Hoje viajamos pela arte de comunicar ciência.
Os cientistas passam os dias metidos em laboratórios ou algures a observar o mundo.
Pensam, inventam hipóteses, fazem experiências.
E no momento Eureka!, há que pensar em como se conta a descoberta ao povo.
É esse o momento chave na comunicação cientifica.
E lato senso, tem uma grande ciência por detrás.
O mundo infinitamente grande ou infinitamente pequeno merece sempre uma boa explicação.
Os cientistas vagueiam no limiar entre o conhecimento, sempre limitados, e a ignorância infinita.
Movidos por uma curiosidade sem fim, dedicam-se a fazer perguntas sem parar.
Procuram respostas. Usam o método científico para tentar uma e outra vez confirmar ou infirmar a hipótese uma e outra vez reformulada.
É um caminho onde os fracassos são permanentes e as grandes descobertas raras.
A ciência avança em pequenos passos.
E cada vez mais é mais complexa, mais abstrata, mais profunda.
O que a torna mais inacessível para quem não compreende o simples quanto mais o complexo.
Mas a ciência precisa de ser explicada. Precisa de ser entendida.
Seja por analogia, seja por simplificação, há que encontrar um caminho, uma narrativa, um vislumbre.
É o que faz diariamente Ana Sanchez, uma cientista apaixonada pela arte da comunicação.
Cabe-lhe hoje o papel de tradutora simultânea entre as minhas perguntas e os segredos dos cientistas.
Temas e Capítulos (timestamps)
O que motiva os cientistas a escolherem um problema para estudar? (00:04:31)
Ana Sanchez fala sobre a força motriz que leva cada cientista a escolher um problema para estudar, mencionando a sua própria motivação em imaginar o que está a acontecer dentro de uma planta.
A importância da comunicação de ciência para torná-la acessível ao público (00:01:11)
O apresentador destaca a importância da comunicação de ciência para torná-la acessível ao público, enquanto Ana Sanchez fala sobre a necessidade de encontrar uma narrativa para explicar a ciência.
O trabalho de Ana Sanchez no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) (00:02:38)
Ana Sanchez fala sobre o seu trabalho no ITQB, onde acompanha o trabalho dos cientistas e participa de encontros para saber o que estão a fazer.
Ciência fundamental e aplicada (00:05:35)
Discussão sobre a distinção entre ciência fundamental e aplicada, e como muitas vezes essas fronteiras não são tão diferentes.
Importância da ciência fundamental para a tecnologia (00:07:15)
Explicação sobre como o conhecimento dito fundamental é importante para o desenvolvimento de tecnologias, como nas vacinas para a COVID-19.
Sorte na ciência (00:10:00)
Discussão sobre a importância da sorte na ciência e como ela pode ter influenciado o desenvolvimento das vacinas para a COVID-19.
Comunicação de ciência (00:10:45)
Ana Sanchez fala sobre a importância da comunicação de ciência e como a incerteza é um aspecto importante a ser considerado.
Contradições na ciência (00:12:24)
Ana Sanchez discute a ideia de que os cientistas se contradizem e explica que isso pode acontecer em áreas de fronteira do conhecimento.
Equilíbrio na comunicação científica (00:15:21)
O apresentador e Ana Sanchez discutem o equilíbrio complicado entre dar respostas claras e imediatas e reconhecer a incerteza na comunicação de ciência, especialmente durante a pandemia.
Importância da incerteza (00:15:55)
Ana Sanchez discute a importância de reconhecer a incerteza na comunicação de ciência e como isso pode afetar a credibilidade da ciência.
A ciência como ferramenta (00:19:11)
Ana Sanchez explica que a ciência é uma ferramenta para entender o mundo e propor teorias, mas que outras considerações podem ser necessárias para tomar decisões.
Comunicação científica (00:21:21)
O apresentador discute como os cientistas comunicam e menciona a importância de reconhecer quando as informações mudam.
Transição para a comunicação de ciência (00:21:26)
Ana Sanchez fala sobre sua mudança da pesquisa em biologia para a comunicação de ciência e a importância da comunicação científica.
Formas de comunicação científica (00:22:07)
Ana Sanchez discute as diferentes maneiras pelas quais os cientistas podem comunicar, incluindo escrever, falar, fazer experiências com crianças e desenhar.
A importância do diálogo na comunicação de ciência (00:25:31)
Ana Sanchez enfatiza a importância de tornar a comunicação científica um diálogo e não uma palestra, ouvindo as dúvidas e perguntas do público.
Comunicação de ciência (00:26:08)
Ana Sanchez fala sobre a importância de ouvir e entender as dúvidas das pessoas, mesmo que não sejam científicas, para uma comunicação efetiva de ciência.
Desafios da comunicação de ciência (00:27:41)
Ana Sanchez discute os desafios de comunicar ciência para diferentes públicos, considerando suas percepções, emoções e base de conhecimento.
Curiosidade infantil (00:29:45)
Ana Sanchez e o apresentador discutem a curiosidade infantil e como os cientistas mantêm essa curiosidade para fazer perguntas e explicar o seu trabalho para diferentes públicos.
Importância da comunicação de ciência (00:31:09)
Ana Sanchez fala sobre a importância da comunicação de ciência para tornar a ciência acessível ao público em geral e como os cientistas podem aprender a ver os seus problemas de pesquisa de diferentes ângulos.
A pandemia como laboratório para a comunicação de ciência (00:32:55)
Ana Sanchez discute como a pandemia foi um bom laboratório para os cientistas perceberem que a comunicação de ciência não é apenas uma questão de dar os fatos, mas também de considerar o contexto social e as percepções das pessoas.
A relação entre cientistas e jornalistas (00:35:03)
Ana Sanchez fala sobre a tensão entre cientistas e jornalistas na comunicação de ciência, e como a diminuição do número de jornalistas especializados em ciência pode afetar a qualidade da cobertura científica nos “media”.
O desafio da comunicação entre cientistas e jornalistas (00:36:05)
Ana Sanchez fala sobre a tensão entre cientistas e jornalistas, os diferentes ritmos de trabalho e a importância da aprendizagem mútua.
A importância de escolher a fonte certa (00:37:33)
Ana explica como escolhe a fonte certa para uma história e como treina os cientistas para se comunicarem melhor com os jornalistas.
Conversando com jornalistas para desmistificar a interação (00:39:57)
Ana fala sobre a importância de conversar com jornalistas antes de uma entrevista e como isso pode ajudar a desmistificar a interação entre cientistas e jornalistas.
Projeto de residências de jornalistas em instituições científicas (00:40:37)
Ana Sanchez fala sobre um projeto europeu que envolve a criação de residências de jornalistas em instituições científicas em toda a Europa.
Importância da comunicação de ciência (00:43:30)
Ana Sanchez discute a importância da comunicação de ciência para tornar a ciência acessível ao público em geral.
Inteligência artificial (00:45:12)
O apresentador pergunta a Ana Sanchez sobre sua opinião em relação à inteligência artificial e se ela está animada ou preocupada com essa tecnologia.
Desafio das fake news (00:46:49)
Ana Sanchez discute a possibilidade de a desinformação e a má informação aumentarem, tornando-se um problema cada vez mais difícil de controlar.
Curadores da informação (00:47:45)
Ana Sanchez sugere que boas instituições científicas e órgãos de comunicação social podem ser os curadores da informação, selecionando e dando garantia de que a informação é verdadeira.
A importância da comunicação de ciência (00:49:08)
O apresentador destaca a importância da comunicação de ciência para combater mitos e reforçar a confiança no método científico.
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Jorge (00:00:12) – Ora, vivão! Bem-vindos ao Pergunta Simples, o vosso podcast sobre comunicação. Hoje viajamos pela arte de comunicar ciência. Os cientistas passam os dias metidos em laboratórios ou algures a observar o mundo. Pensam, inventam hipóteses, fazem experiências e no momento eureca há que pensar em como se conta a descoberta ao povo, como se conta a história.
Jorge (00:00:34) – E esse é o momento chave da comunicação científica. E lá do senso tem uma grande ciência por detrás. Já voltamos a falar de ciência, mas para já no universo das percepções. Tem gostado dos últimos episódios? Tem partilhado com os vossos amigos?
