa, dizer não, vou fazer isto, vou tomar… Eu sei que comer pão é uma coisa que se aloja no meu ser profundamente, não é? Portanto, fica aqui alojado no meu ser mais físico e eu continuo a comer pão. Porque te dá prazer. Me dá gozo, não é? E há pessoas que não veem… Nós estamos a tentar criar uma linha de raciocínio, estamos a tentar ser claros e mostrar-lhes os pontos de vista e perceber que B não deriva de A, porque não tem sentido absolutamente nenhum e a pessoa continua a não ver aquilo. Como é que se lida com essas pessoas? Eu não tenho receita. A não ser uma certa paciência, num determinado momento e depois chega uma altura em que é um pouco como aquele… Como é que dialogamos com quem não quer ouvir? Diz-se que não conseguimos, não é? Porque de facto há um momento em que se a pessoa não tem disponibilidade para se distanciar do seu pensamento e olhar como se fosse… Como se tivesse uma espécie de helicóptero, não é? E está a ver o seu pensamento lá. Olha, estás a ver, estás a pensar assim. Mas isto não liga com aquilo. Daqui não deriva àquilo. É uma autoconsciência crítica, no fundo. E se a pessoa está muito agarrada a uma coisa que lhe confirma, lá está. Nós temos uma coisa tremenda que é o viés de confirmação, não é? Se eu tenho uma suspeita que aquilo é uma conspiração não sei do quê se eu leio qualquer coisa que indicie isso Claro que é verdade! Se eu penso assim, Logo é verdade. E depois começa a vir aí uma expressão que agora tem sido muito comum, que eu acho que é um bocadinho perigosa, que é da minha verdade. Ah, eu tenho a minha verdade, tu tens a tua. Não é opinião. Já é, exato. É a verdade. Ah, tá bem, então tu ficas com a tua verdade, eu fico com a minha. E eu tento… Vamos lá, parar só um bocadinho. Só para pensar o que é que estamos a dizer. Porque se eu tiver numa… Nós temos uma rua, que é inclinada. E se eu estiver no cimo dessa rua e tu, Jorge, estás lá embaixo, A minha verdade é que a rua desce e a tua verdade é que a rua sobe. E é a mesma rua. Enquanto nós não tomarmos consciência que a rua é inclinada, logo se tiveres em pontos diferentes da rua vais ter verdades, com muitas aspas aqui, diferentes, nós não nos vamos entender. E há pessoas que só veem o descer e o subir e não veem a inclinação. Olha, vamos fechar. Tem-se alguma pergunta favorita? Hum… Porquê que existe algo e não nada?
Jorge Correia [00:52:01]:
E pronto. Agora tens 3, 15 dias para tentar resolver essa pergunta. No mínimo 3, 15 dias. Eu já espero que as pessoas que nos ouviram também respondam à pergunta porquê existe o ser e não o nada, entre o vazio e o cheio.
JOANA RITA SOUSA [00:52:15]:
É uma pergunta simples.
Jorge Correia [00:52:18]:
É uma pergunta simples, não é? É uma pergunta simples, é uma falácia, não é? Ah, é uma pergunta fácil. Simples é a minha resposta. Essas é que são mais difíceis.
JOANA RITA SOUSA [00:52:25]:
Obrigada. Obrigado, Joana. Fica bem.
Jorge Correia [00:52:29]:
Pouco simples, não? Eu acho que fiz uma vez mas não sei. Agora.