Jorge (00:00:48) – Era uma grande ideia. Eu agradeço. Se não subscreveram ainda o podcast, podem fazê-lo nas aplicações do costume no vosso telemóvel Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts. O Pergunta Simples está em todas estas aplicações e também, claro, na RTP Play. Podem subscrever, é uma maneira fácil de conseguir ir acompanhando os novos episódios semanais do Pergunta Simples.
Jorge (00:01:11) – E agora, vamos ao programa. Vamos falar de comunicação de ciência. De ciência. O mundo infinitamente grande ou infinitamente pequeno merece sempre uma Boa explicação. Os cientistas vagueiam no limiar entre o conhecimento, sempre limitado, e a ignorância infinita, o que é um grande motor.
Jorge (00:01:38) – Movidos por uma curiosidade infinita, dedicam-se a fazer perguntas sem parar. Procuram respostas. Usam um método científico para tentar, uma e outra vez, confirmar ou infirmar a hipótese, a hipótese que foi uma e outra vez reformulada. É um caminho onde os fracassos são permanentes e as grandes descobertas raras. A ciência avança em pequenos passos e cada vez é mais complexa, mais abstrata e mais profunda.
Jorge (00:02:05) – O que a torna mais inacessível para quem não compreende o mais simples, quanto mais o mais complexo e abstrato. Mas a ciência precisa de ser explicada, precisa de ser entendida. Seja por analogia, seja por simplificação, há que encontrar um caminho, uma narrativa, um vigilumbre. É o que faz todos os dias a Ana Senches Zuma, cientista apaixonada pela arte da comunicação. Cabe-lhe hoje o papel de tradutora simultânea entre as minhas perguntas e os segredos dos cientistas.
Ana Sanchez (00:02:38) – Cientista d’alma neste momento, não faço já a investigação na área da biologia, que foi a área em que me formei.
Jorge (00:02:44) – E tens saudades?
Ana Sanchez (00:02:45) – Tenho saudades, mas eu gosto de pensar que a parte da passagem para a comunicação me permitiu aumentar muito o leque dos sistemas científicos a que eu podia ter acesso e, portanto, de certa maneira, acho que ganhei. Eu tenho uma curiosidade muito grande e gosto muito de aprender coisas novas e isto de poder estar no lado da comunicação, a ter que aprender coisas para depois pensar como comunicá-las é tão ou mais divertido do que fazer ciência.
Jorge (00:03:06) – Estás aqui no Instituto, no ITQB, o que significa que vais estilhando por aqui, vais espreitando ali nos laboratórios, vais perguntando o que é que estão a fazer aqui.
Ana Sanchez (00:03:15) – Sim, e nós temos uma série de encontros também ao longo das semanas em que os investigadores da casa vão contando o que é que estão a fazer, como é que estão a correr o seu trabalho e portanto, de alguma forma, vou acompanhando o que eles estão a fazer. Eu neste momento já não estou a coordenar o gabinete de comunicação do ITKB, coisa que fiz durante muitos anos, mas continuo a acompanhar, de certa forma, o trabalho do dia a dia e a gostar de ver a alegria que as pessoas têm quando encontram coisas novas ou às vezes as frustrações do trabalho do cientista, que também acontecem, é um sentido muito bom para trabalhar.
Jorge (00:03:50) – O que é que frustra o cientista?
Ana Sanchez (00:03:53) – Às vezes o tempo que as coisas demoram, às vezes os resultados que não são como os esperados, às vezes o chegar em abico sem saída, às vezes coisas mais prosaicas, como o financiamento que não se obteve ou o artigo que não foi aceito à primeira, que tem muito a ver também com o trabalho e com o destaque que depois é dado ao trabalho dos cientistas. Mas, e depois às vezes também frustra os cientistas ou frustra todas as outras pessoas, um dia que corre mal de manhã, os filhos que fizeram birra antes de ir para a escola, portanto tudo isso também faz parte da vida de um cientista.
Jorge (00:04:31) – Quando um cientista olha para um problema, tu és cientista obviamente, tu olhas há mil problemas, o que é que te leva a escolher o problema A e a não escolher o problema B? Qual é essa força motriz?
Ana Sanchez (00:04:49) – Olha, eu acho que se calhar cada cientista tem a sua força motriz. Não quero aqui estar a falar em nome de todos os cientistas, porque apesar de tudo somos um grupo diverso. A mim, o que me motiva são Quando começo a olhar para alguma área e eu fiz investigação na área de plantas, para mim fascinava-me olhar para uma planta e tentar imaginar uma coisa que parece ali parada no campo e que não está a fazer nada, tudo o que está a acontecer lá dentro e que nós não vemos e que é sinal de vida e de funcionamento, de energia, de tudo, a mim fascinava-me imaginar o que é que está a acontecer para além daquilo do que é visível. E, portanto, essa era uma das coisas que me fazia questionar e perguntar e querer saber mais e descobrir mais como é que funcionava. E
Jorge (00:05:35) – eu posso dividir os cientistas em dois tipos. O cientista que, interrogado perante a planta e saber o que é que se passa lá dentro, nos procura dar uma resposta que nos dava um jeito. Ah, se por exemplo, como é que ela se reproduz mais de peça, como é que nós alimentamos mais pessoas ou aquele cientista que diz, não senhor, eu quero saber a nanocoisa do mecanismo de base que vai ser absolutamente revolucionário, mas que nenhum de nós, pobres leigos, percebe do que é que ele está a falar.
Ana Sanchez (00:06:06) – Às vezes é assim. É engraçado porque no fundo o que tu estás a falar é a distinção que nós costumamos fazer entre o que nós chamamos a ciência mais fundamental, a ciência básica e aquilo que é a ciência mais aplicada. A verdade é que a maioria das pessoas que está a fazer investigação acaba por defender que as fronteiras não são assim tão diferentes e que mesmo alguém que está a tentar pensar como é que eu agora resolvo um problema muito prático e como é que eu consigo, e tem também questões mais fundamentais que o móvel. Mas é verdade que há temas que são depois mais complicados de explicar, na nano coisa, em que o cientista está interessado. E há alguém que está interessado em descobrir mesmo como é que funciona, quase como querer desmanchar um aparelho e tentar descobrir como é que aquilo funciona e o que é que aquilo pode querer dizer sobre o mundo vivo, neste caso que nós estamos a discutir.
Ana Sanchez (00:06:57) – O que eu também gosto de pensar é que Isso pode ser igualmente fascinante de explicar, porque provavelmente é algo que há muito tempo alguém está a tentar perceber ou há alguma pergunta que ainda nunca ninguém pensou. E por outro lado, muitas vezes as aplicações aparecem de coisas que ninguém estava à espera.
Jorge (00:07:15) – E aparecem depois?
Ana Sanchez (00:07:16) – E aparecem depois. Uma das coisas que nós às vezes nos esquecemos, e agora voltando aqui à distinção entre ciência fundamental e ciência aplicada, por exemplo, as vacinas que nós tivemos para o Covid. Claro que as vacinas que apareceram com o Covid apareceram porque muitos cientistas se dedicaram de uma forma, com um objetivo muito concreto de desenvolver uma vacina para um vírus que estava a acelar todo o planeta e, claro, que houve uma decisão política fortíssima e um grande investimento para que isso acontecesse e as vacinas surgiram. Mas isso não teria acontecido se não houvesse uma quantidade de conhecimento dito fundamental. Estas nanocoisas que se calhar ninguém ligava e que teriam sido muito complicadas de explicar para que é que serviam ou às vezes sequer de imaginar para que é que serviam.
Ana Sanchez (00:07:57) – Mas esse trabalho desses cientistas e a curiosidade desses cientistas foi importante para que depois essas vacinas tivessem aparecido. Por isso eu não gosto muito quando nós começamos com estas separações do aplicado e do fundamental. Se calhar o que é fundamental agora será aplicado mais tarde, se calhar o que agora nos parece aplicado vai nos revelar uma questão fundamental sobre o mundo. E portanto, acho que todos os ângulos são importantes para nós entrarmos e tentarmos perceber um bocadinho melhor como funciona o mundo, seja o mundo vivo, seja o mundo físico, seja o mundo social, todos os ângulos são legítimos.
Jorge (00:08:27) – O que me estás a dizer é que para que a tecnologia, no caso das vacinas da Covid, tenha chegado mais rapidamente e nos tenha dado uma resposta em tempo útil, porque não tínhamos três anos para esperar, senão a pandemia ia fazer o seu caminho com o número de mortes seguramente muito maior. Como estás a dizer é que houve um conjunto de peças desta arquitetura, destes alicetes, que na realidade eles já estavam investigados e que a seguir, se posses lá está, o fermento da pressa por um lado e o fermento do dinheiro público que fez avançar o processo?
Ana Sanchez (00:09:00) – De certa forma, no fundo, é isso mesmo. Já outras pessoas tinham pensado em que, por exemplo, as vacinas de RNA, que podiam ser uma boa estratégia, mas ainda não tinha houve oportunidade de expor a funcionar. Mas mesmo antes de alguém sequer pensar que poderiam ser vacinas, alguém teve que estudar as moléculas da Renan, alguém teve de ter ideia pera, mas se nós temos estas moléculas, se calhar que podemos usá-las em nosso proveito. Portanto, alguém teve que estudar muitas outras coisas antes de conseguir desenvolver uma vacina, e sim, não teria sido possível. E outra coisa que também é importante nós pensarmos, poderia não ter sido possível, poderia apesar de todo este conhecimento, a tecnologia não ter conseguido.
Ana Sanchez (00:09:36) – A tecnologia não nos dá sempre respostas, esta é uma das coisas que eu acho que é importante nós também percebermos. A ciência ajuda-nos a perceber imensa coisa, a ciência torna possível uma série de tecnologias, mas não é uma bala mágica que tem sempre resposta para todos os problemas. Há alguns problemas, poderemos tentar compreendê-los melhor e poderemos tentar encontrar soluções, mas não teremos sempre uma resposta. Tivemos sorte nesta panquia.
Jorge (00:10:00) – Tivemos sorte, não é isso? Isso é o ponto. Lá está, Tivemos sorte porque a tecnologia estava lá, porque foi possível assemblá-la toda.
Ana Sanchez (00:10:08) – Toda, porque as vacinas depois resultaram na prática, os ensaios clínicos tiveram sucesso, tudo isto correu bem.
Jorge (00:10:14) – Uma cientista acredita em sorte?
Ana Sanchez (00:10:16) – Ah, um bocadinho. Um bocadinho de sorte. Aquele ano aonde chamamos assim.
Jorge (00:10:21) – É o acaso no fundo, não é? Lá está a maçã que cai na cabeça do cientista. Começamos por aí. Isto destrói Então esse argumentário, normalmente das teses mais negacionistas que é, isto é demasiado inseguro porque isto apareceu agora. Eles investigaram à pressa isto e agora estão aqui no fundo a usar uma tecnologia que é riscadíssima e que daqui a uns tempos a gente vai descobrir que é arriscada.
Ana Sanchez (00:10:45) – Muitas coisas já sabiam, muitas coisas sabiam que era segura, muitas coisas podíamos ainda não ter a certeza absoluta, mas tínhamos muitas indicações de que seriam provavelmente seguras. Os ensaios clínicos também serviram precisamente para fazer estes testes. Agora, em relação a tudo o que nós fazemos e a todas as tecnologias que introduzimos, há sempre graus de incerteza associados, ninguém em perfeita consciência, nenhum cientista pode dizer isto é 100% seguro para sempre e nunca vai haver nenhum problema. Não há evidências nenhuma que não sejam seguras. Esta é a nossa melhor aposta neste momento.
Jorge (00:11:23) – Como é que tu lides com incerteza? Essa palavra interessa-me.
Ana Sanchez (00:11:28) – Confesso que gosto muito de pensar nesta ideia de incerteza na ciência. Na minha vida pessoal, eu lido muito mal com incerteza, gosto das coisas direitinhas. E todos nós, de facto, não lidamos bem com incerteza. Nós preferimos saber o que vai acontecer do que não saber o que vai acontecer. E eu acho que esta ideia de quando nós comunicamos ciência, nos lembrarmos de deixar claro que a incerteza associada é importante.
Ana Sanchez (00:11:50) – Claro que nós temos que ter algum cuidado, porque nós não podemos cair no ponto dos tais negacionistas que tu falavas, que é nós temos incerteza e portanto não sabemos nada e tudo pode acontecer. Isto não é verdade. Há diferentes tipos de incerteza associada ao conhecimento científico. Há coisas que é muito improvável, que se venham a demonstrar que a ciência errou. É muito pouco provável que a Terra, afinal, seja plana.
Ana Sanchez (00:12:12) – Portanto, há certezas que nós temos… É muito pouco provável que apareçam evidências que venham a contrapor uma determinada teoria, uma determinada ideia que nós temos sobre o mundo.
Jorge (00:12:24) – Apesar de tudo, parece que os cientistas fazem quase gáudio em contrariarem-se sempre uns aos outros. Que é, olha, afinal descobrimos isto que era ao contrário do que sabia ontem de manhã e amanhã descobrimos outros. Não, não, isto afinal é ao contrário. É quase um desporto predilecto dos cientistas contrariarem-se em público.
Ana Sanchez (00:12:45) – Olha, eu não sei se isso será verdade. Eu acho que isso em algumas áreas parece acontecer mesmo assim, e eu acho que isso acontece por dois motivos. Acontece precisamente porque nós estamos a trabalhar, ou esses cientistas estão a trabalhar em áreas de fronteira do conhecimento, onde as certezas podem ainda não ser tão grandes e, portanto, aí poderá haver uma verdadeira diferença. E eu acho que também acontece muito porque nessas tais zonas em que ainda se está a recolher dados, a tentar encontrar explicações, a tentar no fundo compreender o mundo. Depois o que aparece são as notícias de ciência que aparecem, que aparecem com essa ideia de que os cientistas, olha, agora descobriram isto, hoje o café faz bem, amanhã faz mal, hoje o vinho tinto faz bem, amanhã o vinho tinto faz mal.
Jorge (00:13:31) – São dois bons exemplos.
Ana Sanchez (00:13:33) – Exatamente, cada um vai escolhendo
Jorge (00:13:34) – no fim do… Eles não se entendem. Não, posso garantir que o café é ótimo. Muitos dizem-lhes, muito bem, credibilidade, extraordinária, vamos beber café. Afinal não, não bebam café.
Jorge (00:13:46) – Até não bebemos café.
Ana Sanchez (00:13:49) – Isso também tem muitas… Há aqui culpas de muitos lados, não é? Por um lado, muitas vezes estas notícias também querem aparecer com títulos, e aqui se a responsabilidade é do cientista, de quem fez, da instituição que lançou o comunicado, se é do jornalista, podemos aqui discutir depois onde é que ficam estas responsabilidades, mas é porque muitas vezes os estudos nunca permitiriam dar essa resposta taxativa, faz bem ou faz mal, faz bem ou faz mal, nestas condições, com esta amostra, usando este método, E isto é muito mais complicado de traduzir e de tentar dar a conhecer.
Jorge (00:14:23) – Estamos, portanto, no fundo, a ser vítimas da tentativa binária de dar uma resposta clara e imediata às coisas. Não te quero deixar sair da incerteza ainda, porque em termos de comunicação pública lá está e podemos pensar, a pandemia é um bom exemplo, porque os cientistas invadiram as televisões, tentamos ou pelo menos de alguma maneira tivemos menos achadores profissionais e passamos a ter pessoas com mais robustes naquilo que estavam a pensar, não é complicado para nós cidadãos estarmos a ver dizer olha aqui está um super cientista, ele é a pessoa que mais sabe do país nisto e ele aparece no universo mediático, aparece na televisão, aparece na rádio e diz olha, não sei. E eu digo, então mas se este não o sabe estamos perdidos, porque ninguém sabe como é que é. E pelo contrário, já agora deixa-me introduzir aqui, parece o bevendor da bengada cobra.
Ana Sanchez (00:15:21) – Que sabe tudo. Que
Jorge (00:15:22) – sabe tudo. Tu
Ana Sanchez (00:15:23) – tens razão, isso é muito difícil e é um equilíbrio complicado. Porque lá está, eu acho que quando um cientista diz não sabe, este não sabe pode ser várias coisas. Eu não sei porque isso não é a minha área e falem com alguém que seja da área porque eu não sou capaz de responder. Isso não sei porque ainda não sabemos. E nós não sabemos porque ainda não temos dados suficientes, porque ainda passou pouco tempo, porque o que seja, porque este problema é intrinsecamente complicado, porque a variabilidade do mundo é muito grande, mas este porquê e o que é que é isto de não saber?
Ana Sanchez (00:15:55) – Portanto, acho que isto é importante e um bocadinho também em relação à incerteza. A incerteza também tem um problema complicado que é só quem sabe muito de um assunto é que consegue dizer qual é o grau de certeza que nós podemos ter. Portanto, isto depois também torna difícil esta comunicação. E depois temos o oposto que é esta tensão na comunicação de ciência que é, nós quando estamos a tentar explicar alguma coisa queremos tentar simplificar e traduzir o tema como certo e como digo há muitos temas que é muito pouco provável que sejam errados, mas muitas vezes retiramos esta ideia, desta incerteza da equação. E eu acho que isso não faz um bom serviço à ciência nem à comunicação de ciência, porque eu acho que pior do que um cientista dizer que, olha, isso não sai, pergunta outra pessoa, ou nós isso ainda não sabemos e enquanto sociedade temos que pensar, ou enquanto comunidade científica temos que pensar qual é que é a melhor maneira de nós ficarmos a saber, pior que isso é dizer que sabemos e depois descobrir-se que afinal não sabíamos.
Ana Sanchez (00:17:01) – Porque isso eu acho que é perder completamente a credibilidade da ciência. A ciência não é uma varinha mágica que nos dá a resposta sobre o mundo. A ciência é um empreendimento humano que nos ajuda a compreender, explicar e tirar partido do conhecimento que temos para melhorar as nossas vidas, para termos muito melhor. E a ciência já deu provas em todas as áreas em como esta tentativa de conhecer melhor o mundo se pode traduzir depois em benefícios para a sociedade, para a lei, do maravilhoso que para mim é compreender melhor como é que o mundo funciona.
Jorge (00:17:35) – Sinto certo que com o enfraquecimento, enfim, das religiões, a ciência parece às vezes quase como uma religião ela própria, não é?
Ana Sanchez (00:17:45) – É verdade que eu acho que algumas vezes a ciência é apresentada e eu tento… Quase
Jorge (00:17:52) – salvifica, não é? Quase salvifica
Ana Sanchez (00:17:54) – e quase como se pudessem ter todas as respostas ou como se as únicas respostas para todas as perguntas só pudessem ser aproximadas do ponto de vista da ciência. E isso, eu acho, mais uma vez, não faz um serviço à ciência. Por exemplo, quando começamos a falar de decisões baseadas na ciência. Claro que sim, a ciência deve estar sempre, quando precisamos tomar decisões complicadas, as evidências científicas e a nossa capacidade de explicar o mundo com a ciência e de prever eventualmente fenómenos com o conhecimento que temos deve estar em cima da mesa e deve estar, eu diria, nas primeiras linhas. Mas às vezes pode haver outras partes da equação que seja preciso ter em conta e a ciência não vai ter resposta para essas preocupações.
Ana Sanchez (00:18:38) – Se nós queremos dar particular atenção a uma questão social ou se precisamos naquela altura de tomar uma decisão que até vai contra as evidências científicas, mas precisamos de uma resposta imediata que nos resolvam outro problema ou ainda outra coisa. Nós dizemos baseada na ciência. Sim, mas por exemplo, voltando ao exemplo da pandemia, do ponto de vista da saúde pública, usar máscaras e descartáveis era muito importante. Do ponto de vista das ciências do ambiente, é muito mal toda a gente andar a usar máscaras descartáveis. A ciência de alguma delas está errada, nenhuma está errada, mas depois alguém tem que fazer o equilíbrio entre estes conhecimentos.
Ana Sanchez (00:19:11) – Eu acho que é importante percebermos que a ciência é uma ferramenta para perceber, é o corpo de conhecimento que obtivemos, mas é principalmente esta ferramenta que nos ajuda a propor teorias, contrapor essas teorias com as evidências que recolhemos e tentar, a partir daí, extrair a melhor explicação possível sobre o mundo, lá está, vivo, o mundo físico, o mundo social, onde estamos.
Jorge (00:19:33) – Quão irritada ficas tu quando os decisores, nomeadamente os políticos, mas não só, tomam decisões não apenas fazendo esse contraponto, mas dizem, não, não, mas a minha intuição diz exatamente o contrário deste tubo de ensaio.
Ana Sanchez (00:19:52) – Quer dizer, é irritante, obviamente, e eu acho que é principalmente irritante para quem é especialista de uma área, perceber que aquela decisão não é mais… Mas, apesar de tudo, irrita-me menos isso do que alguém me tentar convencer que está a tomar a decisão baseada na ciência, quando eu sei que a ciência ainda não tem força suficiente para aquela decisão ser tomada. Portanto, tu
Jorge (00:20:14) – preferes uma decisão que seja intuitiva e quase eu sinto que é assim e portanto tenho que responder?
Ana Sanchez (00:20:21) – Não é só o que eu sinto, mas é eu tomo esta decisão, sei que a ciência diz isto, mas por isto, preferia que não fosse só porque eu sinto, mas porque para o benefício da população neste momento, por uma questão monetária, por uma questão que eu consiga perceber, sei lá, se calhar o que eu sinto e irritar-me-ia. Mas o que eu quero dizer é que eu compreendo que não se siga sempre a ciência. Esta ideia de seguir sempre a ciência pode não ser possível porque pode haver outros
Jorge (00:20:48) – constrangimentos. O exemplo das máscaras era interessante porque, na altura em que sabíamos que as máscaras eram importantes, não havia capacidade de as produzir.
Ana Sanchez (00:20:54) – Por exemplo.
Jorge (00:20:55) – E isso é uma contingência inultrapassável ao
Ana Sanchez (00:20:58) – fundo. Exatamente. E é uma coisa com que os cientistas que sabiam de vírus respiratórios e de doenças sabiam perfeitamente que, claro, que máscaras é ótimo. Mas não há. Não há.
Jorge (00:21:08) – E esse é um ponto que é extraordinário. Olha, vamos à maneira como os cientistas comunicam. Olha, o telefone está a tocar. Está-se ligado. Um cientista que está ligado para nós a dizer que afinal não era isto.
Jorge (00:21:21) – Olha, como é que os cientistas comunicam? Como é que eles estão a comunicar?
Ana Sanchez (00:21:26) – Olha, eu acho que os cientistas estão a comunicar cada vez mais e cada vez melhor. Eu já comecei a trabalhar na área da comunicação, aliás eu passei da área de investigação para a comunicação, ainda havia muito pouca gente envolvida na comunicação de ciências, já se faziam algumas coisas, mas eu acho que há cada vez mais uma consciência, quer dos cientistas, quer das instituições científicas, que não podem ficar calados. Como é que os cientistas podem comunicar? Eu acho que é quase… Eu gosto de dizer que os cientistas às vezes dizem ah mas eu não tenho jeito.
Ana Sanchez (00:21:53) – Calma, como não tem jeito? Há tantas maneiras diferentes de comunicar que pelo menos experimente. Pode comunicar escrevendo, pode comunicar falando, pode comunicar fazendo experiências com as crianças, pode ir às escolas e contar a sua história, pode… Há tantas manadas
Jorge (00:22:07) – diferentes… Queres me explicar o que é isso? Eu não tenho jeito. Como é que é isso?
Ana Sanchez (00:22:11) – Olha, eu não sei. É o que alguns cientistas nos dizem. Ah, eu para comunicar não tenho muito jeito. Tenho muito jeito para investigar, mas para comunicar não tenho. Eu até aceito, eu acho que nós não devemos obrigar os cientistas que não querem comunicar a comunicarem, mas eu às vezes digo, pronto, pode não ter jeito para ir à televisão falar ou pode não ter jeito para fazer uma palestra, pode não se sentir confortável nesse…
Ana Sanchez (00:22:30) – Mas há outras formas de comunicar e por que não fazer desenhos, fazer esquemas, ajudar o designer a transformar aquelas ideias que tem numa ilustração? Quer dizer, há tantas maneiras diferentes de comunicar. Nós agora, esta semana, vamos ter aqui o dia aberto de ITKB, que é um dia em que nós procuramos mostrar os projetos de investigação que fazemos. E mesmo há tantas maneiras, há cientistas que vão estar a mostrar às crianças, a desmistificar um bocadinho algumas ideias, a mostrar como as reações químicas também estão presentes nas brincadeiras que elas podem fazer. Vamos ter visitas aos laboratórios, vamos ter um cientista que, claro que é capaz e tem jeito para mostrar o seu laboratório e falar dos seus projetos de investigação.
Ana Sanchez (00:23:15) – A mais ninguém brilha os olhos com um projeto de investigação do que o cientista que está diretamente envolvido
Jorge (00:23:20) – nele. E isso ajuda? Eu acho que ajuda. O corpo que se move.
Ana Sanchez (00:23:25) – Eu acho que sim. Eu acho que ter estas pessoas que se entusiasmam lá está com o que é que se passa dentro de uma planta, ou dentro de um micro-organismo, ou dentro de o que for, e que transmitem isso, eu acho que sim, eu acho que isso ajuda.
Jorge (00:23:36) – E agora aquela parte que é, eu agora tenho que explicar a nanopratícula, a descoberta mais intrincada, a religiaria fina que eu e os meus pares conseguimos falar através de complicados textos científicos e agora tenho que explicar isto à D. Maria, que está lá em casa.
Ana Sanchez (00:23:55) – Exatamente, é isso. E como digo, eu não estou a dizer que para todos os temas seja possível ir ao detalhe do que o cientista está a tentar descobrir.
Jorge (00:24:04) – Como é que se faz? Como é que se pode fazer?
Ana Sanchez (00:24:05) – Eu acho que mesmo quando não é possível explicar o detalhe, eu consigo dizer, olha, eu estou a estudar, estou a tentar perceber uma coisa que os cientistas há 100 anos andam a tentar perceber e ainda não perceberam. E depois a Dona Maria disse, então mas conta-me um bocadinho mais sobre isto. Sabe Dona Maria, eu tenho aqui na nossa pele, vivem uns micróbios, são parecidos com os que nos causam doenças, mas estes fazem-nos bem. E dentro destes micróbios ninguém sabe muito bem como é que eles funcionam e eu estou a tentar ajudar isso. Mas como é que estuda isso?
Ana Sanchez (00:24:34) – Ah, eu uso um microscópio ou tento partir este micro-organismo em bocadinhos e vou tentar ver de que partes é que ele é feito e como é que ele é feito lá por dentro.
Jorge (00:24:43) – Vais aproximando-te.
Ana Sanchez (00:24:44) – Vou aproximando-te.
Jorge (00:24:45) – Mesmo quando nós chegamos a conceitos que para nós, alguns são apostados e nós vamos começando a compreendê-los, a célula, o átomo, mas depois isto parece sempre ter
Ana Sanchez (00:24:57) – mais uma
Jorge (00:24:58) – camada. E Nós olhamos e dizemos o universo é infinitamente grande. E parece que os cientistas estão exatamente apostados em ir para o infinitamente grande e, pelo contrário, quando a gente acha que já chegou ao mais pequeno, pro menor, eles ainda inventam mais três de grau na surcave.
Ana Sanchez (00:25:15) – Lá está. Isso é para a curiosidade de ver e agora o que é que estará a seguir, e agora o que é que estará a seguir. Mas eu acho que nós temos que tentar ir aproximando. Eu gosto muito de usar a analogia da cebola, não é? Nós vamos começando por fora, vamos tirando de cascas, mas também temos que esperar.
Ana Sanchez (00:25:31) – Uma coisa que nós também sabemos já na comunicação de ciência é que nós temos que tornar isto num diálogo. Isto não pode ser eu, de repente, palestrante, falar sobre que país. Eu posso começar por definir, olha, agora vou definir o que é uma célula, depois defino o que é um átomo, depois define o que é… E agora à sequer já percebeste o que é tudo?
Jorge (00:25:49) – Isso é uma aula.
Ana Sanchez (00:25:50) – Exatamente. E não é isso que nós queremos. Nós queremos conversar com as pessoas. Queremos ouvir também as… Do outro lado quais são as dúvidas que têm.
Ana Sanchez (00:26:00) – E às vezes é muito engraçado. Agora, estávamos a fazer lembrar uma coisa, desculpa, se calhar se sai um bocadinho do tema. E este programa é anarquico? Então pronto, é tão maravilhoso. Podemos ir por qualquer lugar.
Ana Sanchez (00:26:08) – Como o meu cérebro. Estava-me a lembrar que às vezes as questões das pessoas nem são científicas. Eu estava a lembrar de uma viagem de táxi que tive na altura da pandemia e o taxista me dizia, eu não vou levar a vacina. E eu, pronto, pensei que não posso, alguém que trabalha em comunicação de ciência não pode deixar passar isto. Eu não vou deixar.
Ana Sanchez (00:26:33) – Eu tenho que convencer esta pessoa. Mas comecei a conversar um bocadinho e depois de repente pensei, isto não está a resultar, isto não estou conseguindo minimamente fazer perguntas. Em vez de estar a tentar explicar que a vacina era segura e que não sei o que mais. Fiz apenas a pergunta, mas o que é que eu faria mudar de opinião? E esta é uma pergunta muito engraçada de fazer às pessoas, porque é a que obriga a pensar o que é que eu tenho de facto contra isto.
Ana Sanchez (00:26:59) – E o que eu me faria mudar de opinião, naquele caso, era se me deixassem escolher a marca da vacina. Ora, isto não é uma proposição contra a ciência, isto não é uma desconfiança da ciência, isto é uma desconfiança de quem está a tomar a decisão de decidir que você leva a AstraZeneca ou leva a da Pfizer ou
Jorge (00:27:16) – leva… Portanto, se eu estiver com a capacidade de poder fazer uma escolha, mesmo que não a compreenda completamente, isto reduz o meu grau de incerteza.
Ana Sanchez (00:27:25) – Pelo menos para aquela pessoa, e se era importante que alguém tivesse, quer dizer, não sei se isso pudesse ter alguma solução, O que estou a dizer é que nós, às vezes, quando começamos a conversar com pessoas e as pessoas dizem que não percebem ou que desconfiam, às vezes precisamos dar espaço para ouvir então… E
Jorge (00:27:40) – perceber onde é que está a
Ana Sanchez (00:27:41) – dúvida. Às vezes as dúvidas são científicas e nós podemos esclarecer, às vezes as dúvidas estão noutro sítio. E
Jorge (00:27:46) – são de percepção também muitas vezes,
Ana Sanchez (00:27:48) – não é? Ou são de vivências que a pessoa teve, ou são muito mais complicadas. Há um filósofo de ciência que eu gosto muito que se chama, não quero enganar o nome dele, Lee McIntyre, que escreveu um livro que o segundo pelo menos já está traduzido em português, que se chama Como Falar com o Negacionista, e ele no fundo faz este exercício, que é como é que eu faço para falar com quem já está completamente do outro lado. Ele chega um bocadinho à conclusão que falar com quem já está tão afastado da realidade assim é muito complicado, mas chega também a esta conclusão de que eu preciso perceber onde é que está o problema, porque às vezes o problema não tem nada a ver com a ciência, não tem a ver com a desconfiança da ciência, tem a ver com… Eu sempre me enganaram na minha vida, sempre…
Jorge (00:28:33) – E portanto, em princípio, estão a tentar me enganar outra
Ana Sanchez (00:28:36) – vez. Pronto, exato. E por outro lado, ele também acaba por concluir, e é um bocadinho a conclusão que nós já acabamos de chegar quando começamos a discutir estes temas da comunicação de ciência e da incerteza e tudo o mais, a comunicação de ciência quase que tem que ser uma comunicação unipessoal, quase uma comunicação, a comunicação para grandes quantidades de pessoas. Quando o objetivo é mudar opiniões ou ir muito fundo numa questão é muito complicada, porque cada um de nós tem a sua base de conhecimento e mais do que isso, tem as suas emoções, as suas percepções, as suas dúvidas e mesmo aqui todos os cientistas aqui do Itica e B, eu tenho a certeza que se forem honestos, reconhecerão que algumas das suas decisões não são sempre seres completamente objetivos e racionais para tudo. Nós também, lá está, às vezes falamos na sorte, às vezes…
Ana Sanchez (00:29:25) – Portanto, tudo isto faz parte de quem nós somos.
Jorge (00:29:28) – Olha, tu falaste um bocadinho dos cientistas que comunicam, da maneira até como falam com as crianças, isso é muito interessante, as crianças nascem claramente curiosas, a fazer perguntas, muitas perguntas, muitas perguntas. E nós envelhecemos e estupidificamos, é a minha sensação.
Ana Sanchez (00:29:45) – É um bocadinho, Eu acho que nós todos temos um bocadinho a sensação e muita gente acha que o sistema escolar mata a curiosidade. Eu já ouvi várias…
Jorge (00:29:51) – Parece, não é?
Ana Sanchez (00:29:52) – Não tenho estudos sobre… Nunca estudei o assunto.
Jorge (00:29:57) – Cala-te, não perguntes. Olha, isto é assim e impina a matéria.
Ana Sanchez (00:30:00) – Exatamente. Se é o sistema escolar, se nós depois não temos as crianças que não passaram pelo sistema escolar em que possamos dizer, olha, aqui está estas que nunca foram à escola e continuam curiosíssimas, se calhar é faixa ou parte do nosso processo de crescer. Mas é verdade, e eu de certa maneira acho que muitos cientistas são como são porque mantêm, por alguma razão, ou porque passaram pela escola mais em columes, ou porque tinha o género da curiosidade mais desenvolvido, não sei, a continuar com essa curiosidade quase infantil de fazer perguntas. Eu acho também que é Por isso que os cientistas gostam tanto de explicar o que fazem as crianças, porque todas aquelas perguntas que vêm do nada e que é muito giro, porque eu, agora há muito tempo, como já não estou ativa no trabalho de bancada e não tenho projetos de investigação na área da biologia, não tenho feito tanto isso. Mas às vezes as perguntas que as crianças me faziam punham mesmo.
Ana Sanchez (00:30:47) – É pá, nunca pensei disto desta maneira. Bem visto, bem visto. Vou ter que ir para o laboratório, vou ter que ir para o laboratório ver isto deste ângulo que eu nunca tinha pensado. E quem diz crianças também, obviamente quando se fala com adultos, às vezes porque têm outra experiência, porque têm outra perspectiva, é muito engraçado conseguir ouvir de repente. Espera, este problema agora visto pelos teus olhos é complicado.
Ana Sanchez (00:31:09) – E outra das coisas que eu também gosto muito na comunicação de ciência em particular, que é uma oportunidade para os cientistas, num determinado momento, saltarem para os chapatis do outro lado e pensarem como é que é este problema ou como é que é este meu tema que me apaixona tanto, visto por quem nunca pensou nisto. Na vida real. Exatamente.
Jorge (00:31:29) – Por exemplo. E isso lá está, mas esta ideia de os cientistas lidam bem com a ideia de serem questionados. Não pelos pares. Eu percebo que pelos pares, nós estamos a falar de dominam a mesma linguagem, o mesmo jargão, no fundo o mesmo código, mas o ignoto povo que diz mas olha que isso, olha que não, não é? Lá está.
Ana Sanchez (00:31:52) – Se calhar nem sempre lidam bem, se calhar até porque às vezes isso, olha que não, olha que não, não sabem que têm razão. Até porque
Jorge (00:32:01) – estamos a falar de pessoas com um QI gigantesco, seguramente maior que a média da população e portanto… Se
Ana Sanchez (00:32:05) – calhar. E tem um ego. Ou pelo menos, tem um ego também e verdadeiramente são pessoas que estudaram durante muitos anos um assunto, é a mesma coisa que eu viro ao cardiologista e ele dizer, eu acho que você precisa ser operado e eu dizer, ah, eu acho que não, Eu vou ali falar com aquele senhor, o Merceeiro. Olha que
Jorge (00:32:20) – eu não acredito.
Ana Sanchez (00:32:21) – O Merceeiro a mim disse que não era preciso e portanto não vou fazer. Quer dizer, a data da altura é um bocadinho ridículo. Alguém que estudou durante muito tempo um assunto, obviamente, achará que sabe muito sobre o tema e que dificilmente alguém lhe poderá fazer alguma apontar ou que um leigo poderá apontar uma coisa que ele não tenha reparado. Ponto número um, isso pode não ser verdade porque ele pode nunca ter pensado de outro ângulo. Uma das coisas que eu gostei de assistir durante a pandemia em conversa com cientistas é que eu acho que pela primeira vez os cientistas também se aperceberam que não é só falar sobre a ciência, não é só explicar a ciência.
Ana Sanchez (00:32:55) – As decisões, as perceções, tudo mais, depende de muitas outras coisas e, portanto, não é só uma questão de nós. Há muito esta ideia e isto ainda está um bocadinho enraizado nos cientistas. Estavas-me a perguntar à bocado se os cientistas comunicam muito. Eu acho que eles comunicam muito, comunicam cada vez melhor e comunicam cada vez mais. Mas há uma coisa que ainda demora, que se calhar demora mais tempo e a pandemia estará sendo um bom laboratório para isso, que é pensar que não é só dar os factos.
Ana Sanchez (00:33:20) – Os cientistas, como estão habituados a trabalhar desta forma, pensam, se ele conseguir explicar tudo, ele vai pensar, e exatamente da mesma forma que eu. O
Jorge (00:33:27) – que é mentira. O
Ana Sanchez (00:33:28) – que não é verdade. E Lá está aquele livro que falava do como falar com o negacionista também. Não é uma questão de lhes dar os factos todos, porque ninguém… Não é uma questão de saber mais. É uma questão…
Ana Sanchez (00:33:39) – Às vezes são outras questões, é uma questão do vida constante, é uma questão… Às vezes também é uma questão de charlatanice e de estar a querer fazer dinheiro com pseudociências. Mas, portanto, não é só… E eu acho que a pandemia foi boa para as pessoas perceberem, não é só uma questão de dar a informação toda. As pessoas precisam de aprender, precisam de aprender no seu contexto, também querem ver o que é que os seus amigos fazem, o que é que o seu grupo, o que é que a sua tribo está a fazer.
Ana Sanchez (00:34:03) – Quase um
Jorge (00:34:03) – consenso social, não é? O que é que nós estamos todos
Ana Sanchez (00:34:05) – a fazer. E, portanto, lá está a pandemia, a vacinação e tudo, é uma história de sucesso em Portugal, também porque nós tivemos esta conjuntura que permitiu que as pessoas fossem todas aderindo e havia quase esta…
Jorge (00:34:20) – E depois olhamos para trás e é quase óbvio que fizemos determinadas coisas e que fizemos bem, sendo que na altura em que as coisas aconteceram, se calhar, alguns de nós, em determinados momentos, não sei, desconfiamos que isto se calhar não é capaz de não ser a melhor das opções. Olha, do outro lado, daqueles que tem que selecionar, daqueles que são perguntadores profissionais, dos jornalistas, esta relação entre o jornalista que tem que simplificar a mensagem para que todos possamos compreender e o cientista que, ortodoxo, que acha que o rigor absoluto é um ponto não negociável. Como é que é esta tensão?
Ana Sanchez (00:35:03) – Olha, mais uma vez, depende um bocadinho dos cientistas e é outra coisa que eu acho que também tem havido uma aproximação cada vez maior, embora os jornalistas perguntadores de ciência também são cada vez menos e, portanto, não há tantas oportunidades assim.
Jorge (00:35:17) – Estão a desaparecer,
Ana Sanchez (00:35:18) – não é? Há cada vez menos jornalistas de ciência, sim. Tens alguma
Jorge (00:35:21) – ideia porquê?
Ana Sanchez (00:35:23) – Eu não tenho ideia porquê, quer dizer, tenho algumas ideias do que vou ouvindo. Não sou jornalista, não trabalhei em redações, mas o que eu ouço é que as redações estão a encolher e ao encolher diminuem o número de jornalistas especializados em determinados temas e apesar de tudo, fazer cobertura sobre ciência, um perguntador profissional chegará, mas há algumas nuances que é importante ao jornalista ser especializado.
Jorge (00:35:48) – Estamos a descolificarmos.
Ana Sanchez (00:35:50) – Eu acho que de alguma maneira a ideia que transparência é que o jornalista hoje está a cobrir ciência e amanhã está a cobrir futebol.
Jorge (00:35:58) – E assim é mais barato?
Ana Sanchez (00:35:59) – Provavelmente assim é mais barato, sim. Então
Jorge (00:36:01) – como é que é essa tensão entre cientistas e jornalistas?
Ana Sanchez (00:36:05) – Esta tensão acontece por muitos motivos e acontece desde logo porque os objetivos do trabalho de um e do outro são diferentes. Se tivesse
Jorge (00:36:14) – histórias estou à espera delas, como é evidente, é um momento de tensão.
Ana Sanchez (00:36:18) – Os ritmos de trabalho são diferentes, não é? Um investigador que está uma vida inteira a trabalhar num assunto e, de repente, um jornalista quer que ele simplifique. É já. É agora para já e quer uma resposta para as seis. E, portanto, eu acho que há aqui também uma aprendizagem mútua do que é que é possível fazer e do que, de como é que se pode trabalhar em conjunto.
Ana Sanchez (00:36:39) – E eu acho que mais uma vez tem a sensação aqui dentro, pelo menos, que há cada vez mais esta sensibilidade. Quando o jornalista quer um comentário sobre um artigo que saiu e que é preciso comentar até às seis, já começamos a ter cientistas que diziam, que diziam, ok, eu até às seis consigo.
Jorge (00:36:53) – Porque se não fôs a jogo, no fundo não
Ana Sanchez (00:36:55) – apareces. Se não fôs a jogo não apareces e aí, entram tu, há um pouco, estávais a dizer, vem outra pessoa que não sabe nada do assunto e
Jorge (00:37:01) – parece saber sobre os temas. Se estão a ouvir autoridade, venha a banha
Ana Sanchez (00:37:04) – da Fome. Venha a banha da cobra. E portanto, eu acho que isto os cientistas também estão cada vez mais conscientes. Uma coisa que os cientistas detestam é que os obriguem a falar de temas que eles não dominam e eu isso acho que ainda bem. Mesmo durante a pandemia alguns cientistas apareceram de vez em quando a travazar um bocadinho as áreas que dominavam.
Ana Sanchez (00:37:23) – Eu acho que é preciso termos aqui algum cuidado. Uma das coisas que eu acho nas atividades de divulgação e de comunicação de uma instituição é preciso nós temos que… Os cientistas não são sábios, não é alguém que sabe tudo.
Jorge (00:37:33) – Então agora como é que tu, aqui nesta instituição ou em outro sítio, como é que tu escolhes essas fontes, como é que tu escolhes a fonte certa? E já agora, se me permites, a segunda pergunta. E quando a fonte certa é de facto a pessoa que mais sabe, mas a sua capacidade de comunicar ou de ajustamento ao meio não funciona tão bem. É
Ana Sanchez (00:37:56) – assim, escolher a pessoa certa não é tão complicada assim, porque apesar de tudo nós depois quando estamos numa instituição sabemos os projetos de investigação que estão a acontecer e portanto se vai um… De repente um artigo sobre resistência a antibióticos, por exemplo, que é um tema que se trabalha…
Jorge (00:38:10) – Tu sabes
Ana Sanchez (00:38:11) – quem investiga? Eu sei quem são os investigadores que estão na área e até posso falar… Porque há vários investigadores a trabalhar na resistência a antibióticos de diferentes perspectivas, eu até posso falar com vários e dizer – olha, o que tu achas? É isto? –
Jorge (00:38:20) – Quem é que é o melhor de nós? Quem é
Ana Sanchez (00:38:21) – que é a pessoa que faz sentido? Muitas vezes o cientista que acaba por ser aquele que é para falar Está disponível e tudo corre bem. Às vezes diz que não, que não quer, porque não tem jeito, ou porque não sabe fazer, ou porque… E aí há o tentar convencer e dizer, mas então treinamos aqui, conversamos nós um bocadinho.
Jorge (00:38:43) – O treino é importante?
Ana Sanchez (00:38:45) – O treino, ou pelo menos esta conversa, não estou a dizer o treino no sentido de irem as frases feitas, até porque tu sabes que isso é impossível.
Jorge (00:38:50) – Isso soa falso, não é?
Ana Sanchez (00:38:52) – Soa falso e eu acho que na prática nunca resulta. Mas, portanto, esta ideia de conversar, que a pessoa que está a coordenar agora o nosso gabinete de comunicação, faz isso muitas vezes, não é? Que senta-se com o investigador e diz então eu agora vou fazer de jornalista. Eu perguntei-lhe isto, porque é que responderia? E portanto isso também vai aliviando um pouco.
Jorge (00:39:08) – Diminuando a ansiedade. E
Ana Sanchez (00:39:10) – desmistificando esta ideia do que é interação com o jornalista. E portanto às vezes é mesmo impossível quer dizer se uma pessoa se recusa porque se recusa porque se recusa, pronto. O que nós tentamos sempre é que não deixar o perguntador sem um… Alguém, sem
Jorge (00:39:26) – uma fonte.
Ana Sanchez (00:39:27) – Sem qualquer coisa. Se não é este, então diga-me quem.
Jorge (00:39:30) – E a outra parte disto que é ainda por cima com os jornalistas cada vez menos especializados, que é ok, o tema é importante, sim há a fonte certa, mas o jornalista não está preparado para aquilo, não fez a pergunta certa, não escolheu o ângulo certo. Lidas depois com essa frustração, com essa… Sim,
Ana Sanchez (00:39:48) – mais uma vez, agora hoje em dia não é esse o meu trabalho, mas fiz isso durante algum tempo e aqui há coisas que nós podemos fazer, que é a conversa com o jornalista antes.
Jorge (00:39:57) – Um brifim, que
Ana Sanchez (00:39:57) – no fundo fala com ele. Uma espécie de falar com ele e explicar-lhe o que é que é. Normalmente, eu pelo menos nas interações que tive, eu sinto sempre uma grande, aliás eu acho que os jornalistas partilham isso com os cientistas, que é esta vontade de saber. E portanto verdadeiramente o jornalista está ali a tentar saber a história e saber quais são os ângulos possíveis e às vezes não acertamos no ângulo que nós achamos o mais engraçado, mas está ali verdadeiramente a tentar fazer a história. Tu
Jorge (00:40:22) – tens uma história de sucesso agora? Ganhaste uma bolsa para conseguir trazer os jornalistas para aqui por adentro. E quando vi isto, eu disse, mas o que? Jornalistas de cientistas? Não me parece.
Jorge (00:40:33) – Jornalistas comunicadores também não. Como é que é?
Ana Sanchez (00:40:37) – Eu vou te contar assim, essa história é uma ótima história, uma história com a qual ando do sorriso da orelha a orelha desde que sabemos o resultado. Isto é um projeto europeu, é um projeto com consórcio que em Portugal envolve o António Granada e eu. O António Granada é jornalista, jornalista, foi jornalista de ciência durante muitos anos, é também professor de jornalista na Universidade Nova e, portanto, nós já trabalhamos juntos há muitos anos, porque criámos o mestrado de comunicação de ciência. E surgiu esta oportunidade, portanto é uma apela a candidaturas do Conselho Europeu de Investigação, se calhar algumas pessoas saberão o que é o Conselho Europeu de Investigação, de vez em quando aparecem bolsas milionárias para os cientistas XY. A nossa bolsa é boa, mas não é tão milionária como essas dos cientistas e é para…
Ana Sanchez (00:41:26) – Essas bolsas normalmente são para um investigador desenvolver um projeto de investigação, aqui a ideia é que um consórcio de instituições crie um programa de residências de jornalistas em instituições científicas em toda a Europa. A ideia é esta.
Jorge (00:41:45) – Imagina uma carga de trabalhos para selecionar os jornalistas da Europa e como é que se fazem essas residências?
Ana Sanchez (00:41:51) – Isto tudo ainda está, vamos que estamos agora a começar. Ganharam
Jorge (00:41:54) – e disseram.
Ana Sanchez (00:41:55) – Exatamente, e agora vamos ter mesmo por isto. Portanto, este consórcio envolve-nos a nós aqui da Nova em Portugal, envolve a Universidade de Pompeu Fabra em Barcelona, envolve um centro de ética para o jornalismo em Itália e uma consultora científica em Israel. E portanto, nós agora, de facto, vamos ter de começar a pensar como é que isto se faz, sendo que temos algumas ideias, pelo menos temos alguns sonhos do que como é que estávamos, como nós imaginamos isto, é no fundo como existem as residências dos artistas e nós aqui no ITKB já tivemos dois ou três artistas que fizeram residências e no fundo vinham para cá e faziam as obras de arte, inspiravam-se no que quisessem e faziam as suas obras de arte. São uns projetos que houve há uns anos em parceria com a Direção Geral das Artes. E no fundo a ideia é um bocadinho esta.
Ana Sanchez (00:42:40) – O jornalista vai ter que propor uma ideia, da mesma maneira que estes artistas tinham propor uma ideia, portanto vai ter que propor alguma coisa e vai ter que dizer para que instituição é que gostaria de ir. Ainda estamos aqui a ver se as instituições se oferecem, como é que tudo isto vai funcionar. E depois o jornalista passa três a cinco meses nessa instituição, ou até pode ser que possa ser possível em mais de uma instituição, período durante o qual recebe uma bolsa que é suposto ser, quer dizer, permiti-lo viver durante esses meses sem precisar de fazer outros trabalhos, porque o que nós queremos é que ele se possa dedicar em exclusivo a esta residência. E depois, o que nós acreditamos é que entendo os jornalistas dentro das instituições, eles possam encontrar aquelas histórias da ciência. E
Jorge (00:43:22) – vão encontrar? Eu
Ana Sanchez (00:43:23) – acho que vão.
Jorge (00:43:23) – Vão, e lá está. E vão fazer formação na realidade
Ana Sanchez (00:43:26) – também, na maneira de
Jorge (00:43:28) – pensar, na maneira de ver o mundo, na maneira de investigar.
Ana Sanchez (00:43:30) – De tudo. Eu gosto muitíssimo desta ideia. Portanto, esta ideia do Conselho da Europa da Justificação de propor que se fizesse este tipo de residências acho uma ideia muito boa porque eu acho que é isso que falta. As notícias sobre ciência vão aparecendo porque há artigos publicados e depois há os comunicados de imprensa, mas no fundo a ciência é retratada como se fosse uma sequência de momentos eureca e isso não é nada do que a ciência é. A ciência não é isso.
Ana Sanchez (00:43:55) – E portanto, um jornalista que possa passar três a cinco meses livre do seu emprego, Só concentrado no dia a dia do que é um instituto de investigação, acho que podem sair daqui coisas fantásticas e além das ideias, porque obviamente terão que propor algum projeto jornalístico para fazer, mas eu estou convencida que para além do projeto que daí sair, surgirão outras coisas. Uma das coisas importantíssimas neste projeto e que nós queremos muito prezar é que a proposta é do jornalista e o jornalista é independente. Se ele encontrar histórias que não são tão bonitas sobre a ciência, não serão.
Jorge (00:44:27) – Há que enfrentar. É
Ana Sanchez (00:44:28) – que enfrentar é para contar as histórias que há. Se calhar às vezes contar como pode ser frustrante não obter um resultado, pode ser útil para que as pessoas percebam, é verdade, e pode ser útil para que as pessoas percebam que a ciência é isto, é uma tentativa de explicar o mundo, é uma tentativa que às vezes corre bem e às vezes nem por isso. Olha,
Jorge (00:44:45) – Nós estamos praticamente a terminar, mas está tudo louco com a inteligência artificial. Chamada inteligência artificial, não sei se está inteligência artificial, não sei. Aquilo parece, no fundo, aparentemente o fogo artifício é, francamente, apelativo. É o que eu posso dizer. Estás do lado da tribo dos muito animados com a ideia de ter uma máquina mais esperta que nós ou no lado dos preocupados com esse caminho?
Jorge (00:45:12) – E o não-control desse caminho no fundo,
Ana Sanchez (00:45:14) – não é? Sim, Eu confesso, sou uma pessoa cautelosa e fico um bocadinho preocupada. Acho entusiasmante ao mesmo tempo, não é? Não posso deixar de deixar entusiasmante tudo isto que esta inteligência artificial que já temos, que é verdade, que há muitos que defendem que nem é bem uma inteligência, uma aprendizagem artificial. No fundo é o reunir muita informação e tentar tirar sentido dessa informação.
Ana Sanchez (00:45:42) – Eu estou entusiasmada, como dizia, acho que tem aqui algum entusiasmo daquilo que pode fazer. E eu acho muita graça, por exemplo, ir ver o que é que o chat GPT já consegue fazer e a quantidade de informação que consegue tratar e como é que consegue converter informação complicada em informação mais simples, porque isto é uma coisa… Fico um bocadinho preocupada se ficamos aqui todos sem emprego. Mas acho interessante, acho também que… E não sou só eu que acho, quer dizer, as próprias revistas científicas estão a revelar alguma preocupação com estes modelos de linguagem automática, que, de repente, nós conseguimos ter…
Ana Sanchez (00:46:21) – Pedir aos Estados de GPT a escreve um artigo científico e, de repente, ele inventa… Vai buscar informação verdadeira e informação falsa e de repente escreve uma coisa que não é verdade. Podemos
Jorge (00:46:30) – ter a recriação de uma falsidade nas narrativas que… Eu li um artigo do pai da Inteligencia Artificial, um dos pais da Inteligencia Artificial, de que, dentro de pouco tempo, perderemos a capacidade de descobrir a fronteira entre o que é falso e o verdadeiro?
Ana Sanchez (00:46:49) – Eu quero acreditar que não, que nós saberemos encontrar essa fronteira e que estaremos preocupados em encontrar essa fronteira. Eu acho que nós ainda não estamos aí, Mas estamos certamente numa… E uma das coisas que já pode ser muito real, por exemplo, para a comunicação de ciência, é se, de repente, nós temos diferentes… Aumentar a desinformação ou aumentar a má informação é muito fácil, é só por textos circulares. As fake news.
Ana Sanchez (00:47:15) – Exatamente, mas é umas fake news a uma escala muito grande. Portanto, podemos de repente aqui um problema que já era um problema, que é esta questão das fake news, se tornar numa escala que seja cada vez mais difícil de controlar. Aqui eu acho que nós vamos ter que saber reganhar ou não perder completamente, porque nós, apesar de tudo, eu acho que a ciência, as instituições científicas e os cientistas têm alguma confiança, mas nós vamos ter que reconhecer que vai ter que haver instituições, não é instituição da verdade, porque isso não
Jorge (00:47:44) – vai existir. Curadores?
Ana Sanchez (00:47:45) – Eu não sei se… Eu acho que os curadores terão que ser, se calhar, bons órgãos de comunicação social, boas instituições científicas que vão navegando e que vão tentando… Eu assustamo um bocadinho pensar que há a entidade que diz que esta informação é verdadeira, mas sim os curadores que vão selecionando e dando tanto quanto possível a garantia de que aquela informação é verdadeira ou pelo menos assenta em informação fidedigna e que foi validada por alguém. Sim, no fundo a ideia dos curadores acho que faz sentido.
Jorge (00:48:14) – Entre uma grande descoberta impossível de comunicar Ou uma assim, assim, mas que facilmente é comunicável? Para que lado depende o teu coração?
Ana Sanchez (00:48:25) – Para a grande descoberta impossível de comunicar. Adoro o desafio de pensar como é que isso explicaria, Adoro pensar nisso. Não só por ser uma grande descoberta, mas por esta ideia de que nós de repente podemos mudar a forma como olhamos para o mundo e de repente podemos pensar que o mundo afinal não era exatamente como nós pensávamos. Isso fascina-me imenso. Ser
Jorge (00:48:43) – cientista é claramente um modo de vida, tal como ser jornalista, há sendo um propósito maior a perseguir. A curiosidade é o motor. O vigilúmero da descoberta, do novo, da explicação do inexplicável é um ponto comum entre estas duas missões de vida. Comunicar descobertas científicas pode ser difícil. O infinitamente grande e o infinitamente pequeno são muitas vezes abstratos e isso torna espinhosa a tradução dos avanços da ciência para o público em geral, para o público leigo.
Jorge (00:49:08) – Mas esta boa comunicação é crítica para combater mitos e reforçar a confiança na melhor forma de obter e testar o conhecimento. E esse é o método científico. Por isso é importante falar de ciência e contar o que é que os cientistas andam a fazer. Nós voltamos para a semana. Voltem também.
Ana Sanchez (00:49:45) – E aí E aí E aí E aí E aí